Page 165 - Revista da Armada
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quer dizer que a esquadra se desviara, claramente, do seu cami-
                                                              nho para demandar aquela terra.
                                                               Ao sol posto desse dia 22 de Abril de 1500 – há quinhentos
                                                              anos atrás — os navios lançavam ferro à vista da terra brasileira.
                                                              No dia seguinte procuraram melhor posição e demandaram a foz
                                                              do rio Frade onde os capitães se reuniram, sendo decidido que
                                                              Nicolau Coelho (que já fora capitão da esquadra de Vasco da
                                                              Gama) deveria ir reconhecer aquela terra e a foz do respectivo
                                                              rio. Deu-se o primeiro contacto com as populações locais, mas o
                                                              encontro foi muito rápido porque o estado do mar não aconse-
                                                              lhava demoras e a comunicação não era fácil, uma vez que a lín-
                                                              gua era completamente desconhecida dos portugueses. Aliás
                                                              esse mau tempo viria a aconselhar a que se procurasse uma
                                                              posição mais resguardada e a 24 levantaram ferro caminhando
                                                              em direcção a norte. “… e mandou o capitam aos navios
                                                              pequenos que fosem mais chegados aa terra, e que, se achasem
                                                              pouso seguro para as naaos que amaynasem. E, seendo nós pela
                                                              costa obra de 10 legoas d omde levamtamos, acharam os ditos
                                                              navios pequenos huum arreçife com huum porto dentro muito
                                                              boo, e muito seguro, com huua muy larga entrada, e meteram
                                                              dentro e amaynaram […]” (Caminha). No dia seguinte, sábado,
                                                              entraram então no porto onde fundearam e permaneceram até 2
                                                              de Maio, confraternizando com os índios brasileiros e abastecen-
                                                              do de água e lenha. A tradição aponta esse Porto Seguro como a
                                                              parte sul da Baía Cabrália, e os estudos efectuados confirmam
                                                              esse situação (Mapa de M. J. Guedes).

                                                               É interessante notar como Pero Vaz de Caminha fala destes índios
         Aproximação à costa brasileira. M. J. Guedes.        brasileiros: “A feiçam d eles he seerem pardos, maneira d ‘aver-
                                                              melhados, de boos rostros boos narizes bem feitos; amdam nuus,
         se aproximou da costa brasileira a tal ponto que a 21 de Abril  sem nenhuua cobertura; nem estimam nenhuua coussa cobrir,
         (pouco mais de um mês depois de ter passado em Cabo Verde)  nem mostrar suas vergonhas, e estam açerqua d’isso com tanta
         viram o mar pejado de ervas compridas, indicando a proximidade
         de terra a estibordo, e no dia seguinte apareceram umas aves ma-
         rinhas a que os marinheiros chamavam fura-buchos. Tanto quanto
         se pode deduzir dos documentos que chegaram até hoje, estes
         sinais fizeram com que Pedro Álvares Cabral decidisse procurar
         essa terra, e essa decisão não deixa de ser estranha no contexto em
         que as coisas se desenrolavam. Repare-se como as instruções de
         Vasco da Gama recomendam que não haja nenhuma demora.
         Pensemos ainda que uma frota daquela dimensão, ao desviar-se do
         seu rumo normal e das instruções pre-estabelecidas, acaba por
         perder muito tempo até que seja restabelecida a coordenação indis-
         pensável para retomar o caminho. Na minha maneira de ver, a
         decisão de ir atrás desses sinais de terra era uma decisão insensata,
         se não tiver outra motivação a determina-la. Será que a água não
         escasseou? Teria aquela arribada sido motivada por carências que
         não aparecem nos documentos?… A verdade é que a viagem esta-
         va adiantada em relação à anterior e se lhe faltavam abastecimentos
         teria sido melhor ter parado na já conhecida aguada de Santiago.
         Houve aqui algum erro que nos escapa?… Pode até ter acontecido
         que o navio desaparecido em Cabo Verde tivesse diminuído drasti-
         camente os meios de sobrevivência do pessoal. Enfim, esta atitude
         de Cabral não está completamente esclarecida pelos documentos
         nem pelos estudos que deles se fizeram e permanecerá em aberto
         até uma melhor explicação.
           A descrição que nos faz  Pero Vaz de Caminha da aproximação
         à costa brasileira sugere, sem sombra de dúvida, que a frota
         navegava a WNW (ou W4NW). Repare-se: “e neeste dia, a oras
         de bespera, ouvemos vista de tera, saber: primeiramente d huum
         gramde monte muy alto e redondo, e d outras terras mais baixas,
         ao sul d ele, e de terra chãa, com grandes arvoredos, ao qual
         monte alto o capitam pos o nome de monte Pascoal, e aa tera a
         tera de Vera Cruz”. O Contra-Almirante Max Justo Guedes estu-
         dou este avistamento com muita atenção e confirmou-a posteri-
         ormente, fazendo a aproximação a terra com um helicóptero da
         Marinha Brasileira a voar à altura das vergas dos navios de
         então. De facto, o Monte Pascoal com as terras a sul corresponde
         a uma aproximação da costa vindo ao rumo já referido e isso  Índios do Brasil. É notória a assimilação à imagem de Adão e Eva no paraíso.  ✎
                                                                                       REVISTA DA ARMADA • MAIO 2000  19
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