Page 162 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. MANUEL (3)



           A esquadra de Vasco da Gama
           A esquadra de Vasco da Gama






               principal fonte histórica para o estu-  com a presença do próprio rei. É mais uma
               do da viagem de Vasco da Gama é  informação que apenas tem um rasto ténue,
         Aum texto que existiu no Mosteiro de  ligado a um registo em pedra que ninguém
         Santa Cruz de Coimbra e que foi levado  sabe quem escreveu e que está definitiva-
         para a Biblioteca Pública Municipal do Por-  mente perdido. Não vai ser fácil saber o
         to por Alexandre Herculano, em 1834. Esse  local exacto da construção destes navios,
         manuscrito relata a viagem, mas, infeliz-  mas podem ter sido feitos em quaisquer dos
         mente, apresenta algumas lacunas que não  múltiplos estaleiros que existiam nas imedia-
         nos deixam entender alguns pormenores  ções de Lisboa, e os esteiros interiores - co-
         pontuais e esclarecer com clareza as opções  mo é o caso do rio Coina - davam protecção
         tomadas pelo capitão. Em primeiro lugar, o  contra intempéries e contra eventuais intro-
         manuscrito é apenas uma cópia de um ori-  missões criminosas que não podiam ser
         ginal ou de umas notas que nunca aparece-  detidas na barra, pela incapacidade dos
         ram – e pode, por isso, ter erros resultantes  meios de então.
         de leitura defeituosa dos originais – e, além  Outra das dúvidas que continuará por
         disso, omite ou fala com ligeireza de aspe-  esclarecer é o tipo de navios que consti-
         ctos que seria interessante de conhecer. Nem  tuiram a esquadra. O livro das armadas
         se sabe com certeza quem foi o tripulante da  mostra uma gravura com quatro naus, con-
         esquadra que escreveu a versão original,  tudo, as designações que surgem noutros
         supondo-se apenas – por dedução dos fac-  textos falam em naus, navios, barineis e até
         tos – que poderá ter sido um tal Álvaro Ve-  caravelas. Para aumentar a confusão verifi-
         lho, de funções desconhecidas a bordo. É  camos que não houve grande rigor na ter-
         claro que há muitos outros documentos a fa-  minologia de classificação dos navios, pare-
         lar da viagem de Vasco da Gama, mas não é  cendo ser uma batalha perdida o tentar con-
         certo que as informações que contêm não  cluir seja o que for . Mas há outras infor-  A Armada de Vasco da Gama em 1497.
         tenham sido copiados deste ou apresentem  mações que surgem mais conformes e unâ-
         imprecisões ainda maiores, uma vez que  nimes: sabe-se que todos os navios eram pe-
         não foram escritos por testemunhos coevos.  quenos, rondando os 100 tonéis - o que não
         A discussão deste assunto e a crítica das fon-  lhes permitiria ir muito mais além dos vinte  Em nome de Deus. Amem.
         tes que permitem estudar a viagem do Ga-  cinco metros (comprimento fora a fora) – e
         ma, sendo indispensável, é fastidiosa e não  isso corresponde às estimativas de pessoal  Na era de mjll iiijc  Rbij [1497],
         cabe no âmbito deste pequeno artigo, por  embarcado, que oscilam entre os cento e
         isso , vamos adoptar a versão dos factos que  quarenta e poucos e os cento e sessenta ho-  mamdou EllRey dom Manuell,
         está relatada.                     mens, distribuidos conforme as exigências  o primeiro deste nome em Portugall,
           Desta forma saíram de Lisboa quatro  dos navios. O  S. Gabriel e  S. Rafael leva-  a descobrir quatro navios, os quaéés
         navios, o S. Gabriel, comandado pelo pró-  riam entre 45 a 50 homens, o Bérrio (que se  hiam em busca da espiçiaria, dos
         prio capitão-mor, o S. Rafael, comandado  supõe mais pequeno, pondo-se a hipótese
         por seu irmão Paulo da Gama, o Bérrio, co-  de ter sido uma caravela) até 35 e o navio de  quaéés navios hia por Capitam moor
                                                                                                          ~
         mandado por Nicolau Coelho, e um quarto,  mantimentos cerca de 20. Nestas condições,  Vasco da Gama e dos outros, duu
         cujo nome não aparece em nenhum lado,  e comparando com as necessidades de pes-  delles Paullo da Gama, seu jrmãoo,
         comandado por Duarte Nunes, destinado  soal para manobra num navio de vela mo-  e doutro Njcollao Coelho.
         ao carregamento de meios de apoio e rea-  derno, podemos intuir das dificuldades na
         bastecimento. É provável que os primeiros  viagem. Quantos homens seriam necessá-
         três fossem novos, construídos especial-  rios para ferrar um pano de cerca de 160 m , 2  Relato anónimo, dito de Álvaro Velho
         mente para aquela missão e, apesar de ser  numa verga com perto de 18 metros? (mais
         comum dizer-se que foram construídos na  ou menos o tamanho da verga da gávea da
         ribeira das naus - ao lado do futuro Paço da  “Sagres”, e muito mais que a área da vela
         Ribeira, onde funcionou o Arsenal da Ma-  grande) como é que o navio era colocado
         rinha até aos anos 30 -, diz uma (quase)  “de capa”, rapidamente, se fosse neces-
         lenda que foram feitos nos estaleiros da  sário? como é que virava de bordo?… Ne-
         Telha, perto do Barreiro, num local que per-  nhuma destas manobras é impossível – na-
         tenceu à Marinha até ao século XIX e que  turalmente – mas fica-nos a impressão de
         fica defronte das instalações da Azinheira,  que a primeira viagem à Índia foi progra-
         do outro lado do rio Coina. Assim o refere  mada com grandes restrições, priviligiando
         Júlio de Castilho na obra A Ribeira de Lisboa,  a manobrabilidade dos navios em vez do
         acrescentando que havia uma capela junto  tamanho, da capacidade de carga e da força
         ao rio onde uma placa assinalava o aconteci-  militar.
         mento, dizendo que ali tinham sido baptiza-          J. Semedo de Matos
         dos e lançados à água os referidos navios,                    CTEN FZ

         16 MAIO 2000 • REVISTA DA ARMADA
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