Page 163 - Revista da Armada
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Quinhentos anos depois da viagem
Quinhentos anos depois da viagem
de Pedro Álvares Cabral
de Pedro Álvares Cabral
A 9 de Março de 1500 - há quinhentos anos atrás - Pedro Álvares Cabral
saía do Tejo em direcção à Índia. Pelo caminho, arribou à costa brasileira tomando
conhecimento oficial das terras que viriam a ser a origem desse grande
país americano de língua portuguesa.
m Julho de 1499 (8 ou 10 de Julho) Nicolau Coelho entrava no e é fácil perceber como D. Manuel vibrou de alegria ao receber a
Tejo com a sua nau, regressado de uma viagem de dois anos, notícia do sucesso da viagem do Gama.
Eem que tinha ido à Índia e voltara. Vasco da Gama mandara-o Em Agosto desse ano, o soberano passou a intitular-se Rei de
dar as novas do seu sucesso, e decidiu arribar à ilha Terceira para Portugal e dos Algarves, de Aquém e de Além-Mar em África e Senhor da
acompanhar os últimos momentos de seu irmão que, entretanto, Guiné e da Conquista, da Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia
adoecera gravemente e que viria a morrer sem voltar a ver a sua e da Índia, e este título (naturalmente exagerado por razões de pro-
terra. Quando a notícia do paganda política) mostra bem
sucesso da viagem chegou a como se imaginou no cenário
D. Manuel, de imediato foi internacional, quais eram as
anunciada por toda a Europa e suas ambições e o papel que
foi alvo de missivas especiais pensava desempenhar no Ori-
para os Reis Católicos, para o ente. Era fundamental resolver
Papa e para o imperador Maxi- rapidamente algumas questões
miliano. De estrangeiros que se deixadas em aberto na viagem
encontravam em Lisboa na- de Vasco da Gama (como os in-
quela altura, ficaram também cidentes ocorridos com o Sa-
alguns escritos ou cartas, que morim de Calecute, cuja im-
dão conta da importância que portância no Malabar era in-
tinha a viagem directa até à contornável) e isso implicava o
Índia pela rota do Cabo da Boa envio imediato de outra expe-
Esperança. Parece evidente que dição e, de preferência, exi-
a chegada dos navios carrega- bindo uma capacidade militar
dos com produtos do Malabar, que estimulasse os eventuais
que não tinham passado pelas aliados e amedrontasse os ini-
caravanas do Médio Oriente migos.
nem pelos navios venezianos, Entre Setembro e Novembro
funcionou como uma chuva no de 1499 são dadas ordens es-
deserto, exaltando todo o tipo pecíficas para que seja pre-
de sonhos de que estava car- parada uma nova armada e é
regada a visão da Índia. E feito um pequeno memorandum
aquela era mesmo a Índia, não Pedro Álvares Cabral de acções a ter em conta na sua
eram umas ilhas de futuro preparação. A nomeação do
incerto que Colombo dizia capitão-mor e dos capitães dos
estarem nas imediações de “e neeste dia, a oras de bespera, ouvemos vista de tera, saber: diferentes navios, os abasteci-
Cipango (Japão) ou do Cataio primeiramente d huum gramde monte muy alto e redondo, mentos, a palamenta necessá-
(China). Vasco da Gama falara e d outras terras mais baixas, ao sul d ele, e de terra chãa, ria, presentes para os sobe-
com alguns dos mais podero- com grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitam pos ranos a contactar, cartas de
sos reis do Malabar, tinha visto o nome de monte Pascoal, e aa tera a tera de Vera Cruz” apresentação diplomática, car-
navios carregados de especia- Pêro Vaz de Caminha tas de marear, informações
ria, apercebera-se de algumas diversas e indicações para que
nuances do comércio oriental, não fossem esquecidos os regi-
dera – digamos – corpo ao que até então era uma vaga esperança mentos de Bartolomeu Dias (viagem de 1488) e de Vasco da Gama.
ou a hipótese de um projecto que poderia colocar Portugal no cen- Não estava ainda decidido quem seria o comandante da nova mis-
tro da vida europeia. Se a viabilização do espaço português devia são a enviar à Índia. Pouco tempo depois, o rei manda que fossem
muito à sua localização geográfica – colocado a meio das rotas adquiridos em Espanha mil e quinhentos marcos de prata “os
marítimas que ligavam o Mediterrâneo ao Norte da Europa –, a quaees sam necessarios pera emviarmos a India na armada que ora
abertura de uma carreira directa entre a Índia e Lisboa, representa- pera la despachamos” (3 Dez 1499). E só a 15 de Fevereiro de 1500 é
va a possibilidade de ir buscar à fonte aquilo que, até aí, apenas feita a carta que nomeia Pedro Álvares de Gouveia [Pedro Álvares
passava em Lisboa trazido por outros. Quer dizer, se o país ga- Cabral] para capitão-mor da referida armada, menos de um mês
nhara importância pela sua localização numa linha de abastecimen- antes da data em que a mesma havia de partir. É provável que
to da Europa, agora podia ir buscar directamente uma boa parte tenha sido uma decisão tardia e é até possível que o rei tenha pen-
dos produtos que alimentavam essa linha. A importância económi- sado em nomear Vasco da Gama, para repetir a viagem que já fi-
ca e estratégica que isto representava era, de facto, incomensurável zera, com as vantagens de já conhecer as dificuldades e o ambiente ✎
REVISTA DA ARMADA • MAIO 2000 17