Page 166 - Revista da Armada
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jnocemcia como teem em mostrar o rostro”. Depois segue-se uma
descrição da terra, dos costumes e do ambiente, voltando à
questão dos índios nestes termos: “Pareçe me jemte de tal inoçen-
cia, que, se os homem emtendese, e eles a nos, que seriam logo
christaãos, porque eles nom teem, nem emtendem em nehuua
creemça, segundo pareçe”. Aliás, esta inocência de Adão (como
chega a ser nomeada) é tónica constante na descrição dos índios
brasileiros, e isso contrasta vivamente com as ideias preconce-
bidas dos nativos da costa africana identificados com o Islão ou
com outras crenças que são tidas por barbaras e primitivas,
vendo a sua nudez como um sinal de lascívia permanente e
perdição. Os nativos africanos são tidos por inimigos da Santa
Fé, mas os índios do Brasil não têm maldade e surgem, aos olhos
de Pero Vaz de Caminha, como que libertos do pecado original,
o que não deixa de ser uma surpresa. Uma surpresa que ainda
não teve uma explicação satisfatória e que teimo em conotar com
a forma tímida como se foi encarando a hipótese de estar perante
um novo continente desconhecido das Escrituras Sagradas.
Talvez que aquela inocência tenha deslumbrado os portugueses
por invocar a imagem do paraíso inicial, mas essa associação ao
paraíso inicial pode ter sido a forma aceitável como as mentes do
século XV se ajustaram à visão de um continente desconhecido.
Não me parece que seja a mesma coisa que o contacto com umas
pequenas ilhas (como aconteceu com Colombo), que poderiam
ser associadas às ilhas lendárias do imaginário europeu
medieval, e estou em crer que o crescer da ideia de que se estava
perante um continente (o relato do piloto anónimo diz que lhe
parece ser “terra firme” e não uma ilha, pelo seu aparente tama-
nho) foi aceite com muitas hesitações e relutâncias, forçando as Capitania de São Vicente. Roteiro.... Esta foi a primeira capitania portuguesa
mentes e gerando problemas que ainda não foram estudados de no Brasil.
forma sistemática.
África Oriental e Índia, de forma a desenvolver um profícuo
A esquadra tinha como missão principal o estabelecer de comércio em que já estavam interessados diversos mercadores
relações diplomáticas de paz e amizade com os soberanos de portugueses e italianos (como o florentino Marchioni). Por isso a
Sofala, Quiloa, Melinde, Calecute e outros reinos e senhores da arribada no Brasil, vista no contexto da época – sem pensar no
que aquela terra veio a significar para Portugal, nem no país que
se tornou – foi apenas um episódio da viagem. Mas não deixou
de ser um episódio que mereceu a decisão de enviar um navio a
Lisboa, para dar notícia da descoberta e de numerosas outras
indicações sobre aquela terra. Pedro Álvares Cabral mandou dis-
tribuir a carga do navio de Gaspar de Lemos – carga de
reabastecimento da esquadra – e, ao mesmo tempo que partiu na
rota do Cabo, enviou esse navio para Portugal, com cartas desti-
nadas ao rei, dando-lhe notícias daquele “achamento”. Quer isto
dizer que o acontecimento tivera uma importância significativa e
que havia alguma pressa em que fosse anunciado em Portugal.
Mas, por outro lado, se foi necessário enviar um navio a Lisboa
com aquelas notícias e esse navio trouxe as cartas que conhece-
mos, então parece não terem fundamento as hipóteses levantadas
por alguns historiadores acerca de uma anterior descoberta por-
tuguesa do continente americano. Que razão poderia haver para
que na altura de outra eventual descoberta, o rei de Portugal não
tomasse posse dessas novas terras, ao abrigo dos privilégios que
tinha na cristandade e dos acordos com a Espanha ratificados
pelo Papa?… Dizem alguns estudiosos que as derrotas de Cabral
e Gama tinham de ter sido estudadas com reconhecimentos no
Atlântico Sul e que esses reconhecimentos levariam à costa sul
americana. É uma possibilidade que não deve ser desprezada,
porque seguramente que o Atlântico Sul foi reconhecido antes da
viagem de Vasco da Gama, mas nada sabemos sobre a descober-
ta de terras a ocidente. Para já – com os dados disponíveis –, é
difícil chegar a uma outra resposta que não seja a de aceitar que
foi na viagem de Cabral que os portugueses alcançaram o Brasil,
mas ficam por esclarecer muitas atitudes tomadas naquela altura,
pelo capitão-mor da esquadra.
“A adoração dos Reis Magos” (1501-1506) de Grão Vasco. Um dos Reis Magos J. Semedo de Matos
está representado como um índio do Brasil. CTEN FZ
20 MAIO 2000 • REVISTA DA ARMADA