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jnocemcia como teem em mostrar o rostro”. Depois segue-se uma
         descrição da terra, dos costumes e do ambiente, voltando à
         questão dos índios nestes termos: “Pareçe me jemte de tal inoçen-
         cia, que, se os homem emtendese, e eles a nos, que seriam logo
         christaãos, porque eles nom teem, nem emtendem em nehuua
         creemça, segundo pareçe”. Aliás, esta inocência de Adão (como
         chega a ser nomeada) é tónica constante na descrição dos índios
         brasileiros, e isso contrasta vivamente com as ideias preconce-
         bidas dos nativos da costa africana identificados com o Islão ou
         com outras crenças que são tidas por barbaras e primitivas,
         vendo a sua nudez como um sinal de lascívia permanente e
         perdição. Os nativos africanos são tidos por inimigos da Santa
         Fé, mas os índios do Brasil não têm maldade e surgem, aos olhos
         de Pero Vaz de Caminha, como que libertos do pecado original,
         o que não deixa de ser uma surpresa. Uma surpresa que ainda
         não teve uma explicação satisfatória e que teimo em conotar com
         a forma tímida como se foi encarando a hipótese de estar perante
         um novo continente desconhecido das Escrituras Sagradas.
         Talvez que aquela inocência tenha deslumbrado os portugueses
         por invocar a imagem do paraíso inicial, mas essa associação ao
         paraíso inicial pode ter sido a forma aceitável como as mentes do
         século XV se ajustaram à visão de um continente desconhecido.
         Não me parece que seja a mesma coisa que o contacto com umas
         pequenas ilhas (como aconteceu com Colombo), que poderiam
         ser associadas às ilhas lendárias do imaginário europeu
         medieval, e estou em crer que o crescer da ideia de que se estava
         perante um continente (o relato do piloto anónimo diz que lhe
         parece ser “terra firme” e não uma ilha, pelo seu aparente tama-
         nho) foi aceite com muitas hesitações e relutâncias, forçando as  Capitania de São Vicente. Roteiro.... Esta foi a primeira capitania portuguesa
         mentes e gerando problemas que ainda não foram estudados de  no Brasil.
         forma sistemática.
                                                              África Oriental e Índia, de forma a desenvolver um profícuo
           A esquadra  tinha como missão principal o estabelecer de  comércio em que já estavam interessados diversos mercadores
         relações diplomáticas de paz e amizade com os soberanos de  portugueses e italianos (como o florentino Marchioni). Por isso a
         Sofala, Quiloa, Melinde, Calecute e outros reinos e senhores da  arribada no Brasil, vista no contexto da época – sem pensar no
                                                              que aquela terra veio a significar para Portugal, nem no país que
                                                              se tornou – foi apenas um episódio da viagem. Mas não deixou
                                                              de ser um episódio que mereceu a decisão de enviar um navio a
                                                              Lisboa, para dar notícia da descoberta e de numerosas outras
                                                              indicações sobre aquela terra. Pedro Álvares Cabral mandou dis-
                                                              tribuir a carga do navio de Gaspar de Lemos – carga de
                                                              reabastecimento da esquadra – e, ao mesmo tempo que partiu na
                                                              rota do Cabo, enviou esse navio para Portugal, com cartas desti-
                                                              nadas ao rei, dando-lhe notícias daquele “achamento”. Quer isto
                                                              dizer que o acontecimento tivera uma importância significativa e
                                                              que havia alguma pressa em que fosse anunciado em Portugal.
                                                              Mas, por outro lado, se foi necessário enviar um navio a Lisboa
                                                              com aquelas notícias e esse navio trouxe as cartas que conhece-
                                                              mos, então parece não terem fundamento as hipóteses levantadas
                                                              por alguns historiadores acerca de uma anterior descoberta por-
                                                              tuguesa do continente americano. Que razão poderia haver para
                                                              que na altura de outra eventual descoberta, o rei de Portugal não
                                                              tomasse posse dessas novas terras, ao abrigo dos privilégios que
                                                              tinha na cristandade e dos acordos com a Espanha ratificados
                                                              pelo Papa?… Dizem alguns estudiosos que as derrotas de Cabral
                                                              e Gama tinham de ter sido estudadas com reconhecimentos no
                                                              Atlântico Sul e que esses reconhecimentos levariam à costa sul
                                                              americana. É uma possibilidade que não deve ser desprezada,
                                                              porque seguramente que o Atlântico Sul foi reconhecido antes da
                                                              viagem de Vasco da Gama, mas nada sabemos sobre a descober-
                                                              ta de terras a ocidente. Para já – com os dados disponíveis –, é
                                                              difícil chegar a uma outra resposta que não seja a de aceitar que
                                                              foi na viagem de Cabral que os portugueses alcançaram o Brasil,
                                                              mas ficam por esclarecer muitas atitudes tomadas naquela altura,
                                                              pelo capitão-mor da esquadra.



         “A adoração dos Reis Magos” (1501-1506) de Grão Vasco. Um dos Reis Magos                J. Semedo de Matos
         está representado como um índio do Brasil.                                                       CTEN FZ
         20 MAIO 2000 • REVISTA DA ARMADA
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