Page 82 - Revista da Armada
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cepção dominante da altura),  Mas D. João II pretendia saber mais
                                                   posteriormente reavivadas,  acerca do poderio do rei-presbítero e
                                                   aquando da conquista de Ceuta  aprender coisas sobre a Índia
                                                   (1415), pelos relatos de mer-  propriamente dita. Queria também saber
                                                   cadores e prisioneiros mouros,  se o mar da Índia era rodeado de terra,
                                                   que falavam de grandes reinos  como julgava Ptolomeu, ou se estava liga-
                                                   negros a sul do Grande Deserto.   do ao Atlântico. Desejava, por fim, saber
                                                     A riqueza da costa ocidental  onde terminava a África. Enviou, assim,
                                                   africana e as teorias geográficas  vários "espiões", com o objectivo de con-
                                                   da época, que davam aquele con-  seguir tais informações. Entre eles
                                                   tinente como sendo menos exten-  seguiram, em 1490, Afonso de Paiva e
                                                   so em longitude do que real-  Pêro da Covilhã. Tendo chegado juntos a
                                                   mente era, criaram a esperança  Adem, no Iémene, dali partiu Afonso de
                                                   de se poder atingir o reino do  Paiva, com o objectivo de visitar o Prestes
                                                   Prestes por via fluvial, subindo os  João, enquanto Pêro da Covilhã seguiu
                                                   grandes rios que fluíam de Leste,  para a Índia. Visitou Cananor, Calecut e
                                                   dando assim possibilidade aos  Goa e, ao considerar cumprida a sua mis-
                                                   navios portugueses de navega-  são regressou ao Cairo onde os dois explo-
                                                   rem directamente para a Índia e  radores tinham combinado encontrar-se.
                                                   participarem no lucrativo comér-  Ali soube, por dois mensageiros do rei D.
                                                   cio das especiarias. Esta era uma  João II, que Afonso de Paiva tinha morri-
                                                   das idéias que D. João II tinha em  do antes de atingir o seu objectivo, sendo
         Os Turcos conquistam Constantinopla.      mente quando, em 1482, enviou  agora sua a missão de visitar o Prestes na
                                                   Diogo Cão à foz do Congo.   Abissínia. Tendo atingido aquele reino em
         imprecisões de distância e de direcção (era  Tendo subido o rio, o navegador encon-  1493, ficou Pêro da Covilhã, à semelhança
         frequente o engano quanto aos pontos  trou nativos amigáveis e permeáveis à fé  com o que antes sucedera com vários
         cardeais), verificamos que a confusão tinha  cristã que lhe deram a entender serem  emissários europeus, detido pelo negus (o
         alguma razão de existir. De facto, ambas  governados por um poderoso rei que  soberano), sendo ainda impedido de
         ficavam "para as bandas do Oriente", onde  residia longe, numa cidade real para o  enviar relatórios (dir-se-ia que o Prestes
         se situava o paraíso terreal, e para ambas  interior que podia ser alcançada navegan-  João temia que na Europa se soubesse que
         era necessário atravessar um "grande deser-  do ao longo daquele rio.  o seu reino não era, afinal, tão esplen-
         to arenoso", fosse ele o Sahara, o Arábico, o  Tendo navegado mais para Sul, Diogo  doroso como se especulava). Não obs-
         Negev ou as grandes estepes asiáticas.  Cão acabou por dar mais importância ao  tante, foi cumulado de honrarias e passou
           Na primeira metade do século XV o  facto de atingir aquilo que julgou ser o  a gozar de uma grande influência na corte
         imperador Yechak conseguiu estabelecer  extremo meridional de África (um erro  abissínia, tendo sido encontrado ainda
         relações diplomáticas com soberanos  que lhe valeria, mais tarde, cair em des-  vivo pela primeira embaixada oficial por-
         europeus, entre os quais Afonso V de  graça), mas ainda durante as suas viagens  tuguesa a chegar àquele território, em
         Aragão, propondo-lhes uma aliança contra  um tal João Afonso de Aveiro regressou  1520.
         os árabes, mas o interesse da Europa havia  de Benim, onde estabelecera uma feitoria  Entretanto, o caminho marítimo para a
         já, há muito, esmorecido, quanto mais não  comercial e encontrara pimenta de boa  Índia era finalmente descoberto por Vasco
         fosse pelo facto de se verificar um acentua-  qualidade, e relatou que "a vinte meses de  da Gama. Numa providencial escala em
         do alívio da ameaça islâmica. Seria outro  jornada a partir da costa vive um rei que é  Melinde, na costa oriental africana, os por-
         pequeno país, situado no extremo sudoeste  venerado pela sua gente de maneira igual  tugueses foram muito bem recebidos pelo
         do continente europeu, a reacender o inte-  àquela como o Papa é venerado pelos  sultão local, cujo porte imponente os
         resse na demanda do reino do Prestes João:  cristãos católicos". Esta jornada de vinte  impressionou bastante. Quando, por
         Portugal.                          meses corresponderia a um percurso de  engano, os indígenas se inclinaram e
                                            cerca de 1800 Km e conduzia directa-  rezaram perante um altar existente num
         OS PORTUGUESES E O PRESTES JOÃO    mente ao reino da Abissínia.       dos navios, os marinheiros concluíram
                                                                               que se encontravam perante um povo
           Embora não faça                                                     cristão (e os indígenas, por sua vez,
         uma referência directa                                                devem ter julgado que os portugueses
         à figura do rei-sacer-                                                eram hindus). O entusiasmo cresceu
         dote, Gomes Eanes de                                                  quando Vaso da Gama foi saudado com
         Zurara refere, na sua                Pêro Covilhã                     os gritos "Krishna! Krishna!", que deve ter
         Crónica da Guiné, que                  (1493)                         soado como "Cristo!"(5)(6). Mais uma vez
         um dos objectivos que                  ETIÓPIA                        se encontravam sinais da existência do
         nortearam a explora-                                                  Prestes João, agora um pouco mais para
         ção portuguesa da cos-                                                Sul. Seria o rei de Melinde um vassalo do
         ta africana foi o de pro-                MELINDE                      rei-sacerdote?
         curar reinos cristãos         Diogo Cão  CONGO         Vasco da Gama    As especulações viriam, por fim, a ter-
                                                                  (1498)
         naquele continente. É          (1482)                                 minar quando, em 1520, uma embaixada
         natural que, durante a                                                chefiada por D. Rodrigo de Lima (que
         sua infância, o Infante                                               incluía o Padre Francisco Álvares, o cro-
         D. Henrique tivesse                                                   nista da missão), chegou à corte Etíope.
         escutado as narrativas                                                Era o fim da lenda e o início das relações
         sobre o reino do Pres-                                                diplomáticas com aquele país, sempre
         tes João (recordemos                                                  acompanhadas de uma forte acção mis-
         que a localização na                                                  sionária destinada a trazer aquele povo de
         Abissínia era, já, a con-  Os primeiros contactos dos portugueses com o reino do Prestes João.  volta ao seio do catolicismo.

         8 MARÇO 2000 • REVISTA DA ARMADA
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