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Dia da Marinha 2006 – Sines


         A
              cidade de Sines foi o local escolhido para as comemorações do Dia da Mari-
              nha deste ano. A bela baía, abrigada aos ventos do norte, que durante sécu-
              los serviu de abrigo a uma pequena frota pesqueira e foi porto de escala do
         movimento marítimo de cabotagem no tempo da navegação à vela, albergou este
         ano uma significativa representação naval e acarinhou um conjunto de realizações
         que marcaram a celebração da festa da nossa Marinha. A iniciativa do convite par-
         tiu do próprio Presidente da Câmara Municipal, mas a escolha não podia ser mais
         feliz, dado o significado histórico que para todos nós tem aquele castelo e aquele
         amontoado de casas brancas sobranceiras a uma falésia que cai abrupta sobre a
         praia. Sentado num banco de um dos miradouros sobranceiros ao porto, ao olhar
         o infinito do mar para os lados do poente, não posso deixar de pensar nas cente-
         nas de vezes que por ali passou o jovem Vasco da Gama. Imagino as brincadeiras
         que todas as crianças em todos os tempos tiveram, assustando coelhos e pássaros,
         correndo pelos estreitos trilhos das “barrocas”, hoje substituí dos pelas calçadas e
         escadarias que descem até à praia. A mesma praia de areia onde se sentou e dor-
         miu ou onde meteu os pés descalços na água salgada e onde molhou as bragas de
         algodão quando, pela primeira vez se aventurou pelo mar adentro. Os molhes les-
         te e oeste que protegem o porto novo, a marina, os terminais de crude e produtos
         refinados são, naturalmente, novos, mas a pequena praia, aquele mar a perder de
         vista envolvido na bruma misteriosa que têm as manhãs de bom tempo e a baía – a
         magnífica baía –, onde fundearam ou atracaram os nossos navios, é a mesma que
         fez sonhar o almirante dos almirantes e o marinheiro dos marinheiros. Dali viu de-
         saparecer o sol para além do horizonte e sentiu a magia dos momentos que só os
         marinheiros compreendem.
           Não sendo muito claros os documentos que nos falam dos princípios da vida do
         Almirante da Índia, é possível saber que nasceu por alturas de 1469, no primeiro piso
         da alcáçova do castelo, contíguo a uma horta que dava para a “barroca” que será a
         actual falésia a sul da muralha. O edifício em causa pereceu às agruras do tempo e,
         provavelmente, às exigências das funções posteriores da fortaleza, na defesa da costa
         contra as acções de pirataria, entre os séculos XVII e XIX. Não é possível saber exac-
         tamente como estava construído, mas supõe-se que estaria encostado ao pano norte,
         do lado que dá para a praça poeta Bocage. Ali vivia o alcaide do castelo, D. Estêvão
         da Gama, cavaleiro da Ordem de Santiago e detentor da comenda de Sines, casa-
         do com Dª Isabel Sodré, de quem teve vários filhos, dos quais se destacam Vasco da
         Gama e Paulo da Gama, respectivamente, o Capitão-Mor da esquadra que fez a pri-
         meira viagem à Índia e o Capitão da nau S. Rafael, que integrou essa mesma esquadra.
         Sabemos que o nosso almirante foi também cavaleiro de Santiago, de onde recebeu
         duas comendas, mas uma aproximação posterior à Ordem de Cristo terá provocado
         um conflito que o afastou de qualquer responsabilidade, cargo ou título na terra onde
         nasceu. Como é sabido, D. Manuel fê-lo Conde da Vidigueira, onde fez a sua resi-
         dência permanente depois de regressar da Índia, mas não deixou que se quebrassem
         os elos que o ligavam a Sines, onde mandou construir a Capela de Nossa Senhora
         de Sallas (na parte oeste da actual cidade) e onde persistem registos de propriedades
         e doações de vária ordem.
           A Marinha tem procurado todos os anos comemorar o seu dia de festa – o dia em
         que Vasco da Gama chegou a Calecut, em 1498, cumprindo a missão que lhe de-
         terminara el-rei D. Manuel – num convívio estreito com as nossas gentes do mar, e
         deslocando-se às terras de onde têm vindo alguns dos seus mais dedicados servido-
         res. É uma tradição que se repete e que tem permitido fazer do Dia da Marinha uma
         celebração de significado bastante mais alargado do que teria uma simples cerimó-
         nia militar, por mais brilho que ela pudesse ter. Portugal é o resultado de uma relação




















         12  JUNHO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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