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Setting Sail
Setting Sail
3. Tempo Derradeiro – 2ª parte
omo é do conhecimento de todos a na- mo quartel deste século de ouro para a navega- signer mais inovador, a construção dos navios
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tureza humana tende a buscar a veloci- ção à vela, havia navios que, com bom vento, mais rápidos do seu tempo .
Cdade, sobretudo quando se encontram conseguiam manter velocidades superiores a 16 No entanto os desenvolvimentos mais facil-
em jogo factores de ordem económica. Desta nós, quando, em 1810, só muito dificilmente o mente apreciáveis surgiram com a adição de
feita, no decorrer do século XIX, um conjunto aparelho de um navio se aguentava sem danos um maior número de velas, especialmente úteis
de acontecimentos vai precipitar os armadores de monta se este ousasse manter o pano caça- quando o vento era demasiado fraco. Desta for-
para que estes exijam dos construtores navios do para navegar a velocidades superiores a 10 ma, cada mastro redondo podia dispor, nos na-
cada vez mais rápidos, sendo vios em madeira, de até oito
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estes apelidados de clippers . vergas, onde envergavam ou-
Em primeiro lugar a cotação tras tantas velas. Além de ter
do chá vindo da China, esta- sido aumentada grandemen-
belecida nas Bolsas de Londres Arquivo CTEN António Gonçalves te a área vélica, o número de
(1843) e Nova Iorque (1844), velas a bordo atingiu propor-
na sequência da cedência ções nunca antes vistas tor-
de Hong-Kong aos ingleses nando muito mais flexível a
(1842) no final da Guerra do sua utilização nas diferentes
Ópio; a descoberta de ouro mareações e de acordo com
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na Califórnia (1848) , numa o vento. Por isso, acima dos
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altura em que a travessia por papafigos vão surgir gáveas,
terra do extenso continente joanetes e sobres, todos eles
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americano era feita em condi- partidos ou dobrados , e uma
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ções extremamente difíceis ; a última vela denominada ore-
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descoberta de ouro na Austrá- lha de mula redonda .
lia e o início da migração em Evolução da secção mestra dos clippers ingleses, entre 1853 e 1869. Na preferida armação em
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massa pouco tempo depois (1851) ; e por fim o nós. Claro que, para além dos melhoramentos galera, a gata (mastro mais a ré) encontra-se
alto valor atingido pela cotação da excelente lã ao nível do reforço do aparelho, constituíram- reduzida a uma só vela latina, com retranca e
australiana no mercado inglês, a partir de 1870. se como argumentos fundamentais os esforços carangueja, por simples exigência da afinação
Não causa por isso grande admiração que, em feitos pelos principais estaleiros na optimização do equilíbrio vélico de todo o navio, nas dife-
1857, o deslocamento total dos navios que fa- das formas do casco, para que este pudesse mais rentes mareações. Por isso neste mesmo mastro
ziam ligações para o Índico e Pacífico fosse cerca facilmente fluir através da água, pretendendo-se aparecem até seis velas redondas com função
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de vinte vezes superior ao registado em 1816. que o movimento desta, na sua passagem pela quase exclusivamente propulsora . À proa, por
De resto, os clippers americanos encontravam- popa, provocasse o menor nível de perturba- imposição de um número crescente de velas e
se, fruto da conjuntura acima descrita, em gran- ções possível. das respectivas áreas, foi necessário ampliar o
de parte atribuídos à ligação entre Nova Iorque De uma forma sucinta podemos apontar as comprimento do gurupés por adição de mais
e São Francisco, pelo cabo Horn, enquanto que seguintes como principais características de um duas vergas no seu prolongamento, denomina-
os seus congéneres ingleses tinham como des- clipper: proa fina e lançada, popa arredonda- das pau da bujarrona e pau da giba. Um pouco
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tinos privilegiados a China e a Austrália . Estes da, relação comprimento/boca na ordem dos 6 a exemplo do que os mastaréus haviam feito
efectuavam a viagem de ligação com a China, para 1, um relativamente pequeno bordo-livre, aos mastros, para que pudesse ser aumentada
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ida e volta, pelo cabo da Boa a sua guinda . Nesta pers-
Esperança, cabendo aos que pectiva, os convencionais
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regressavam directamente da cabrestos e contra-ca-
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Austrália a sempre ingrata bresto revelaram-se insu-
passagem pelo cabo Horn . Arquivo CTEN António Gonçalves ficientes para aguentar toda
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Foi também nesta conjuntu- a força exercida pelo vento
ra que começaram a surgir sobre as velas de proa. Hou-
os grandes desafios entre na- ve, neste caso, necessidade
vios, comandantes e arma- de recorrer a um expediente
dores, tendo-se dado início conhecido como pica-pei-
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ao registo dos melhores tem- xe , que ajudou a suportar
pos efectuados nas derrotas os paus ora acrescentados.
mais longas e exigentes. Horizontalmente todo o
O termo clipper era uti- conjunto era mantido em
lizado para classificar um posição pelos patarrazes
navio de vela não em fun- do gurupés, do pau da bu-
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ção do seu tipo de aparelho, jarrona e do pau da giba ,
mas essencialmente pelas Plano vélico do clipper Ariel onde se podem observar o pica-peixe (1), os paus de cutelo (6) e a sendo cada um deles, por
características do respectivo tracejado, a varredoura (2), os cutelos (3), o cutelinho (4) e velas de entremastro (5). norma, constituído por dois
casco. Todas as inovações e técnicas desenvol- contando por norma com três mastros arman- cabos, dizendo para ré, um a cada bordo.
vidas durante o século XIX, com recurso a um do em galera . Por sua vez entre o traquete e a gata, ou meze-
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crescente aumento da área vélica nos grandes Muito antes de os clippers ingleses se tornarem na, os navios foram literalmente sendo invadidos
veleiros, tornaram possível o que era tido como famosos, coube ao estaleiro de Donald McKay, por velas de estai de entremastro, normalmente
impensável umas décadas antes. Assim, no últi- em Boston, que foi simultaneamente o seu de- quatro ou cinco em cada um dos intervalos. Em
REVISTA DA ARMADA U FEVEREIRO 2006 15