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Hospital da Marinha
                            Hospital da Marinha


                   Uma Referência Viva de Todos os Marinheiros

                                                    (1ª parte)

               o próximo dia 1 de Novembro, pri-  nização da Marinha portuguesa iniciada   Em 1800 as obras foram interrompidas.
               meiro de Novembro de 2006, com-  por Martinho de Melo e Castro.  Os custos haviam... derrapado, como ago-
         Npletar-se-ão duzentos anos sobre o   As finanças do país também por essa  ra se diz.
         início da actividade assistêncial no edifício  altura não estavam de grande saúde e a   Esgotado por uma infeliz e dispen-
         onde ainda hoje se en-                                                               diosa campanha no
         contra a funcionar o                                                                 Rossilhão que só nos
         Hospital da Marinha.                                                                 trouxe dissabores, a
           Desde essa data pri-                                                              Lisboa – Alfredo Mesquita  braços com o rescaldo
         mordial que naquela                                                                  da Guerra das Laran-
         casa houve sempre do-                                                                jas, via-se o tesouro
         entes, médicos, farma-                                                               incapaz, depauperado
         cêuticos, enfermeiros e                                                              como estava, de supor-
         demais pessoal indis-                                                                tar mais custos.
         pensável para manter                                                                   A obra em curso ar-
         a funcionar a máquina                                                                riscava-se a seguir o
         complexa e organis-                                                                  destino da sua vizinha
         mo delicado que é um                                                                 Igreja de Santa En-
         hospital.                                                                            grácia.
           Duzentos anos de                                                                     Uma última insis-
         laboração ininterru pta                                                              tência de D. Rodrigo
         num edifício, desde a                                                                de Sousa Coutinho e
         sua origem concebido                                                                 o interesse pessoal do
         e criado de raiz para                                                                Príncipe Regente, fez
         hospital, é raro. Hospi-                                                             com que novo alvará
         tal já num conceito de   Hospital da Marinha.                                        fosse assinado em 2
         modernidade, muito                                                                   de Setembro de 1801,
         para lá do caritativo albergue de doen-  construção do imóvel só foi tornada pos-  ampliando o primeiro empréstimo para
         tes. Atrevo-me a dizer que é o caso úni-  sível com o recurso a um empréstimo de  215.000 cruzados e as obras recomeçaram.
         co no País.                        150.000 cruzados, a juro de 5%, sustentado   Foi um dos últimos actos de Sousa Cou-
           Certo é que o Hospital de S. Mar-                                        tinho como Ministro da Marinha , já
         cos é anterior e entrou em laboração                                       que pediu a exoneração para que o
         mais cedo. Mas neste caso a igreja                                         seu nome e assinatura não constas-
         ocupa um terço do hospital primiti-                                        sem no Tratado de Badajoz, que pôs
         vo. Não foi o que aconteceu no Hos-                                        termo ao conflito luso-espanhol e
         pital da Marinha.                                                          cujos termos considerou lesivos e ve-
           Outro hospital, também desde a                                           xatórios para a nação portuguesa.
         sua origem concebido como tal e co-                                         A título de curiosidade refira-se que
         meçado a edificar em 1770, só quase                                         o capital disponibilizado nunca viria a
         cem anos depois conseguiu abrir as                                         ser pago ou sequer amortizado.
         suas portas, para desde então ser o                                         Em 1861, numa proposta que o en-
         que ainda hoje é: refiro-me ao Hospi-                                       tão Ministro da Fazenda apresentou
         tal de Santo António, no Porto.                                            às cortes em S. Bento, para sanear as
           São portanto duzentos anos de his-                                       finanças públicas e reduzir o peso do
         tória que muitas vezes se entrelaça                                        défice, foi o empréstimo classificado
         com a história pátria, mais intima-                                        com a insólita designação de “dívida
         mente com a história da medicina                                           mansa”. Tão mansa foi que nunca
         portuguesa e fazendo parte integran-                                       mais ninguém ouviu falar dela...
         te da história da medicina militar.                                         Como se vê esta coisa da engenha-
           Dará seguramente para escrever                                           ria financeira não é só de agora!
         um livro.                                                                   O nome dos comerciantes subscrito-
           A edificação do Hospital da Mari-                                         res do empréstimo é conhecido. Deve-
         nha foi, como é sabido, decidida em                                        -lhes o Hospital da Marinha a existência
         1797, através de Alvará Real, assina-                                      e como tal, o reparo moral devido.
         do em 27 de Setembro no Palácio de                                          De 1797 até ao primeiro de No-
         Queluz pelo Príncipe regente D. João,                                      vembro de 1806, funcionou o Hospi-
         em nome de sua Augusta mãe, a Se-  D. João – Príncipe Regente.             tal Real da Marinha no antigo Con-
         nhora D. Maria I Rainha de Portugal, por  por um grupo restrito de grandes comer-  vento do Desterro, já desocupado antes do
         proposta esclarecida do então Ministro da  ciantes da praça de Lisboa.  terramoto e que então havia funcionado
         Marinha e do Ultramar D. Rodrigo de Sousa   Ao que parece já nesse tempo o Estado  como hospital de recurso, arrasado que fi-
         Coutinho, continuador da obra de moder-  estava pobre, mas havia gente rica.  cara o Hospital de Todos-os-Santos.

         18  FEVEREIRO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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