Page 200 - Revista da Armada
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dizia: “sou ilhéu; e, tanto ou mais do que a À chegada, a “Sagres” teve a simpática e Ilha do Corvo
ilha, o ilhéu define-se por um rodeio de mar abnegada, dada a chuva intensa, homena-
por todos os lados. Vivemos de peixe, da hora gem da Banda Filarmónica Unânime Praiense
da maré e a ver navios”. Nos Açores, mesmo (Almoxarife), e, nos dois dias de presença na
aqueles que não vivem do mar ou para o mar Horta, os navios foram visitados por centenas
têm o seu quotidiano condicionado por ele, de pessoas. São de realçar a realização de
que mais não seja pela solidão de peregrino, uma pequena exposição na Sociedade “Amor
no convívio silencioso com os horizontes da Pátria” e dois concertos da Banda da Arma-
oceânicos. E no éden, “emparedado” para- da: um deles realizado no Teatro Faialense, e
doxalmente pelo infinito, emerge o que o es- outro ao ar livre, na Praça da República, com
critor designou por “açorianidade”, numa fe- a presença de mais de 1500 pessoas (durante
liz analogia com a hispanidad unamuniana: a as comemorações do Dia da Marinha, a Ban-
intra-história de um povo ou o subconsciente da realizou um total de seis concertos). O dia
colectivo feito de saudade, afastamento, soli- 12, de manhã, foi ocupado com uma inicia-
dão e permanente espera. Espera do mundo tiva do Clube Naval da Horta que consistiu
que lhe há-de chegar nos navios. no lançamento de um concurso de mergulho
As populações portuguesas dos arquipéla- para limpeza da baía, em que saiu vencedor
gos são, por tudo isto, das que mais sentem o mergulhador que maior quantidade de lixo
a presença próxima da Marinha, e a situa- conseguiu recolher.
ção açoriana tem uma incidência acresci- Os dois navios presentes largaram nesse
da dada a dispersão e afastamento entre as dia, à noite, em direcção à Praia da Vitória,
ilhas. O Dia da Marinha não tinha lugar nos com o VALM Comandante Naval embarca-
Açores há vinte e quatro anos, desde 1983, do no NRP “Sagres”.
e constituía uma dívida de honra, uma ho- Ilha das Flores
menagem especial e inadiável para a sua NA TERCEIRA
população, cumprindo-se agora como uma Durante muitos anos, o centro da vida
grande festa atlântica. açoriana esteve na Ilha Terceira, onde, como
foi dito, funcionou a Provedoria das Naus e
NA ILHA DO FAIAL Armadas da Índia. Para as condições da na-
É conhecida a relação que a cidade da Hor- vegação daquela época, a acolhedora baía
ta tem com o Oceano, seja através das acti- de Angra tinha as características necessárias
vidades próprias das populações faialenses para servir de escala e apoio, levando a que
que, como quase todos os açorianos, se divi- Álvaro Martins Homem ali fundasse o pe-
de entre o mar e o cultivo da terra, seja pelo queno núcleo populacional que, em 21 de
papel que a ilha e o porto desempenham nas Agosto de 1534, ascendeu a cidade e em
viagens marítimas entre a Europa e a Améri- Novembro desse mesmo ano já era sede de
ca. Era a última baía abrigada e ampla entre bispado. Nesses recuados tempos em que
os dois continentes. Em tempos ali aportaram os navios dependiam da força do vento e da
grandes navios, que ficavam num quadro de manobra das velas, regiões como o Arquipé-
amarrações, abrigados do tempo pela pró- lago dos Açores, podiam ser local de abrigo
pria configuração da baía e por um pequeno e descanso, mas podiam ser também ninhos
molhe hoje alargado na direcção norte. Na de piratas que se acolhiam em invisíveis re-
fase das travessias aéreas com hidroaviões, entrâncias da costa, esperando pela sua pre-
a cidade cresceu na sua importância como sa, que atacavam escolhendo as circunstân-
ponto de apoio logístico, e, apesar da evolu- cias tácticas para um combate vantajoso. Se
ção mundial dos transportes, continua a ser os Açores eram local obrigatório de passa-
paragem obrigatória de pequenas e grandes gem para Lisboa ou Sevilha, eram também
embarcações à vela que se aventuram pelo a zona ideal para albergar esses flibusteiros, Ilha Graciosa
Atlântico. Por ali passaram os mais célebres obrigando à permanência de esquadras de
velejadores do mundo, desde Joshua Slocum protecção e vigilância. E a Terceira ofereceu
a Eric Tabarly. Durante décadas, no mítico as melhores condições para esse serviço,
bar do Peter, saboreavam o gin tónico, obti- como muito bem compreenderam os portu-
nham informações, cambiavam moeda e es- gueses, desde a primeira metade do século
creviam mensagens que ficavam afixadas na XVI no auge da Carreira da Índia, e os espa-
parede, até que um destinatário ali chegasse nhóis que por ali passavam vindos do Golfo
para as receber. Não deve ter havido no ter- do México montando o seu próprio sistema
ritório português um espaço tão cosmopolita de protecção, no período filipino. Numa vol-
como este, simultaneamente local de conví- ta à ilha, descobrimos um conjunto de for-
vio para quem passa e janela sobre o mundo,
e o sonho, para quem fica.
A comemoração do Dia da Marinha nos
Açores tinha, pois, de passar pela Horta,
onde, no dia10 de Maio, aportaram os NRP
“Sagres” e NRP “João Roby”, tendo lugar
um conjunto de realizações que contaram
com a presença do Comandante Naval,
VALM Vargas de Matos, e do CALM Goular t
Porto, Director do Serviço de Saúde, natu-
ral desta ilha.
18 JUNHO 2007 U REVISTA DA ARMADA