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Dia da Marinha 2007 – Açores


               o longínquo ano de 1498, numa  dentais – com fortes probabilidades de terem   Ilha Terceira
               “sexta-feira, que foram 18 dias de  alcançado a América do Norte – e por ali
         NMaio” os navios que de Lisboa ti-  se regressava da costa da Guiné e da Mina,
         nham saído sob o comando de Vasco da  numa altura em que as condições da nave-
         Gama, em busca do caminho da Índia, avis-  gação à vela e dos ventos dominantes obri-
         taram finalmente “uma terra alta” na costa  gavam a uma volta larga pelo Atlântico, antes
         do Malabar. Dois dias depois – no domingo  de aproarem a Lagos ou a Lisboa. O próprio
         dia 20 – aproximaram-se dela, perto de umas  Vasco da Gama, quando regressou da pri-
         montanhas, “as quais estão sobre a cidade  meira viagem à Índia, em 1499, demandou
         de Calecut”. Nesse dia tiveram o primeiro  a Ilha Terceira e nela ficou algumas semanas
         contacto com as gentes locais, consuman-  com o irmão doente. No segundo quartel do
         do o sonho de várias gerações de marinhei-  século XVI – numa fase em que a actividade
         ros lusitanos. A 20 de Maio de 1498, duas  naval dos portugueses seguia num crescendo
         civilizações geograficamente afastadas por  – em Angra foi estabelecida a Provedoria das
         muitos milhares de quilómetros olhavam -se  Naus e Armadas, cuja função era fornecer
         finalmente com uma genuína virgindade ori-  apoio e protecção aos navios que regressa-
         ginal. Estava inaugurada a rota marítima en-  vam ao reino. Ali podiam ser reabastecidos
         tre a Europa e a Ásia pelo Cabo da Boa Espe-  ou reparados, ali podiam descansar as tripula-
         rança, e o grande Almirante cumpria a mais  ções exaustas pela longa “volta do mar”, e ali
         complexa missão que alguma vez tinha sido  estava uma esquadra de protecção contra os
         conferida a uma marinha europeia.   crescentes ataques corsários vindos do Norte
           É justo que o recordemos, e é indispensável  da Europa ou Mediterrâneo. A complementa-
         que o façamos enquanto herdeiros de quem  ridade estratégica entre o espaço continental
         levou a bom termo esta e tantas outras mis-  e as ilhas atlânticas tem, pois, uma evidên-
         sões, afrontando dificuldades e perigos que  cia que atravessou os últimos cinco séculos,
         ultrapassou com saber, método, perseveran-  com expressões, naturalmente, mais signi-
         ça e sentido do dever. É por isso que o dia 20  ficativas no auge da Carreira da Índia e em
         de Maio foi tomado como o Dia da Marinha,  momentos de crise nacional ou internacio-
         razão de uma comemoração que evoca as  nal. Viu-se, por exemplo, quando, em 1580,
         qualidades humanas que permitiram con-  a coroa portuguesa foi assumida por Filipe II
         sumar a mais difícil e paradigmática missão.  de Espanha, com a oposição de D. António
         Mas só faz sentido que esta comemoração  Prior do Crato, a manter-se activa a partir dos
         tenha lugar num estreito convívio com as po-  Açores até 1583; percebe-se quando as ilhas
         pulações que vivem do mar e para o mar, nas  foram a plataforma livre resguardada das in-
         cidades ou vilas ribeirinhas, onde a presença  vasões francesas, e base de apoio naval para
         dos navios se faz sentir como um dos mais  o conjunto dos opositores a Napoleão; é cla-
         importantes sustentáculos ou apoios da vida  ro o seu papel na retoma liberal de D. Pedro
         comum. De forma que a Marinha tem pro-  IV e durante toda a guerra civil de 1832-34;
         curado fazê-la fora das suas unidades, num  voltando a ser decisivo no século XX, quer
         íntimo convívio com as gentes do mar e en-  durante os dois grandes conflitos mundiais,
         tre marinheiros, sucedendo-se em locais de  quer após 1945, no contexto da Guerra Fria
         significativa actividade marítima como foram  e na afirmação da NATO, de uma forma al-
         Portimão, Ílhavo, Viana do Castelo, Figueira  tamente prestigiante para Portugal. E se hoje
         da Foz ou Sines. E este ano teve lugar no Ar-  o desenvolvimento tecnológico alterou a pro-
         quipélago dos Açores, assinalada com uma  blemática das comunicações e transportes a
         visita do Almirante Chefe do Estado-Maior da  nível mundial, os elementos da simbiose entre
         Armada a todas a ilhas, e com um conjunto  as vertentes continental e insular do território
         de realizações mais significativas no Faial e na  português mantêm-se inalteradas.
         Terceira que culminaram com as celebrações   Mas as ilhas têm particularidades específi-
         de Ponta Delgada, no próprio dia 20.  cas. As ilhas e as suas gentes, modeladas por
           A ligação da Marinha aos Açores remonta  uma forma de viver muito típica e incontor-
         à sua própria descoberta e povoamento numa  nável. O poeta e escritor Vitorino Nemésio,
         data que se situa pelos princípios do século  natural da Terceira e verdadeiro cidadão do
         XV, ou mesmo antes. A mais antiga referên-  mundo – “piloto e explorador de metáforas”–,
         cia concreta diz-nos que ali esteve Diogo de
         Silves, em 1427, numa altura em que as via-
         gens marítimas portuguesas ganhavam uma
         dimensão atlântica, sob a orientação do In-
         fante D. Henrique. O seu povoamento não
         foi imediato, mas decorreu ainda durante os
         anos quarenta do mesmo século, e, a partir
         de então, o arquipélago passou a funcionar
         como plataforma de apoio ou ponto de par-
         tida para novas viagens e novas descobertas.
         Dali largaram navios em busca de terras oci-
                                                                                      REVISTA DA ARMADA U JUNHO 2007  17
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