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Conservação e museologia
                              Conservação e museologia

               de mãos dadas… no Museu de Marinha
               de mãos dadas… no Museu de Marinha

                       O PROJECTO DE CONSERVAÇÃO DAS GALEOTAS REAIS

              conteceu em 2001, cruzaram-se no  conhecimento, onde a aprendizagem se pode  duração aproximada de 11 anos (2001-2012).
              meu caminho, era um belíssimo con-  associar ao entretenimento, através da inter-  É bom não esquecer que já lá vão mais de três
         Ajunto de embarcações reais. Falar em  pretação de uma realidade específica como  décadas desde que os especialistas da área de
         belíssimo é falar, neste caso, em exemplares  esta… não acham?        conservação nos comunicaram que um acto
         únicos, em história em primeira-mão, em emo-                          pontual e isolado de restauro, carece de senti-
         ção num primeiro olhar…            A CONCEPÇÃO DO PROJECTO            do se não for acompanhado de todo um plano
           É provável que a maioria dos leitores tenha   DE CONSERVAÇÃO DAS    de actuação ao nível da conservação preventi-
         ouvido falar da famosa Colecção de Galeotas   GALEOTAS REAIS          va (actuação pertinente do controlo das condi-
         Reais que se encontra no Museu de Marinha,                            ções ambientais do meio onde se encontra o
         em Lisboa, mas… já tiveram o privilégio de as   Assim surgiu o Projecto de Conservação das  objecto) e da conservação efectiva (destinada a
         conhecer em profundidade? De sentir os sus-  Galeotas Reais. Um projecto pensado para de-  manter a longo prazo os resultados obtidos no
         surros da história no seu interior? A                                        processo de restauro). Por esta razão,
         emoção de uma rainha ao sentar-se                                            aquando da concepção do projecto,
         no interior da camarinha do Bergan-                                          reservamos um lugar especial para o
         tim Real entre damascos franceses do                                         processo de conservação que deve-
         século XVIII, pinturas que com uma                                           ria ocorrer posteriormente à realiza-
         refinada técnica dão forma a cenas                                            ção de cada uma das intervenções de
         de mitologia marítima ou a motivos                                           restauro e que nos permitiria manter,
         bucólicos de extraordinária beleza                                           a longo prazo, em boas condições as
         da autoria de artistas como Pedro                                            embarcações restauradas. Neste caso,
         Alexandrino de Carvalho? Ou ain-                                             a duração é indefinida, ou seja que,
         da conjuntos escultóricos em talha                                           numa perspectiva mais economicis-
         decorada em folha de ouro fino, de                                            ta, a única maneira de rentabilizar
         influência do afamado modelador                                               o investimento realizado passa pela
         milanês João Grossi?                                                         implementação de um plano rigoroso
           Convido-os a navegar, ao longo do                                          de conservação que se inicia no dia
         presente artigo, por um mar de histó-                                        em que finalizam os trabalhos de res-
         rias entre passado e presente, com o                                         tauro e que pretende garantir que, a
         Museu como cenário e com as Galeo-  Bergantim Real: Pintura a óleo representando paisagem bucólica na parede pos-  longo prazo, estarão controlados os
         tas Reais como protagonistas.  terior da segunda sala da Camarinha Real.     ritmos de deterioração das varias do-
           Este é o primeiro de um conjunto de três arti-  volver a vida a estas seis embarcações reais.   enças identificadas em cada uma das embarca-
         gos temáticos e incide sobre as origens, as carac-  Era importante começar por definir a forma e  ções. Logicamente, ao mesmo tempo estamos
         terísticas técnicas, os objectivos e a metodologia  os conteúdos do que era um projecto especializa-  a evitar a necessidade de voltar a realizar uma
         de trabalho definidos no contexto do Projecto  do, que devia ser feito à medida desta colecção,  intervenção drástica, e sem dúvida arriscada,
         de Conservação das Galeotas Reais. O segun-  da instituição que as alberga e dos seus variados  como é o restauro, evitando através deste pro-
         do artigo será dedicado ao processo de con-  públicos e, claro, das numerosas tipologias e res-  cesso de conservação que se perca mais infor-
         servação e restauro realizado no Bergantim ou  pectivas magnitudes de deterioração existentes  mação ou que as peças continuem o processo
         Galeota Real e o terceiro artigo será dedicado  em cada um dos exemplares expostos.  de amputação histórica e artística que se tinha
         ao processo, da mesma natureza, realizado na                          iniciado e cujas repercussões serão claramente
         Galeota de D. João V, também conhecida como                           negativas e irreversíveis.
         Galeota Grande.                                                         O objectivo fundamental da conservação
           Falava de 2001 como o ano em que tive a                             hoje em dia consiste em prolongar “digna-
         oportunidade de conceber para o Museu de                              mente” a vida de um objecto valioso que, pela
         Marinha um projecto que as próprias Galeo-                            sua natureza, é considerado uma testemu-
         tas me fizeram sentir, dada a sua situação de                          nha única ou um documento significativo da
         degradação, de silêncio e de vivência na pe-                          a ctividade humana (González-Varas, 2000:21)
         numbra de um Museu do qual poderíamos di-                             sendo, portanto, uma fonte insubstituível de
         zer que são as grandes protagonistas. Senti que                       conhecimento.
         precisavam de alguém que lhes desse atenção.                              Por outro lado, o meu papel como conserva-
         Aquela posição estática que assumiam desde                            dora consiste em actuar pontualmente no pro-
         que deixaram de desempenhar as suas funções                           cesso vital do objecto, permitindo assim a sua
         originais e foram levadas para o Museu, tinha-  Figura de proa da Galeota de D. José I.  adequada leitura e interpretação a longo prazo.
         -as transformado em objectos solitários, pouco                        Para isso, a nossa equipa técnica utiliza todos
         comunicativos…                       Evidentemente, trabalhar com bens culturais  os meios existentes ao seu alcance no que se
           Era evidente que precisavam de ar fresco, de  requer a realização de um estudo prévio de  pretende que seja uma actividade que defende
         uma convivência mais próxima com o público,  definição e de valorização do objecto ou dos  a aplicação de todo um conjunto de princípios
         de um dia-a-dia enriquecedor, irradiando a sua  o bjectos sobre os quais se pretende actuar.   éticos. Mais à frente retomarei este assunto.
         beleza original, aquela beleza que nos faz es-  Segundo as minhas previsões e segundo o   Tudo começou com uma pesquisa prévia. Era
         tremecer cada vez que as contemplamos. Afinal  r itmo de trabalhos aprovado pelo Museu de Ma-  preciso saber, entre outras coisas, as característi-
         de contas, um museu é um local privilegiado de  rinha, o restauro das seis embarcações teria uma  cas técnicas das embarcações, as suas origens, a

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