Page 207 - Revista da Armada
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sua função, o historial dos restauros realizados  cada obra é um caso único e como tal deverá
         no passado… Mas também queria saber se ha-  ser considerada, o que significa que a sua má
         via no mundo alguma outra colecção de em-  conservação, a sua deterioração ou o seu de-
         barcações reais tão antiga como esta. E, se assim  saparecimento total ou parcial, nunca poderão
         fosse, onde se encontravam? Em que contexto e  ser compensados com nenhum outro tipo de
         com que técnicas e estilos decorativos tinham  acção (Brandi, 1993:58). Por esta razão, cada
         sido construídas?                  uma das embarcações merece uma atenção
           Até agora, já tive a oportunidade de conhecer  especial e uma intervenção apropriada às suas
         a reprodução da Galera Real de Juan de Austria  características artísticas, históricas e técnicas e
         que se encontra no Museu Marítimo de Barce-  aos tipos de deterioração identificados.
         lona (feita em 1971, no âmbito da celebração   Logicamente, era fundamental transmitir ao   1 – Bergantim Real. (1780)
         do IV Centenário, com base nos desenhos ori-  público a importância do projecto em curso,
         ginais da Galera que se afundou na Batalla de  os seus objectivos, as características da em-
         Lepanto em 1571).                  barcação em processo de conservação e res-
           Por outro lado, e através da conservadora  tauro em cada uma das fases do projecto e a
         de origem italiana que integra a nossa equi-  metodologia de trabalho utilizada pela equipa
         pa, Simona Franchin, estamos actualmente a  técnica, mostrando assim o extremo cuidado
         realizar uma pesquisa sobre as características  que o Museu de Marinha tem para com o seu
         artísticas e técnicas das Gôndolas Reais de  rico e fascinante acervo.
         Veneza. Sabemos que se encontram em pro-  Desde o ano 2001 foram restauradas duas
         cesso regular e constante de conservação e  galeotas: o Bergantim Real, cujo restauro
         restauro. Sabemos também que este conjunto  teve lugar entre 2001 e 2004, e a Galeota   2 – Galeota D. João V. (1728)
         de gôndolas é o grande protagonista de uma  de D. João V, cujo restauro foi realizado du-
         regata real que se celebra periodicamente, o  rante os anos de 2005 e 2006.
         que implica cuidados de conservação exigen-
         tes de modo a assegurar a sua função original  PRIMEIRO OBJECTIVO:
         de navegação, a par da sua função enquanto   ORGANIZAR A COLECÇÃO DE
         objectos museológicos. Tomaremos nota de   GALEOTAS REAIS
         tão brilhante ideia…
           No caso português, as Galeotas Reais fo-  Aquando da aprovação do projecto pela
         ram construídas no século XVIII, reinados de  Direcção do Museu, o primeiro passo con-  3 – Galeota D. José I. (1753)
         D. João V, D. José I e D. Maria I e no século XIX  sistiu na criação de um método próprio de
         no reinado de D. Miguel – constituindo no seu  trabalho que tinha como objectivo definir
         conjunto um património cultural de valor ex-  um conjunto de critérios de organização para
         cepcional, sendo fundamental, por isso, a sua  esta colecção, assim como os critérios de in-
         futura classificação como Tesouro Nacional.  tervenção que seriam utilizados em cada uma
           Estas galeotas são fruto de um trabalho me-  da fases do projecto.
         ticuloso, caracterizado pelo rigor técnico, e   Assim, as embarcações foram numeradas
         realizado por alguns dos melhores artistas da  por ordem de importância, tendo em aten-
         época, que se encontravam, na altura, ao ser-  ção o seu valor histórico, artístico e técnico,
         viço da corte portuguesa. Desde a estrutura até  conforme as figuras apresentadas.
         a última camada decorativa, as Galeotas Reais   O conjunto de objectos relacionados com
         foram construídas com os melhores materiais  cada uma das galeotas seria igualmente in-  4 – Galeota D. Carlota Joaquina. (1790)
         da época e com recurso às técnicas conside-  ventariado, sendo-lhe atribuída para o efeito
         radas mais nobres no campo das artes deco-  uma sub-numeração que teria como referên-
         rativas portuguesas.               cia o número de inventário da embarcação
                                            no contexto do acervo do Museu.
         AS CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS
         DO PROJECTO                        SEGUNDO OBJECTIVO:
                                            DEFINIR UM CONJUNTO DE
           O Projecto de Conservação das Galeotas   CRITÉRIOS DE INVENTARIAÇÃO
         Reais foi criado para o Museu de Marinha em   E DE INTERVENÇÃO AO NÍVEL
         2001. Desde o primeiro momento foi pensa-
         do como um projecto que apresentava uma   DAS NECESSIDADES EXISTENTES
         dupla vertente: a vertente de conservação   Mais uma vez, partimos de uma pesqui-
         de um património de características únicas  sa prévia que nos permitiu saber qual seria o   5 – Galeota de D. Miguel. (1831)
         e a vertente museológica de uma colecção  procedimento mais adequado a um contexto
         exposta ao público, o que me obrigou a criar  como o que estava em estudo. Decidimos que
         uma estratégia de comunicação com os vários  seriam adoptados três critérios para definir a
         tipos de público que cruzam as portas do Mu-  ordem de inventariação e levantamento dos
         seu em cada dia. Um museu como este pode  múltiplos elementos que decoram cada em-
         ser um espaço de construção de memória  barcação. Estes critérios seriam igualmente
         através da interpretação da realidade expos-  utilizados no âmbito das intervenções ao nível
         ta e da construção de significados.   das necessidades específicas de conservação e
           Evidentemente, as embarcações seriam ob-  restauro. Os elementos seriam inventariados,
         jecto de uma intervenção aprofundada de con-  analisados e intervencionados:
         servação e de restauro, uma a uma. Nesta área   - Do Exterior para o Interior.
         de especialização, a Conservação de Património   - Da Popa para a Proa.
         Cultural, partimos de um princípio fundamental:   - De Baixo para Cima.  6 – Galeota do Inspector da Alfândega de Lisboa. (1768)
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