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Conclusão









                   Nos 450 anos do estabelecimento
                   Nos 450 anos do estabelecimento
                           dos portugueses em Macau
                           dos portugueses em Macau










         DIOGO PEREIRA E LEONEL DE SOUSA:  que exercerá entre 1562 e 1564.     relações sino-portuguesas. A primeira estava
         O EMPRESÁRIO E O DIPLOMATA           A oportunidade seguinte surge com Leonel  relacionada com o nome segundo o qual os
                                            de Sousa. Este fidalgo algarvio, casado em Goa,  navegantes ocidentais se apresentavam, tendo
              eriodicamente forçados a procurar en-  deu seguimento às intenções diplomáticas de  que abandonar o que o associava aos francos, já
              trepostos distantes da grande metrópo-  Diogo Pereira, cuja embaixada tinha estranha-  que tinha sido nessa condição que haviam sido
         Ple comercial que era Cantão, os nóveis  mente soçobrado em Malaca. Em 1553, sem o  anteriormente banidos de praticar o comércio
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         fangim  não abandonaram a procura de uma  apoio do vice-rei de Goa, representando apenas  em terra chinesa.
         solução que lhes desse segurança e estabilida-  os interesses dos mercadores privados, Leonel   Em segundo lugar, os portugueses tinham
         de a prazo.                        de Sousa viaja para a região de Cantão, com de-  que passar a pagar taxas alfandegárias, bem
           Surge então Diogo Pereira, filho de pai eu-  zasseis outros navios.  como respeitar todas as restantes normas apli-
         ropeu e mãe indiana, casado de Goa, abastado   Leonel foi bem sucedido e, em 1554, chegou  cáveis ao comércio da China com o exterior.
         armador e comerciante, com interesses espalha-  à fala com a autoridade de defesa marítima de   Obrigavam-se, por último, numa cláusula que
         dos pela Ásia. Diogo e seu irmão Guilherme são  Cantão (Haitao, literalmente o “Cabeça” ou o  apenas podia estar presente num acordo verbal,
         então duas das mais ricas e prestigiadas figuras  “Comandante do Mar”, segundo o Pe. Manuel  e que dispunha que os portugueses tinham que
         da capital do império no Oriente [1].  Teixeira  [16]; Sousa chamou-lhe o “Almirante  entregar periódicos presentes às autoridades
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           Em 1552 partiu de Goa uma embaixada para  do Mar”). Com ele se sentou à mesa e se ban-  l ocais, incluindo ao já mencionado Haitao.
         a China, comandada por Pereira, levando a bor-  queteou, bebeu e discutiu, até que alcançaram   O capítulo das taxas foi, dos três, o que teve
         do o seu amigo Padre Francisco Xavier e um  um acordo satisfatório para ambas as partes.  a tramitação mais curiosa, embora não possa
         presente valioso para o soberano chinês.                                  ser classificada de surpreendente. Suce-
         Esta embaixada é privada e visa adquirir                                  de que a parte chinesa exigia que sobre as
         estatuto de legalidade para as operações                                  mercadorias portuguesas fossem cobra-
         comerciais portuguesas, propondo-se ne-                                   dos direitos alfandegários de vinte por
         gociar o pagamento das taxas que eram                                     cento, taxa que era aplicada aos siameses.
         cobradas a mercadores de outras origens.                                  Sousa entendeu que o valor era excessivo e
         Adquirem assim primazia as vozes da                                       ofereceu dez por cento. Rejeitada esta pro-
         conciliação e da subordinação às regras lo-                               posta pelo Haitao, alegou o português que
         cais, substituindo as do conflito, dominan-                                de aí a um ano se voltaria a discutir, já que
         tes em algumas ocasiões anteriores. Para                                  tinha que colher ordens do seu soberano e
         mais, esta iniciativa liderada por Diogo                                  o seu reino distava da China quatro meses
         Pereira agrega os três poderes mais sig-                                  de viagem. Retorquiu o Cabeça do Mar que
         nificativos dos europeus na região: o dos                                  também o seu imperador não lhe permitia
         comerciantes, o da Igreja (iam mais dois                                  cobrar taxas abaixo da tabela, pelo que o
         religiosos na embaixada além do futuro S.                                 negócio não podia ser fechado.
         Francisco Xavier) e o do Estado, já que o   Atlas de Fernão Vaz Dourado, de 1570, onde Macau aparece pela   Perante um bloqueio que não servia
                                          primeira vez.
         indo-português Pereira viaja com o apoio                                  nenhuma das partes, a saída passou por
         do vice-rei de Goa, D. Afonso de Noronha.  Sousa haverá de relatar mais tarde para o seu  assentarem que se cobrariam os vinte por cento
           No entanto, chegado a Malaca, enfrentou a  Príncipe que “…Desta maneira fiz paz; e os negó-  requeridos pela China, mas sobre apenas me-
         oposição do capitão da praça, Álvaro da Gama  cios na China com que todos fizeram suas fazendas e  tade das mercadorias dos portugueses. Com
         (filho de Vasco da Gama), que lhe confiscou  proueitos, seguramente foram muitos purtugueses á  uma sábia combinação da habilidade portu-
         a nau e a carga. O seu empreendimento, que  Cidade de Camtão, e outros lugares por onde anda-  guesa e do pragmatismo chinês, ficaram si-
         parecia contar com condições de sucesso difí-  ram folgando alguns dias, e negociando suas fazendas  multaneamente salvas ambas as faces e a li-
         ceis de reunir, é assim vítima dos conflitos de  sem receberem agravo…”.   berdade de comércio.
         interesses mercantis e financeiros, que perio-  Através deste Assentamento, foram dados   O acordo representou um ponto de viragem
         dicamente eclodiam entre as altas hierarquias  passos importantes no propósito de comerciar  nas relações luso-chinesas.
         instaladas no Oriente.             livremente na região, embora com sujeição a   Já de regresso a Cochim, em 1556, Leonel de
           Ultrapassado este fracasso, Diogo Pereira  determinadas condições.   Sousa deu conta dos resultados da sua missão
         terá ainda um futuro de grande importância   Com efeito, o acordo verbal alcançado por  através de uma longa carta que endereçou ao
         nas acções portuguesas no Oriente, designa-  Leonel de Sousa contemplava as principais  Infante D. Luís, irmão do rei. Nela resume as-
         damente no cargo de capitão-mor de Macau,  divergências até então experimentadas nas  sim a sua apreciação da China: “… é Reyno mui-

         8  AGOSTO 2007 U REVISTA DA ARMADA
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