Page 262 - Revista da Armada
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Conclusão
Nos 450 anos do estabelecimento
Nos 450 anos do estabelecimento
dos portugueses em Macau
dos portugueses em Macau
DIOGO PEREIRA E LEONEL DE SOUSA: que exercerá entre 1562 e 1564. relações sino-portuguesas. A primeira estava
O EMPRESÁRIO E O DIPLOMATA A oportunidade seguinte surge com Leonel relacionada com o nome segundo o qual os
de Sousa. Este fidalgo algarvio, casado em Goa, navegantes ocidentais se apresentavam, tendo
eriodicamente forçados a procurar en- deu seguimento às intenções diplomáticas de que abandonar o que o associava aos francos, já
trepostos distantes da grande metrópo- Diogo Pereira, cuja embaixada tinha estranha- que tinha sido nessa condição que haviam sido
Ple comercial que era Cantão, os nóveis mente soçobrado em Malaca. Em 1553, sem o anteriormente banidos de praticar o comércio
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fangim não abandonaram a procura de uma apoio do vice-rei de Goa, representando apenas em terra chinesa.
solução que lhes desse segurança e estabilida- os interesses dos mercadores privados, Leonel Em segundo lugar, os portugueses tinham
de a prazo. de Sousa viaja para a região de Cantão, com de- que passar a pagar taxas alfandegárias, bem
Surge então Diogo Pereira, filho de pai eu- zasseis outros navios. como respeitar todas as restantes normas apli-
ropeu e mãe indiana, casado de Goa, abastado Leonel foi bem sucedido e, em 1554, chegou cáveis ao comércio da China com o exterior.
armador e comerciante, com interesses espalha- à fala com a autoridade de defesa marítima de Obrigavam-se, por último, numa cláusula que
dos pela Ásia. Diogo e seu irmão Guilherme são Cantão (Haitao, literalmente o “Cabeça” ou o apenas podia estar presente num acordo verbal,
então duas das mais ricas e prestigiadas figuras “Comandante do Mar”, segundo o Pe. Manuel e que dispunha que os portugueses tinham que
da capital do império no Oriente [1]. Teixeira [16]; Sousa chamou-lhe o “Almirante entregar periódicos presentes às autoridades
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Em 1552 partiu de Goa uma embaixada para do Mar”). Com ele se sentou à mesa e se ban- l ocais, incluindo ao já mencionado Haitao.
a China, comandada por Pereira, levando a bor- queteou, bebeu e discutiu, até que alcançaram O capítulo das taxas foi, dos três, o que teve
do o seu amigo Padre Francisco Xavier e um um acordo satisfatório para ambas as partes. a tramitação mais curiosa, embora não possa
presente valioso para o soberano chinês. ser classificada de surpreendente. Suce-
Esta embaixada é privada e visa adquirir de que a parte chinesa exigia que sobre as
estatuto de legalidade para as operações mercadorias portuguesas fossem cobra-
comerciais portuguesas, propondo-se ne- dos direitos alfandegários de vinte por
gociar o pagamento das taxas que eram cento, taxa que era aplicada aos siameses.
cobradas a mercadores de outras origens. Sousa entendeu que o valor era excessivo e
Adquirem assim primazia as vozes da ofereceu dez por cento. Rejeitada esta pro-
conciliação e da subordinação às regras lo- posta pelo Haitao, alegou o português que
cais, substituindo as do conflito, dominan- de aí a um ano se voltaria a discutir, já que
tes em algumas ocasiões anteriores. Para tinha que colher ordens do seu soberano e
mais, esta iniciativa liderada por Diogo o seu reino distava da China quatro meses
Pereira agrega os três poderes mais sig- de viagem. Retorquiu o Cabeça do Mar que
nificativos dos europeus na região: o dos também o seu imperador não lhe permitia
comerciantes, o da Igreja (iam mais dois cobrar taxas abaixo da tabela, pelo que o
religiosos na embaixada além do futuro S. negócio não podia ser fechado.
Francisco Xavier) e o do Estado, já que o Atlas de Fernão Vaz Dourado, de 1570, onde Macau aparece pela Perante um bloqueio que não servia
primeira vez.
indo-português Pereira viaja com o apoio nenhuma das partes, a saída passou por
do vice-rei de Goa, D. Afonso de Noronha. Sousa haverá de relatar mais tarde para o seu assentarem que se cobrariam os vinte por cento
No entanto, chegado a Malaca, enfrentou a Príncipe que “…Desta maneira fiz paz; e os negó- requeridos pela China, mas sobre apenas me-
oposição do capitão da praça, Álvaro da Gama cios na China com que todos fizeram suas fazendas e tade das mercadorias dos portugueses. Com
(filho de Vasco da Gama), que lhe confiscou proueitos, seguramente foram muitos purtugueses á uma sábia combinação da habilidade portu-
a nau e a carga. O seu empreendimento, que Cidade de Camtão, e outros lugares por onde anda- guesa e do pragmatismo chinês, ficaram si-
parecia contar com condições de sucesso difí- ram folgando alguns dias, e negociando suas fazendas multaneamente salvas ambas as faces e a li-
ceis de reunir, é assim vítima dos conflitos de sem receberem agravo…”. berdade de comércio.
interesses mercantis e financeiros, que perio- Através deste Assentamento, foram dados O acordo representou um ponto de viragem
dicamente eclodiam entre as altas hierarquias passos importantes no propósito de comerciar nas relações luso-chinesas.
instaladas no Oriente. livremente na região, embora com sujeição a Já de regresso a Cochim, em 1556, Leonel de
Ultrapassado este fracasso, Diogo Pereira determinadas condições. Sousa deu conta dos resultados da sua missão
terá ainda um futuro de grande importância Com efeito, o acordo verbal alcançado por através de uma longa carta que endereçou ao
nas acções portuguesas no Oriente, designa- Leonel de Sousa contemplava as principais Infante D. Luís, irmão do rei. Nela resume as-
damente no cargo de capitão-mor de Macau, divergências até então experimentadas nas sim a sua apreciação da China: “… é Reyno mui-
8 AGOSTO 2007 U REVISTA DA ARMADA