Page 198 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. JOÃO III (35)
D. João de Castro no governo da Índia:
D. João de Castro no governo da Índia:
o segundo cerco de Diu
o segundo cerco de Diu
A
20 de Agosto de 1545, Goa recebeu a finais de Abril de 1546. Dos acontecimentos que caíram com o muro. Em pouco tempo a situa-
nova de que havia uma nau ao largo e, então ocorreram nos dá conta Gaspar Correia ção ficou insustentável e, em Julho, o capitão de
de imediato, Martim Afonso de Sousa num relato pormenorizado que seguirei nos Diu, conseguiu fazer sair uma embarcação que
mandou sair uma embarcação para saber quem seus pormenores mais significativos. levava a Goa um pedido desesperado de ajuda.
era e ao que vinha. Tratava-se de um dos navios A carta de D. João de Mascarenhas para o A reacção do governador foi imediata, fazen-
da armada que partira de Lisboa a 28 de Março governador da Índia, dava, também, conta das do sair uma esquadra de mais de trinta fustas,
desse ano, sob o comando de D. João de Cas- carências da praça, em homens, pólvora, artilha- comandada pelo seu outro filho, D. Álvaro de
tro, que levava credenciais para ocupar o cargo ria, espingardas, chumbo e mantimentos, pres- Castro, com instruções precisas para que Diu
de governador da Índia. O novo representante sagiando um descalabro, caso não fosse refor- resistisse até que ele próprio ali fosse socorre-
da coroa de Portugal era um homem experien- çada antes de começar a monção de Sudoes te. -la. O seu plano era fazer chegar essa esquadra
te das coisas do Oriente, para onde viajara em O mau tempo que se avizinhava, e que se pro- a Diu, mantendo-a com capacidade para actuar
1538 com Garcia de Noronha. Participara na longaria até finais de Agosto, impediria as aju- no golfo de Cambaia, logo que o tempo o per-
expedição ao Mar Vermelho, com Estêvão da das vindas do mar e daria grande vantagem mitisse. Entretanto ele próprio iria para Baçaim,
Gama (1540) e ficara na Índia até 1542. Sendo militar aos mouros de Coje Çafar, que podiam e daí lançaria uma vasta campanha militar, por
homem perspicaz e dotado de terra, contra os potentados mu-
uma sólida cultura humanista, çulmanos do Guzerate.
certamente que não lhe escapa- Este plano tinha sido discutido
ram as nuances políticas e sociais com os fidalgos do seu conselho,
de todo o Índico, sabendo o sufi- mas revelava-se, na minha opi-
ciente para ter as suas próprias nião com enormes fragilidades.
ideias sobre o governo e sobre a A mais óbvia era a de que po-
defesa dos interesses nacionais. deria não se conseguir defender
Logo que tomou posse do cargo, Diu, nessas condições e a derro-
alterou um conjunto de medidas ta seria psicologicamente insu-
administrativas do seu anteces- portável. Mas outra seria a de
sor, e isso não deixou de lhe cau- que, mesmo resistindo e refor-
sar alguns dissabores, contudo, çando as forças conforme fosse
o grande desafio ao seu governo possível, com dificuldade se po-
estava ainda além do horizonte: deriam reconstruir as condições
tratava-se do reacender da guer- de defesa, dada a dispersão de
ra de Cambaia que levaria a um recursos tão parcos como eram
novo cerco à cidade de Diu. Des- os dos portugueses. A decisão
ta vez mais terrível e dramático Fortaleza de Diu correcta acabou por se precipitar
que o de 1538. Livro das Plantas de todas as Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da Índia Oriental – EST. XV com os acontecimentos, quando
Em Abril de 1546 chegou a Goa António Bocarro D. João de Castro se apercebeu
uma carta de D. João de Mascarenhas, o capi- reforçar -se com gente e material vindo por ter- que podia perder uma das praças portugue-
tão daquela praça portuguesa no Guzerate, avi- ra, do Guzerate ou de outros potentados muçul- sas mais importantes da Índia de um momento
sando para a eminência da guerra, em face das manos da região. O cronista diz que D. João de para o outro, dando-se conta que já tinha perdi-
manobras levadas a cabo por Coje Çafar. Esta Castro não se alarmou muito com a carta vinda do um filho na defesa de um dos baluartes mi-
figura curiosa, na altura senhor de Surate, era de Diu, mas não deixou de enviar uma esqua- nados. Juntou, então, mais de 1500 homens em
um italiano convertido ao islão que se fizera vas- dra, comandada pelo seu próprio filho, D. Fran- cerca de 60 embarcações de remo e 12 navios
salo do sultão de Cambaia, e que esteve ligado cisco de Castro, com o material que lhe pareceu grossos, que chegaram a Diu a 6 de Novembro.
à vitória portuguesa de 1538, em circunstâncias adequado e que era possível transportar. Não Analisando a situação, decidiu desembarcar
que foram explicadas na Marinha de D. João III contou, no entanto, que a situação se degradasse com o grosso do pessoal, a coberto da couraça
(18), e que nada deveram à sua honestidade ou de forma tão rápida, e que os mouros tivessem do mar e sem que os mouros o percebessem,
carácter brilhante. Tratava-se, sobretudo, de um capacidade para reunir forças que colocaram para que, depois, pudesse lançar uma ataque
homem manhoso que soubera construir o seu os portugueses numa situação extremamente de dentro para fora. Antes desse ataque, os
próprio poder, traindo aqui e ali: agora os por- desproporcionada em relação aos atacantes. Em navios manobrariam em frente ao arraial ini-
tugueses e, noutra altura, o sultão ou quem quer pouco tempo, os nacionais foram quase com- migo, dando a entender que queriam tentar
que fosse, desde que pudesse tirar vantagens da pletamente cercados, mantendo apenas a pos- o desembarque, “fazendo modos de chegar e
sua destruição. E, como todos as pessoas que sibilidade de comunicação pelo mar, através de se afastar com medo”. E assim fez a 11 de No-
constroem o seu poder de forma capciosa, co- um embarcadouro protegido por uma couraça. vembro de 1546, dia de S. Martinho, obtendo
nhecia também os seus limites, tendo o cuida- Contudo os muros e baluartes que estavam vi- uma vitória estrondosa sobre os mouros. Ne-
do de fugir às roturas claras com os mais fortes. rados para oeste foram atacados e destruídos. O cessitava, contudo de reconstruir e guarnecer
Sabendo-se por toda a parte as vantagens que inimigo começou por fazer uma tranqueira, em a fortaleza atempadamente. As obras come-
tirava do relacionamento com os portugueses, frente da muralha, de onde podia fazer fogo de çaram de imediato, mas os pormenores dessa
cedo foi confrontado com o facto pelo sultão, artilharia e armas ligeiras, sobre os defensores. acção ficarão para a próxima Revista.
apressando-se a jurar a sua fidelidade e obedi- Depois aterrou a cava que cercava a fortaleza, Z
ência, prontificando-se a atacar Diu, se para tal foi conseguindo construir rampas e torres com J. Semedo de Matos
tivesse as forças necessárias. E foi o que fez em pedra e argamassa, e minou os baluartes que CFR FZ
16 JUNHO 2008 U REVISTA DA ARMADA