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esta política, apresentando-a como uma con-  momento, mas a preparação da esquadra e   Desde Setembro que Stangford, o minis-
         sequência da fraqueza do príncipe D. João  mesmo o embarque dos caixotes com os ha-  tro britânico em Lisboa, pressiona fortemen-
         (futuro D. João VI), típica da hesitação de  veres das principais instituições tinha come-  te a Corte para embarcar de imediato para
         um espírito fraco, que não sabia o que que-  çado muito antes, o que era obrigatório para  o Brasil. D. João diz concordar “em princí-
         ria e balançou até ao último momento, sem  uma força daquela dimensão.  pio”, mas acrescenta que só daria a ordem
         rumo e sempre sujeito à opinião do último   O Conselho do Estado recomendou a  quando tivesse a confirmação da invasão.
         com quem falava.                   D. João logo em Agosto que aprontasse a es-  Em meados desse mês, porém, começam a
           Política do fraco talvez fosse, mas a fraque-  quadra para retirar, embora fosse muito dis-  ser levados para os navios no Tejo caixotes
         za não era do príncipe, mas sim do Reino,  cutido quem devia partir e quando. No fim  com metais preciosos, documentos e os ma-
         sem forças para responder às ameaças que  desse mês (Esparteiro, v.8, p. 80), as 4 naus  teriais mais volumosos.
         enfrentava. Daí ter optado pelo caminho da  que estão em Lisboa recebem ordens para se   Entretanto, a Corte portuguesa procu-
         conciliação e do compromisso, das cedên-  prepararem para transportar o príncipe da  ra desesperadamente ganhar tempo, com
         cias, das afirmações contraditórias                                            múltiplas concessões e cedências
         e dos pagamentos a ambos os la-                                               de última hora. Chega-se a orde-
         dos. Não era uma política empol-                                              nar em Novembro o encerramento
         gante e heróica, mas produziu im-                                             dos portos aos navios britânicos e
         portantes resultados, pois foi ela                                            a expulsão dos seus comerciantes,
         que permitiu manter o Reino fora                                              ao que a Inglaterra responde com
         da beligerância pelo menos desde                                              a retirada do seu representante
         1801 - seis anos de paz no meio de                                            para a esquadra ao largo de Cas-
         uma Europa em guerra.                                                         cais e o bloqueio a Lisboa. Ao mes-
           Em fins de 1807 a política de                                               mo tempo, porém, D. João assina
         conciliação tinha esgotado as suas                                            um acordo secreto com Londres
         possibilidades, pois desta vez a                                              onde concorda em retirar para
         França queria cortar por comple-                                              o Brasil em caso de invasão e se
         to o comércio da Inglaterra com                                               compromete a abrir os portos da
         o continente. Simplesmente, este                                              grande colónia americana em tro-
         facto não era evidente para os diri-                                          ca do apoio da Royal Navy.
         gentes portugueses da altura, mal                                              Era uma versão extrema da po-
         servidos por informações incom-                                               lítica de ganhar tempo através
         pletas e contraditórias. Não era possível afir-  Beira para o Brasil e, pouco depois, a Esqua-  das concessões máximas. O tempo era vital
         mar com certeza que o ultimato apresentado  dra do Estreito é mandada regressar à capi-  neste final de 1807. Mais umas semanas, ou
         pela França em Agosto era diferente de mui-  tal, onde chega a 28 de Setembro.  até uns dias, representavam mais velas que
         tos outros anteriores. Nesta dúvida, a Corte   A tese inicial é que só o príncipe da Beira,  se conseguiam aprontar e mais instituições
         seguiu o caminho mais seguro, preparando-  D. Pedro, se deve retirar para o Brasil. A op-  que era possível embarcar; havia mesmo a
         -se para o pior, mas mantendo a política de  ção não faz muito sentido: manter D. João  esperança de que, com alguma sorte, a che-
         conciliação para o tentar evitar.   em Lisboa, sem resistir, e D. Pedro no Brasil  gado do inverno levasse a França a adiar a
           Era uma política contraditória? Na apa-  é separar a família real e os dois reinos, com  invasão para a primavera seguinte.
         rência sim, pois a Corte dizia hoje uma coi-  o príncipe regente nas mãos dos franceses.   Em meados de Outubro Junot passa os
         sa e amanhã outra, combinava algo com a  Não admira assim que, quando se tornou  Pirenéus e segue pela estrada de Burgos
         Inglaterra e o seu contrário com a França,  evidente que a invasão era uma séria possi-  rumo a Salamanca, enquanto as divisões
         enquanto o Conselho de Estado                                                 espanholas se instalam nas bases
         parecia uma bússola sem norte.                                                de operações na fronteira com Por-
         Simplesmente essa era só a apa-                                               tugal. Os franceses, porém, não se
         rência. Na realidade, o que a Corte                                           limitam a atravessar a Espanha: a
         fez foi começar a preparar a retira-                                          pretexto de criar pontos de apoio
         da para o Brasil desde Agosto (em-                                            logísticos, vão ocupando cidades
         bora não fosse claro no primeiro                                              e fortalezas no caminho de Bayon-
         momento quem ia retirar ou quan-                                              ne a Salamanca. Na realidade,
         do) mas continuar a explorar a po-                                            Portugal foi somente a primeira
         lítica da conciliação até ao último                                           vítima da investida do que eram
         momento. Era uma típica opção                                                 ainda os “invencíveis”exércitos
         numa altura de grande incerteza:                                              napoleónicos. A segunda vítima,
         escolher o caminho que represen-                                              com um intervalo de poucas se-
         tava o menor sacrifício para o País                                           manas, foi a própria Espanha,
         (a conciliação), mas ter uma alter-                                           com a diferença que, no seu caso,
         nativa preparada caso este falhas-                                            a família real ficou prisioneira de
         se. Pode ser argumentado que a                                                Napoleão. A desmesurada ambi-
         conciliação se levou longe demais,                                            ção espanhola de ocupar Portugal
         numa altura em que já tinha perdido a eficá-  bilidade, se tenha concluído que teria de ser  acabou por provocar a sua ruína e criou-lhe
         cia; é certo, mas tudo se passava no meio de  a totalidade da família real a retirar, levando  uma situação ainda pior que a portuguesa.
         denso nevoeiro e com a Corte dividida, pelo  consigo os órgãos de governo e as institui-  Em ambos os casos, ao fim de alguns meses
         que esse atraso é fácil de entender.    ções centrais do Estado. A própria dimen-  o poder do estado central tinha desapareci-
           A verdade é que a Corte muito cedo en-  são deste movimento afasta a hipótese de  do e era substituído pelo poder das Juntas
         tendeu que, em caso de invasão, havia que  procurar abrigo na Madeira, pois os órgãos  regionais, criando o caos em amplas zonas
         retirar para a profundidade Atlântica e que  centrais do estado não podiam funcionar a  do território. De uma penada desaparecia o
         este movimento tinha de ser preparado com  partir dessa pequena ilha; a única possibi-  poder central de dois importantes reinos eu-
         grande antecedência. O embarque da família  lidade era o Brasil, já então uma economia  ropeus que ainda dominavam a maior parte
         real pode ter sido feito à pressa e no último  mais próspera que a portuguesa.   do continente americano.

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