Page 52 - Revista da Armada
P. 52
esta política, apresentando-a como uma con- momento, mas a preparação da esquadra e Desde Setembro que Stangford, o minis-
sequência da fraqueza do príncipe D. João mesmo o embarque dos caixotes com os ha- tro britânico em Lisboa, pressiona fortemen-
(futuro D. João VI), típica da hesitação de veres das principais instituições tinha come- te a Corte para embarcar de imediato para
um espírito fraco, que não sabia o que que- çado muito antes, o que era obrigatório para o Brasil. D. João diz concordar “em princí-
ria e balançou até ao último momento, sem uma força daquela dimensão. pio”, mas acrescenta que só daria a ordem
rumo e sempre sujeito à opinião do último O Conselho do Estado recomendou a quando tivesse a confirmação da invasão.
com quem falava. D. João logo em Agosto que aprontasse a es- Em meados desse mês, porém, começam a
Política do fraco talvez fosse, mas a fraque- quadra para retirar, embora fosse muito dis- ser levados para os navios no Tejo caixotes
za não era do príncipe, mas sim do Reino, cutido quem devia partir e quando. No fim com metais preciosos, documentos e os ma-
sem forças para responder às ameaças que desse mês (Esparteiro, v.8, p. 80), as 4 naus teriais mais volumosos.
enfrentava. Daí ter optado pelo caminho da que estão em Lisboa recebem ordens para se Entretanto, a Corte portuguesa procu-
conciliação e do compromisso, das cedên- prepararem para transportar o príncipe da ra desesperadamente ganhar tempo, com
cias, das afirmações contraditórias múltiplas concessões e cedências
e dos pagamentos a ambos os la- de última hora. Chega-se a orde-
dos. Não era uma política empol- nar em Novembro o encerramento
gante e heróica, mas produziu im- dos portos aos navios britânicos e
portantes resultados, pois foi ela a expulsão dos seus comerciantes,
que permitiu manter o Reino fora ao que a Inglaterra responde com
da beligerância pelo menos desde a retirada do seu representante
1801 - seis anos de paz no meio de para a esquadra ao largo de Cas-
uma Europa em guerra. cais e o bloqueio a Lisboa. Ao mes-
Em fins de 1807 a política de mo tempo, porém, D. João assina
conciliação tinha esgotado as suas um acordo secreto com Londres
possibilidades, pois desta vez a onde concorda em retirar para
França queria cortar por comple- o Brasil em caso de invasão e se
to o comércio da Inglaterra com compromete a abrir os portos da
o continente. Simplesmente, este grande colónia americana em tro-
facto não era evidente para os diri- ca do apoio da Royal Navy.
gentes portugueses da altura, mal Era uma versão extrema da po-
servidos por informações incom- lítica de ganhar tempo através
pletas e contraditórias. Não era possível afir- Beira para o Brasil e, pouco depois, a Esqua- das concessões máximas. O tempo era vital
mar com certeza que o ultimato apresentado dra do Estreito é mandada regressar à capi- neste final de 1807. Mais umas semanas, ou
pela França em Agosto era diferente de mui- tal, onde chega a 28 de Setembro. até uns dias, representavam mais velas que
tos outros anteriores. Nesta dúvida, a Corte A tese inicial é que só o príncipe da Beira, se conseguiam aprontar e mais instituições
seguiu o caminho mais seguro, preparando- D. Pedro, se deve retirar para o Brasil. A op- que era possível embarcar; havia mesmo a
-se para o pior, mas mantendo a política de ção não faz muito sentido: manter D. João esperança de que, com alguma sorte, a che-
conciliação para o tentar evitar. em Lisboa, sem resistir, e D. Pedro no Brasil gado do inverno levasse a França a adiar a
Era uma política contraditória? Na apa- é separar a família real e os dois reinos, com invasão para a primavera seguinte.
rência sim, pois a Corte dizia hoje uma coi- o príncipe regente nas mãos dos franceses. Em meados de Outubro Junot passa os
sa e amanhã outra, combinava algo com a Não admira assim que, quando se tornou Pirenéus e segue pela estrada de Burgos
Inglaterra e o seu contrário com a França, evidente que a invasão era uma séria possi- rumo a Salamanca, enquanto as divisões
enquanto o Conselho de Estado espanholas se instalam nas bases
parecia uma bússola sem norte. de operações na fronteira com Por-
Simplesmente essa era só a apa- tugal. Os franceses, porém, não se
rência. Na realidade, o que a Corte limitam a atravessar a Espanha: a
fez foi começar a preparar a retira- pretexto de criar pontos de apoio
da para o Brasil desde Agosto (em- logísticos, vão ocupando cidades
bora não fosse claro no primeiro e fortalezas no caminho de Bayon-
momento quem ia retirar ou quan- ne a Salamanca. Na realidade,
do) mas continuar a explorar a po- Portugal foi somente a primeira
lítica da conciliação até ao último vítima da investida do que eram
momento. Era uma típica opção ainda os “invencíveis”exércitos
numa altura de grande incerteza: napoleónicos. A segunda vítima,
escolher o caminho que represen- com um intervalo de poucas se-
tava o menor sacrifício para o País manas, foi a própria Espanha,
(a conciliação), mas ter uma alter- com a diferença que, no seu caso,
nativa preparada caso este falhas- a família real ficou prisioneira de
se. Pode ser argumentado que a Napoleão. A desmesurada ambi-
conciliação se levou longe demais, ção espanhola de ocupar Portugal
numa altura em que já tinha perdido a eficá- bilidade, se tenha concluído que teria de ser acabou por provocar a sua ruína e criou-lhe
cia; é certo, mas tudo se passava no meio de a totalidade da família real a retirar, levando uma situação ainda pior que a portuguesa.
denso nevoeiro e com a Corte dividida, pelo consigo os órgãos de governo e as institui- Em ambos os casos, ao fim de alguns meses
que esse atraso é fácil de entender. ções centrais do Estado. A própria dimen- o poder do estado central tinha desapareci-
A verdade é que a Corte muito cedo en- são deste movimento afasta a hipótese de do e era substituído pelo poder das Juntas
tendeu que, em caso de invasão, havia que procurar abrigo na Madeira, pois os órgãos regionais, criando o caos em amplas zonas
retirar para a profundidade Atlântica e que centrais do estado não podiam funcionar a do território. De uma penada desaparecia o
este movimento tinha de ser preparado com partir dessa pequena ilha; a única possibi- poder central de dois importantes reinos eu-
grande antecedência. O embarque da família lidade era o Brasil, já então uma economia ropeus que ainda dominavam a maior parte
real pode ter sido feito à pressa e no último mais próspera que a portuguesa. do continente americano.
14 FEVEREIRO 2008 U REVISTA DA ARMADA