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O Tratado de Lisboa e a “Europa azul”

Conforme foi notado por alguns                Estas medidas, referentes a uma polí­      te nas águas comunitárias e, por outro
        observadores mais atentos, como     tica estrutural comum para a indústria       lado, à crise latente no sector das pescas.
        o Prof. Adriano Moreira, o Almi­    de pesca, reforçaram­se com a aprova­        Como consequência, a revisão de 1992
rante Vieira Matias ou o saudoso Vice­      ção de um novo regulamento comuni­           teve por objectivo garantir a perenida­
­almirante Ferraz Sacchetti, o Tratado de   tário em 1976.                               de das actividades do sector, asseguran­
Lisboa atribui competência exclusiva à                                                   do simultaneamente a sua viabilidade
União Europeia (UE) para a “conserva­         Em 1983, na sequência de um proces­        económica e social, por meio de uma
ção dos recursos biológicos do mar, no      so negocial difícil e demorado, viria a ser  exploração estável e racional. Essa revi­
âmbito da política comum das pescas”1.      formalmente criada a Política Comum da       são consubstanciou­se na adopção do
Além disso, estabelece que a União e os     Pesca (PCP), através do Regulamento n.º      Regulamento n.º 3760/92/CEE do Con­
Estados­Membros (EM) partilham com­         170/83/CEE, de 25 de Janeiro, que insti­     selho, de 20 de Dezembro, que instituiu
petências nos domínios da “agricultura      tuiu o Regime Comunitário de Conserva­       um Regime Comunitário da Pesca e da
e pescas, com excepção da conservação       ção e de Gestão dos Recursos da Pesca,       Aquicultura, “que abrange as activida­
dos recursos biológicos”2. Justifica­se,    criando a chamada “Europa azul”. Esse        des de exploração relacionadas com os
pois, tentar perceber o verdadeiro alcan­   regime integrava, entre outras, medidas      recursos aquáticos vivos e com a aqui­
ce destas disposições, começando por        de conservação e disposições específi­       cultura”4. Aprofundou­se o sistema de
recordar a sua origem remota.               cas para a pesca costeira. As medidas        quotas, procurando, assim, contribuir
                                            de conservação podiam traduzir­se na
  Em termos prá­                            fixação do tamanho ou do peso mínimo                                    para a redução do
ticos, a comuni­                            por espécie ou na imposição de limita­                                  esforço de pes­
tarização dos re­                           ções às capturas – as célebres quotas                                   ca, sem negligen­
cursos biológicos                           de pesca. As disposições para proteger                                  ciar a necessida­
do mar teve início                          a pesca costeira permitiam aos EM res­                                  de de protecção
com o Tratado de                            tringir, até 1992, a actividade piscatória,                             das zonas muito
Roma (que criou                             nas águas situadas até 12 milhas da cos­                                dependentes da
a CEE, em 1957),                            ta (mar territorial), aos navios de pesca                               pesca e das acti­
o qual já previa,                           nacionais, que aí vinham pescando tra­                                  vidades tradicio­
no seu artigo 38.º,                         dicionalmente.                                                          nais. Nessa linha,
a criação de um                                                                                                     prolongou­se até
mercado comum                                 Dessa forma, quando Portugal e Es­                                    31 de Dezembro
da agricultura e                            panha aderiram às Comunidades Eu­                                       de 2002 a possi­
do comércio de                              ropeias, em 1986, já a PCP era uma                                      bilidade de os EM
produtos agríco­                            realidade incontornável. Todavia, o                                     “reservarem” para
las, abrangendo                             correspondente Tratado de Adesão in­                                    os navios locais
a pesca. Aqui co­                           cluiu várias disposições transitórias no                                de pesca artesa­
meçou, também,                              domínio das pescas, que, entre outros                                   nal a actividade
um dos maiores                              aspectos, restringiam o acesso às águas                                 piscatória no seu
equívocos das políticas comunitárias        sob soberania ou jurisdição portuguesa       mar territorial. Além disso, foi introdu­
para as pescas: a ausência de autonomia     e espanhola, até ao final de 1995. Es­       zida, pela primeira vez num documento
do sector relativamente à agricultura, ao   sas restrições seriam depois revistas e,     deste tipo, a definição de “águas de pes­
nível do direito comunitário originário3.   nalguns casos, prolongadas através do        ca comunitárias” como sendo “as águas
Isso significa que não têm existido, nos    Regulamento (CE) n.º 1275/94 do Con­         sob soberania ou jurisdição dos EM”5.
tratados assinados entre os EM, disposi­    selho, de 30 de Maio de 1994, e do Re­         Cerca de uma década depois, come­
ções próprias sobre as pescas, sendo es­    gulamento (CE) n.º 685/95 do Conselho,       çou a ficar evidente que a PCP não es­
tas regidas pelas disposições aplicáveis    de 27 de Março de 1995.                      tava a ser suficientemente eficaz naquilo
à agricultura.                                                                           para que tinha sido criada, nomeada­
                                              Entretanto, em 1992, ocorreu a primei­     mente, conservação das unidades po­
  Apesar de ter previsto um mercado co­     ra revisão da PCP, que visava dar respos­    pulacionais de peixe e protecção do
mum da pesca logo no seu tratado fun­       ta, por um lado, à sobrepesca existen­       ecossistema marinho. Nesse sentido, a
dador, a CEE só deu os primeiros passos                                                  Comissão Europeia iniciou, em Mar­
no sentido da concretização de uma                                                       ço de 2001, uma profunda reforma da
política comum para o sector em 1970,                                                    PCP, que culminou com a adopção do
estabelecendo a possibilidade de o Con­                                                  Regulamento (CE) n.º 2371/2002, de
selho adoptar medidas de conservação,                                                    20 de Dezembro de 2002, que atribui
quando houvesse risco de sobrepesca.                                                     à Comunidade Europeia competência
Além disso, foram adoptadas medidas                                                      exclusiva, no âmbito da PCP, para “a
segundo as quais todos os pescadores                                                     conservação, a gestão e a exploração
deveriam ter igual acesso às águas dos                                                   dos recursos aquáticos vivos e da aqui­
EM, com excepção de uma faixa costei­                                                    cultura (…) nas águas comunitárias”6. A
ra que poderia estender­se até 6 ou 12                                                   possibilidade de os EM poderem limitar
milhas de distância à costa, dependendo                                                  a pesca no mar territorial às embarca­
do local. Essa faixa ficava reservada para                                               ções que aí exercem tradicionalmente
embarcações nacionais. Procurava­se,                                                     essa actividade foi novamente prolon­
dessa forma, proteger as comunidades                                                     gada por mais 10 anos.
costeiras, nalguns casos bastante depen­                                                   Em 2003 foram revistas as restrições de
dentes da pesca tradicional desenvolvi­                                                  acesso a determinadas zonas de pesca
da no litoral.

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