Page 10 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (14)
A guerra com o Achém em Malaca
Quando os portugueses ocuparam Ma-
laca, em 1511, o Achém era um peque- gardas e pessoal especializado para o seu uso rios dos seus filhos. Segundo o cronista, levava
no sultanato no norte da ilha de Sama- (nomeadamente bombardeiros). A partir daí cerca de 15 000 homens, mais de 200 peças de
iniciou uma campanha progressiva de expan- artilharia, cerca de 400 turcos e navios de di-
tra, de gente belicosa mas de poder reduzido, sãoemtodoonortedeSamatra,queaumentou versas tonelagens.Aexpedição, porém, vinha
quando comparado com os reinos vizinhos substancialmenteosseusdomínios,mantendo dissimulada com outro objectivo que visava
de Pedir e Pacém. Na verdade, vivia da pira- Malaca em sobressalto constante e afrontando abrandar as defesas portuguesas: os embaixa-
taria sobre os comerciantes que passavam na os portugueses por diversas vezes, nunca lo- dores doAchém, desembarcados em Malaca e
via do Estreito, alimentando-se de peixe e de grando obter qualquer vitória. presentes ao capitão, levavam presentes e pro-
uma precária produção de arroz. Jorge Santos Diogo do Couto considera que Ala ad-Din messas de paz, alegando que todo aquele apa-
Alves, que estudou em tese estes pequenos Ri’ayat Syat al-Kahar ( Alaharadi na crónica), ratosedestinavaacastigaroreideJavaquelhe
potentados do norte de Samatra, afirma que o sultão que esteve no poder de 1539 a 1571, mataraumaembaixada.Fundearamemfrente
o sultanato que conhecemos no século XVI sonhava com o domínio de todo o Estreito de da cidade, a 20 de Janeiro, quando esta estava
resultou da união de dois reinos já is- em festa pelo aniversário de D. Sebas-
lamizados, cuja população descendia tião, sendo claro para D. Leoniz que
de árabes, persas e turcos miscigena- o objectivo era o ataque a Malaca, de
dos com populações malaias. E isso cujos preparativos vinha a ser preve-
explica a forte convicção islâmica, nido há algum tempo. Portugal tam-
que foi evidente na guerra sistemá- bém tinha os seus espiões colocados,
tica movida contra os portugueses e, e dois deles, que estavam em Veneza,
sobretudo, nos apoios que receberam já tinham dado conta a Lisboa desta
do Médio Oriente. aproximação entre turcos e achéns, e
O primeiro quartel do século XVI dos objectivos que tinha.
mostrará uma evolução do Achém A embaixada e D. Leoniz Pereira
num crescendo de poder, onde os seus trocaram presentes, mas o combate
soberanos jogaram sucessivamente estava à porta e começaria quando o
com alianças e traições que lhes per- sultão percebesse que os portugue-
mitiram tomar conta da maior parte ses não iriam aliviar a sua vigilância.
da produção de pimenta do norte da Entendeu-o quando viu que a zona
ilha, interferindo de forma decisiva de Ilher, na parte sul de Malaca e fora
no equilíbrio de poderes da região.As de portas, estava a ser abandonada
fontes históricas sobre a evolução dos e incendiada por ordem do capitão,
acontecimentos são escassas, mas em deixando um campo aberto. Desem-
1521 já oAchém tinha dominado o vi- barcou, então, a artilharia e iniciou
zinho Pedir e, em 1523, ocupou Samu- o cerco. Mas a guerra, naquelas pa-
dra-Pacém, onde os portugueses ti- ragens, assumia formas mais prag-
nham uma feitoria de comércio de que máticas do que as que se usavam na
foram expulsos. Pouco tempo depois, Europa, sendo válidos todos os es-
o sultanato está presente no comércio tratagemas que concorressem para
com o Mar Vermelho, seguindo uma a vitória. E os dias seguintes foram
via marítima que passava pelas ilhas profícuos em manobras diversas,
Maldivas, bastante afastada da cos- Pormenor de um mapa de Fernão Vaz Dourado (1568), onde se com tentativas de diversão, que não
ta indiana, para fugir ao controlo das mostra a fortaleza do reino do Achém, com algumas indicações de surtiram efeito e que mantiveram a
armadas portuguesas do Malabar. Sa- carácter militar para qualquer ataque à mesma. guarnição coesa. Ali ad-Din decidiu-
bemos ainda que estreitou relações comerciais Malaca e da parte ocidental do Arquipélago, -se finalmente pelo assalto em massa, abor-
e diplomáticas com os turcos, nomeadamente fazendo da cidade portuguesa a sede do seu dando as muralhas com escadas, apoiadas
através do Baxá do Cairo, sendo visível algum império. Foi certamente desta ascensão do pela artilharia disposta em torno da fortaleza,
paralelismo entre as investidas destes no Índi- Achém que se apercebeu o Conde do Redon- assistindo à operação do cimo do monte Bukit
co e os ataques a Malaca levados a cabo pelos do, em 1563, quando pensou ir ele próprio China, uma pouco a sul da cidade, montado a
outros, com evidências de colaboração no tipo dar-lhe combate, mas é sabida a forma como cavalo, na companhia de um dos seus filhos.
de material de guerra utilizado e nos soldados adiou a empresa e morreu antes de a poder Foi com grande desagrado que encarou a in-
estrangeiros cuja origem está no Egipto. É in- realizar (Marinha de D. Sebastião (10)). Toda- capacidade de vergar as defesas. Reembarcou
teressante registar que em 1537 os turcos se via, quando D. Antão de Noronha assumiu o toda a artilharia, com receio que lha tomas-
preparavam para cercar Diu, e os achéns ata- cargo de vice-rei da Índia, estava bem infor- sem e retirou-se ele próprio, com milhares de
caram Malaca que foi defendida por Estêvão mado da ameaça que pairava sobre Malaca e, baixas, entre os mortos que ficaram no terre-
da Gama. O capitão, quando soube da ameaça quando para lá enviou D. Leoniz Pereira, em no e os feridos que foi lançando ao mar, no
otomananoÍndico,pensouemviràÍndia,mas Setembro de 1567, deu-lhe os aprovisiona- caminho para o norte. Malaca sobrevivera a
suspendeu a viagem porque teve notícia que mentos necessários para reforçar a praça em um dos maiores ataques que sofrera uma for-
no Achém se preparava nova investida. Não artilharia e homens capazes de afrontar uma taleza portuguesa no Oriente, mas o Achém
se concretizou nenhum ataque, mas em 1539, eventual agressão. era um inimigo sério, como ainda veremos.
o sultanato mudava de soberano e fazia novo Ela chegaria em Janeiro de 1568, logo no
acordo com o Grã-Turco, que lhe permitiu re- princípio do ano, com uma enorme armada
J. Semedo de Matos
ceber grande quantidade de artilharia, espin- em que o próprio sultão ia embarcado com vá- CFR FZ
10 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA