Page 12 - Revista da Armada
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comunitárias, definidas nos regulamen­ da legislação ordinária. Contudo, esta ma continental pode estender­se além
tos comunitários de 1994 e de 1995, já alteração aumenta o poder vinculativo do mar territorial até uma distância de
acima referidos. Nessa altura, deixou sobre os EM, bem como a obrigatorieda­ 350 milhas à costa ou até uma distân­
de haver limitações no acesso às águas de que sobre eles impende, com conse­ cia de 100 milhas a partir da batimétri­
portuguesas e espanholas, com excep­ quências sobre todos os EM ribeirinhos ca dos 2500 metros de profundidade,
ção da faixa compreendida entre o li­ e, em particular, sobre Portugal, que de­ no máximo, desde que sejam prova­
mite exterior do mar                                                                                                   das determinadas
territorial e as 100                                                                                                   condições. Assim, o
milhas de distância à                                                                                                  Governo Português
costa, nos Açores, na                                                                                                  criou a Estrutura de
Madeira e nas Caná­                                                                                                    Missão para a Ex­
rias, em que Portugal                                                                                                  tensão da Platafor­
(nos dois primeiros                                                                                                    ma Continental com
casos) e Espanha (no                                                                                                   a incumbência de
caso das Canárias)                                                                                                     preparar a proposta
podem “restringir                                                                                                      de extensão dos li­
a pesca aos navios                                                                                                     mites da plataforma
registados nos por­                                                                                                    continental de Por­
tos dessas ilhas”7.                                                                                                    tugal. Essa proposta
Visava­se com essa                                                                                                     foi entregue na ONU
medida proteger a                                                                                                      em Maio de 2009,
situação biológica                                                                                                     decorrendo actual­
sensível nas águas                                                                                                     mente o respectivo
desses três arquipé­                                                                                                   processo de avalia­
lagos e preservar as                                                                                                   ção, por parte da Co­
economias locais, tendo em conta a sua tém a maior Zona Económica Exclusiva missão respectiva das Nações Unidas.
situação estrutural, social e económica. da UE, se exceptuarmos as zonas maríti­ Quanto aos recursos existentes nas
Assim, pode concluir­se que as dis­ mas dos territórios ultramarinos da Fran­ plataformas continentais, não parece ha­
posições incluídas no Tratado de Lisboa ça e do Reino Unido.                                  ver dúvidas de que os EM da UE man­
sobre a competência para a gestão dos Relativamente a esta matéria, impor­ têm o seu poder soberano relativamente
recursos biológicos do mar são o coro­ ta ainda abordar o enquadramento dos aos recursos não vivos aí eventualmente
lário de uma política comum, que se foi recursos da plataforma continental, que existentes, que podem incluir petróleo,
consolidando paulatina­                                                                                                gás natural ou hidratos de
mente, segundo a política                                                                                              metano, bem como me­
dos pequenos passos, tão                    “Guerra da lagosta”                                                        tais valiosos (ouro, pra­

característica da UE. De       A “guerra da lagosta” foi um contencioso entre os governos do Brasil e da França, que   ta, cobre, zinco, titânio,
facto, a comunitarização    se desenvolveu entre 1961 e 1963, devido ao facto de embarcações de pesca francesas        cobalto, níquel e man­
dos recursos da pesca foi   terem sido apreendidas, por pescarem lagosta no litoral brasileiro. Na altura, debateu­se  ganês).
originariamente prevista    acaloradamente se a lagosta andava ou nadava. Caso andasse, estaria em território bra­
no Tratado de Roma, em      sileiro, uma vez que o fundo do mar (plataforma continental) pertencia ao Estado Brasi­      Já no que toca aos re­
                            leiro. Caso nadasse, estaria em águas internacionais, pois na altura não existia a figura  cursos vivos da plataforma
1957, e confirmada nos da Zona Económica Exclusiva. Apesar da intensa mobilização naval em ambos os países, continental, a situação é
Tratados de Maastricht      a diplomacia prevaleceu e ficou acertada uma negociação entre a França e o Brasil. Os      bastante menos clara. Os
(1992), de Amesterdão       especialistas franceses defendiam que a lagosta era apanhada quando estava a nadar, ou     recursos biológicos, ex­
(1997) e de Nice (2000).    seja, sem contacto com o solo marinho brasileiro, i.e. com a plataforma continental, po­   ploráveis no leito e subso­
A base jurídica prevista    dendo ser considerado um peixe. Perto do final das negociações, o representante da Ma­     lo marinhos, denominam­
no Tratado de Roma le­      rinha Brasileira (Almirante Paulo Moreira da Silva) tomou a palavra e afirmou que para     se organismos bentónicos,
                            o Brasil aceitar a tese francesa de que a lagosta podia ser considerada um peixe quando
vou ao estabelecimento pula e se afasta do fundo do mar, então ter­se­ia, da mesma maneira, que aceitar que o que é a designação dada
das primeiras medidas em    canguru é uma ave, devido aos saltos que dá. Essa argumentação levou ao encerramento       aos seres que vivem e/ou
1970 e em 1976, vindo a     da questão a favor do Brasil.                                                              se deslocam em contacto

permitir, em 1983, a cria­                                                                                             com o fundo do mar. Além
ção formal da PCP, que viria a ser revista corresponde ao leito e ao subsolo das de algumas algas e plantas aquáticas en­
em 1992 e reformada em 2002. Porém, áreas submarinas adjacentes às costas, raizadas, podem identificar­se, no âmbito
só com o Tratado de Lisboa passou a ha­ nos quais o Estado ribeirinho exerce di­ do reino animal, os organismos de grande
ver uma disposição de direito originário reitos soberanos com vista à exploração e média dimensão (macro e meso­orga­
a afirmar aquilo que apenas constava de e extracção dos recursos naturais (vivos e nismos), por um lado, e os micro­orga­
actos de direito comunitário derivado8 não­vivos) aí existentes. De acordo com nismos, por outro.
(em concreto de regulamentos), embo­ a Convenção das Nações Unidas sobre Quanto aos primeiros, podem identi­
ra em obediência aos tratados: a com­ o Direito do Mar (CNUDM), a platafor­ ficar­se os bivalves (mexilhão, amêijoa,
petência exclusiva da UE para a conser­                                                       conquilha, etc.) e os crustáceos (lagos­
vação dos recursos aquáticos vivos dos                                                        ta, caranguejo, camarão, etc.) [Ver caixa
EM. Assim, esta disposição passou de        “Guerra da palmeta”                               sobre a “guerra da lagosta”]. Admite­se,

um conjunto de regulamentos (actos de       A “guerra da palmeta” foi um diferendo que ainda, que espécies de peixe que vivem
direito derivado) para um tratado (acto opôs, em 1995, o Canadá, por um lado, e Portugal habitualmente assentes sobre o fundo do
de direito originário). No ordenamento e Espanha, por outro. Na base das divergências es­ mar, como a solha, a raia, o linguado ou
jurídico português, tanto o direito origi­  teve o facto de embarcações de pesca portuguesas  a palmeta, também possam ser conside­
nário, como o direito derivado são infra­   e espanholas pescarem palmeta, numa zona que      rados bentónicos, embora este assunto
­constitucionais e supra­legais, o que      os canadianos reclamavam como sendo sua pla­      não seja consensual entre a própria co­
significa que estão abaixo da Constitui­    taforma continental (embora situada para além do  munidade científica [Ver caixa sobre a
ção da República Portuguesa e acima         limite exterior da ZEE).                          “guerra da palmeta”].

12 DEZEMBRO 2010 • REVISTA DA ARMADA
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