Page 16 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (19)

Reorganização do Governo do Brasil

Na Marinha de D. João III (31), tive          – cujas acções mais determinantes conduziram          mandou construir “as estruturas militares
          ocasião de explicar como eram       à expulsão dos franceses de Guanabara e à             necessárias, a igreja dos jesuítas, a Câmara,
          alargados os poderes e os direitos  fundação da cidade do Rio de Janeiro, tal como        a cadeia, a casa da fazenda, os armazéns e

dos donatários das capitanias do Brasil, foi dito na revista anterior. Quer isto dizer que outras instalações, símbolos perenes do
estabelecidos por D. João III, na sequência as sucessivas armadas que foram mobilizadas domínio da Coroa lusa e da Igreja Católica”.
                                                                                                    Entretanto, já no final dos anos sessenta,
da expedição de Martim Afonso de Sousa. para o Brasil, e as operações levadas a cabo
Nem o Infante D. Henrique, ou os seus sob o comando do governador e de Estácio estando no Brasil há mais de dez anos, Mem
                                                                                                    de Sá requereu o fim da sua missão e
sucessores, tiveram os privilégios
                                                                                                    a nomeação de um substituto para o
que o rei entendeu conceder para a
                                                                                                    cargo. D. Sebastião entendeu aceitar
colonização do Brasil, entendendo a
                                                                                                    esse pedido e, a 6 de Fevereiro de
grande importância que o território
                                                                                                    1570, indicou D. Luís Fernandes de
tinha para a manutenção do controlo
                                                                                                    Vasconcelos para Governador da
da Rota do Cabo e as dificuldades
                                                                                                    Província de Santa Cruz (Brasil). Em
que se iriam colocar a todos os níveis:
                                                                                                    Junho saía a armada que transportava,
fossem eles no âmbito do domínio do
                                                                                                    também, um contingente enorme de
territóriooudasoberaniasobreo espaço
                                                                                                    novos colonos e religiosos destinados
marítimo, que era ameaçado, de forma
                                                                                                    às missões e colégios jesuítas. Os navios
crescente, por outras nações europeias.
                                                                                                    partiram a 5 de Junho, desse mesmo
O Brasil – antes mesmo de se tornar
                                                                                                    ano, mas não conseguiram dobrar o
um território rentável, para onde foi
                                                                                                    cabo de S.to Agostinho, apanhados
levada a produção de açúcar e de onde
                                                                                                    (segundo se sabe) por um temporal
se retiravam mercadorias autóctones de
                                                                                                    que os dispersou pelas Antilhas,
grande valor – tinha uma importância
                                                                                                    empurrando-os para norte até aos
estratégica fundamental no domínio do
                                                                                                    Açores. A descrição deste incidente não
Atlântico Sul e, muito especialmente,
                                                                                                    tem sido bem interpretada, e o carácter
sobre a via de acesso à Índia. Se a
                                                                                                    incerto dessa tempestade (possível)
colónia francesa de Guanabara se
                                                                                                    não é muito evidente. A verdade é
desenvolvesse em portos abrigados que
                                                                                                    que os navios em rota para o sul, na
pudessem albergar armadas, ficariam
                                                                                                    altura do verão do hemisfério norte, se
em excelente posição táctica para atacar
                                                                                                    não ganharem barlavento no Golfo da
os navios portugueses que se dirigiam
à América do Sul ou ao Cabo da Boa Fragmento de uma carta de um Atlas de Bartolomeu Velho Guiné (como fez Vasco da Gama em
                                          (ci. 1560), representando a costa do Brasil e onde foram  1497), não conseguem passar para sul e
Esperança. E esta é uma circunstância     realçados alguns pontos de referência importantes         têm de regressar quase à Europa, para
muito importante a ter em conta em
                                                                                                    retomarem a volta do mar.
toda a política para o Brasil levada a cabo por de Sá, foram feitas a expensas régias, apesar
                                                                                                    Vasconcelos perdeu a vida nesta viagem,
D. João III, pelos regentes Dª Catarina e D. de terem lugar no espaço de uma capitania
                                              que pertencia aos descendentes de Martim quando o seu navio foi atacado por corsários
Henrique, bem como pelo rei D. Sebastião.
Quando foi feita a divisão em capitanias, Afonso de Sousa. Entendeu, portanto, a coroa franceses, junto às Canárias, e Mem de Sá
estaremos recordados que, para Martim que a capitania deveria passar a integrar o seu continuou no cargo até ao fim da sua vida,
Afonso de Sousa, ficaram reservadas 100 património directo, uma vez que o anterior em 1572. O episódio da armada que nunca
léguas de costa que acabariam por ser donatário já a tinha perdido para os franceses. chegou à Baía evidencia, contudo, o proble-
divididas em duas porções separadas: As suas condições eram magníficas, como ma fundamental da navegação ao longo da
uma em S. Vicente e outra que abarcava, sabemos, e apenas admira que tenha passado costa do Brasil, e as dificuldades de um go-
precisamente, a região do rio de Janeiro, despercebida a Martim Afonso ou aos seus verno único tutelar todo o território. Especial-
onde, mais tarde, se estabeleceu Villegagnon companheiros, quando por ali passaram mente no que ao controlo do mar diz respeito,
com os seus companheiros. A capitania que nos anos trinta. A Baía é larga, com alguns a situação era particularmente difícil, devido
abarcava a região da Baía de Todos os Santos obstáculos à entrada, mas com capacidade ao regime de correntes e ventos que criavam
ficou entregue a Francisco Pereira Coutinho, para albergar muitos navios. Diz-nos um estas impossibilidades de comunicação entre
que falecera no Brasil sem lá deixar herdeiros jesuítaportuguêsquealiesteveem1580que“a o norte e o sul. Apesar dos inconvenientes da
(Marinha de D. João III (22)), de forma que a cidade está situada em um monte [S. Januário] divisão de poderes, a Província foi dividida
coroa aproveitou a circunstância para a tomar de boa vista para o mar e dentro da barra em duas Bandas, que ficaram com a sua sede,
a seu cargo, indemnizando os herdeiros do tem uma baía que bem parece que a pintou respectivamente, em S. Salvador e no Rio de
donatário falecido. Foi a primeira capitania o supremo pintor e arquitecto do mundo, Janeiro. Não seria uma solução definitiva,
régiadoBrasil,ondeficariasituadooGoverno- Deus Nosso Senhor”. Expressão que mostra como veremos a seu tempo, mas obviava a
geral, cujo primeiro titular foi Tomé de Sousa, a forma como impressionava os visitantes e alguns problemas de navegação e favorecia o
                                              como eram excelentes as condições para o exercício do poder naval.
como vimos a seu tempo.

MemdeSáfoioterceirogovernador–ainda desenvolvimento de uma excelente colónia                        J. Semedo de Matos

nomeado por D. João III, mas com todo o seu de portugueses. Nas palavras do historiador

mandatodecorrendonoperíododasregências Jorge Couto, foi ainda Mem de Sá quem                                                   CFR FZ

16 MAIO 2011 • REVISTA DA ARMADA
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