Page 22 - Revista da Armada
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dispunha de uma poderosa arma, que as- não forem tão sabidas”. Para este pri- Índico. Os documentos dão indicações
sentava no conhecimento profundo dos meiro reconhecimento recomendava o pormenorizadas sobre pessoas e navios,
labirintos do mar, tão complexos como rei que se embarcasse gente de confiança sobre movimentações para o Mar Ver-
são os diferentes acessos ao estreito. E em “navios da terra que para lá forem”. melho, Golfo Pérsico, Malabar e Mala-
para o controlo desses labirintos contava Contudo, os problemas com Castela so- ca, imaginando, talvez, que os inimigos
com a aliança dos “celates”. A lenda es- bre a definição de um limite oriental do dos portugueses eram umas pequenas
pelha pois a realidade de um poder real espaço de jurisdição definido em Tor- almadias com gente armada de setas e
e efectivo, tão complexo e dissimulado desilhas começam a esboçar-se por esta zagaias, semelhantes às que defronta-
quanto eram os jogos políticos entre as altura, sendo seguro que o reino vizinho vam na Guiné. D. Francisco de Almeida
diferentes sociedades do Extremo Oriente. queria incluir nos seus domínios a Penín- não podia cumprir o que lhe era orde-
sula Malaia e a cidade que a controla. De nado nas cartas de Lisboa, sem pôr em
À CONQUISTA DE MALACA forma que o soberano português inten- sérios riscos a posição portuguesa. Não
A cidade tinha uma importân- sifica as suas recomendações quanto ao tinha gente para tanta fortaleza, nem
cia estratégica extra- Extremo Oriente, escrevendo em 1506 navios para tantas missões. Apesar de
tudo, antes da chegada
ordinária, de que os dos rumes ao Índico,
portugueses se foram
apercebendo a pouco e e quando ainda esta-
va a tentar organizar
pouco, com a aprendi- o domínio português,
zagem que fizeram do
Índico, nos primeiros enviou um pequeno
reconhecimento ao
anos da sua presença no Extremo Oriente. Em
Oriente. Suponho que a Agosto de 1506, três
mais antiga referência
que a ela se faz, está no homens embarcaram
disfarçados no navio
manuscrito do Relato de um mouro, chama-
Anónimo da Viagem de
Vasco da Gama (dito do Nine Mercar. Um
deles era filho de Gas-
de Álvaro Velho), num par da Gama, o judeu
capítulo anexo em que convertido que viera
fala de “certos reinos
que estam de Calecut da Índia com Vasco da
Gama e que se tornara
para a banda do sul”. uma fonte privilegiada
De forma errónea ali se
diz que é reino de cris- O Oceano Índico no Atlas Vallard – ci. 1547. Manuscrito da Huntington Library de informações sobre
tãos, o que mostra bem todo o Oriente. A mis-
quais eram os sonhos e desejos dos por- que devem ser enviados navios a Malaca são não era fácil e o principal perigo era
tugueses de então e as dificuldades em e, se possível, que lá vá o próprio vice-rei a denúncia da sua situação ou a própria
obter uma informação correcta sobre o para conquistar a cidade, construir uma desconfiança dos mouros. Na verdade
Mundo Índico. Quando Vasco da Gama fortaleza e deixar uma armada que a de- o navio teve de arribar ao Coromandel
chegou a Lisboa, em 1499, muitas eram fenda e controle. e a missão foi descoberta. Os três por-
as convicções sobre a tugueses tiveram de
fugir e esconder-se até
existência de reinos cris- encontrarem uma via
tãos no Oriente, e mui-
tos desses reinos eram, que os trouxe de re-
de facto, muçulmanos, gresso a Cochim, onde
chegaram em Novem-
como acontecia com bro desse mesmo ano.
Malaca. Mas a apren-
dizagem foi-se fazendo Gorara-se a primeira
tentativa para alcançar
nas viagens seguintes Malaca, crescendo a
e, em 1505, quando
D. Francisco de Almeida impaciência do rei e o
foi nomeado o primei- desespero de D. Fran-
cisco.
ro vice-rei da Índia, já Em 1508 D. Manuel
não existiam grandes
equívocos quanto aos decide enviar, a partir
de Lisboa, uma arma-
pontos principais e da de quatro naus para
dominantes do espaço
marítimo e comercial demandar a Península
do Índico. No Regimen- Malaia, seguindo direc-
tamente do Cabo da Boa
to que, nessa altura, Oceano Índico – Assinalados os pontos mais relevantes para a estratégia portu- Esperança para Oriente,
D. Manuel lhe entre- guesa quinhentista.
gou, lá está uma referência à cidade do A sucessão de cartas que complemen- passando por fora da Ilha de Madagás-
estreito: “vos lembramos que sempre te- tam o Regimento de 1505 mostram bem car, em direcção à ponta norte de Sa-
nhais grande cuidado de mandar alguns a impaciência do rei que pretende dar matra e ao estreito. A expedição zarpou
homens a descobrir assim como a Malaca ordens à distância, sem entender muito do Tejo a 5 de Abril, sob o comando de
e a quaisquer outras partidas que ainda bem e atempadamente o que se passa no Diogo Lopes de Sequeira, mas a viagem
22 AGOSTO 2011 • REVISTA DA ARMADA