Page 23 - Revista da Armada
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foi muito difícil, com grandes atrasos que acordo para montar a feitoria. Foi mes- cidade pelas tropas do Hidalcão, a reti-
fizeram perder a monção e obrigaram a mo nomeado um feitor e organizado o rarem para a cidadela e para os navios,
arribar a Cochim em Abril de 1509. Se- grupo que deveria ficar em Malaca, mas numa altura em que a monção não per-
queira podia ter seguido logo em Maio levantou-se uma conspiração que foi des- mitia a largada para o mar. Albuquerque
para o Oriente, no período habitualmen- coberta a tempo por denúncia. Salvou- teve a visão estratégica da importância
te designado por monção pequena, mas -se a armada, que levantou ferro e saiu de Goa, conseguindo perceber que ela
os navios precisavam de reparações e do porto, mas ficou em terra Rui Araújo substituiria com vantagens a base que
reabastecimento, de forma que adiou a – o feitor nomeado – e mais uns quantos D. Manuel mandara construir em Ange-
expedição até à chamada monção gran- portugueses. Temerosos de uma reacção diva, em 1505. Também expliquei que
de, largando no final de Agosto. Gaspar com a artilharia, os mouros tentaram con- esta retirada culminava um conjunto de
Correia diz-nos que o rei de Cochim lhe tinuar as negociações envenenadas, mas o operações mal sucedidas, e que o regres-
forneceu pilotos para a viagem e a infor- capitão não voltou ao fundeadouro e, em so a Goa se tornara decisivo para o futuro
mação é bastante credível, parecendo-me Janeiro de 1510 largou a caminho da Índia do Grande Capitão, compreendendo-se
essa terá sido outras das
dificuldades do capitão. as razões porque coloca-
O caminho era difícil e ra nessa operação um es-
exigia um conhecimento pecial empenho. Quando
adequado dos perigos a saiu de Goa, em Agosto
vencer. Gaspar da Gama, de 1510, encontrou ao
numa carta que escreveu largo uma armada por-
ao rei, em Novembro de tuguesa, comandada
1506, dizia claramente por Diogo Mendes de
que uma das dificuldades Vasconcellos, acabada
para ir a Malaca era a fal- de chegar de Lisboa com
ta de pilotos credenciados instruções para se dirigir
para a viagem. a Malaca. Não creio que
Lopes de Sequeira al- o rei D. Manuel tivesse
cançou Malaca em Setem- uma noção exacta da im-
bro de 1509 e estabeleceu portância desta cidade
os contactos necessários no contexto do comér-
com o respectivo sultão, cio oriental, mas sentia a
para montar a sua feitoria pressão de Castela que se
e deixar uma represen- preparava para o assalto
tação nacional. A cidade ao Oriente. Mais do que
tinha uma organização uma ideia precisa sobre
política adaptada ao co- o que se passava no Ín-
mércio, com as comunida- dico, o rei português via
des residentes agrupadas o vizinho “a tentar entrar
segundo etnias e cumpli- no seu quintal”, e fazia
cidades religiosas. Os Gu- todos os esforços para
zerates tinham privilégios chegar a Malaca antes
especiais, por serem mu- Nau Flor de la Mar. que qualquer sucesso
espanhol inviabilizasse o
çulmanos, mas havia um representante sem ter alcançado o principal objectivo domínio português naquelas paragens.
tâmil, outro do arquipélago e um chinês. para que fora preparada. Ainda não che- Albuquerque fez com Diogo Mendes o
Com a chegada de Sequeira os guzerates gara o momento de Malaca portuguesa que os soberanos orientais faziam com
imediatamente se aperceberam de quem mas nem tudo correu mal na expedição os seus inimigos: atrasou-o com conver-
eram os navios que ali estavam, e não de Sequeira. Se, por um lado ficou clara sas e preparativos até que fosse tarde
perderam um minuto para conspirarem a posição do sultão e das comunidades para partir para o Extremo Oriente, na
e obterem a anuência real para impedir o javanesa e guzerate, também se percebeu monção grande de Setembro. Assim,
estabelecimento. A reacção do sultão foi que os chineses aceitavam a presença por- conseguiu que ficasse para reforçar a
aquela que sempre tinham os soberanos tuguesa sem problemas, e a comunidade nova ofensiva sobre Goa, onde obteve o
do Oriente, quando recebiam alguém que tâmil via-a com a perspectiva de ganhar sucesso que se conhece.
não consideravam bem-vindo: prome- um protagonismo que nunca seria possí- Nesse ano, Vasconcellos teria de inver-
tiam paz e amizade, mas protelavam as vel nas circunstâncias do momento. Foi nar na Índia mas, na monção de Abril, era
conversações de forma infinda; os incau- Nina Chatu, o chefe dessa comunidade, inevitável que fosse cumprir as ordens
tos que se deixavam enredar nestes cantos que protegeu os portugueses cativos e fez reais, tanto mais que já era conhecido o
de sereia acabariam por ficar presos na chegar a Afonso de Albuquerque as in- insucesso de Diogo Lopes de Sequeira.
armadilha das monções. Passada a épo- formações necessárias para a intervenção E, ao aproximar-se a época, cresceu a
ca favorável, ficavam impedidos de sair definitiva que veio a realizar-se no ano ansiedade e a tensão com o governador
dos portos pelo mau tempo ou por ventos seguinte. da Índia que o instava a acompanhá-lo
ao Mar Vermelho. Dividido entre o cum-
adversos, prisioneiros num cárcere mete- A HORA DE ALBUQUERQUE primento das ordens do rei e o que lhe
orológico, sem abastecimento e à mercê mandava Afonso de Albuquerque, resol-
de todas as circunstâncias. Foi isso que foi Quando aqui falei da conquista de veu embarcar a coberto da noite e tentar
preparado para os homens de Lopes de Goa, em 1510 (RA, nº443), referi a situa- sair em segredo, mas foi traído pelas con-
Sequeira que, apesar de tudo, consegui- ção criada na sequência da primeira con- dições de tempo e ficou encalmado na
ram entabular conversações e fazer um quista, com os portugueses acossados na
23REVISTA DA ARMADA • AGOSTO 2011