Page 20 - Revista da Armada
P. 20
HIERARQUIA DA MARINHA 8
CAPITÃO-TENENTE
Existe alguma controvérsia relativa- Embora a tese anterior pareça razo- 2º - A bordo dos navios portugueses a de-
mente à origem do posto de capi- ável, tem uma grande fragilidade, re- signação de capitão era reservada para o co-
tão-tenente. Defendo a tese de que sultante dos postos de tenente do mar mandante, que dispunha de amplos pode-
esta designação surgiu ligada às funções (depois designado primeiro-tenente) e res técnicos, comerciais, jurídicos e militares;
de substituto do comandante, isto é, de de segundo-tenente só terem sido cria-
imediato do navio. Porém, há outra tese dos em 1762, por decretos, respectiva- 3º - A partir do Regimento do Capitão de
que considera o posto de capitão-tenente mente, de 30 de Julho e de 5 de Abril. Mar e Guerra e mais oficiais das Fragatas da
resultante da agregação das funções dos Até aí não havia o posto de tenente a Coroa, de 31 de Março de 1722, e do Re-
oficiais que desempenhavam cargos náu- bordo dos navios portugueses. Como se gimento antes referido, datado de 24 de
ticos a bordo, com as funções dos capitães refere adiante, tal posto apenas surgiu Março de 1736, sabe-se que os capitães-de-
de infantaria embarcados para combater no quadro das reformas do Marquês de -mar-e-guerra, comandantes dos navios
no mar ou em terra. Pombal, que começaram a integrar os de alto bordo, tinham como adjuntos os
oficiais náuticos, em especial, os pilotos capitães-tenentes;
A segunda tese é sustentada por argu- e mestres, numa estrutura hierárquica
mentos desenvolvidos com base em An- de postos militares, que passou a regu- 4º - O Decreto de 5 de Abril de 1762,
tónio do Couto (Memórias Militares, p. 240), lar os diferentes níveis de autoridade na que criou o posto de segundo-tenente
quando este afirma que, no século XVII, Marinha e que, em 1768 foi equiparada da Armada, refere que: «o posto de se-
«… o serviço do mar se faz com a infanta- à do Exército. gundo-tenente da Armada corresponde
ria, especialmente entre os Portugueses». a tenente de Infantaria, não havendo até
Acrescenta que os capitães de infantaria Nestas circunstâncias, sustento a minha então na Armada inferior ao de Capitão
deveriam «frequentar uma Aula Náutica preferência pela tese da origem do posto de Mar e Guerra, posto algum além do de
quando estivessem em terra e andando em- de capitão-tenente ligada ao imediato do capitão-tenente».
barcados tomarão o sol, farão a sua derrota, navio, nos seguintes factos:
e o seu assunto para o que se instruirão com São estes factos que tornam mais plau-
os pilotos», tal como especifica o Regimento 1º - A palavra tenens (ou tenente) foi sível admitir que o posto de capitão-tenen-
dos Capitães de Mar e Guerra em Segundo nas usada em Portugal até ao fim do século te tenha surgido para identificar aquele
Naus de Estado, e dos Capitães de Infantaria com XIII para designar o rico-homem que exer- que, a bordo, está imediatamente subordi-
exercício de Capitães Tenentes, e dos Tenentes e cia a magistratura superior, por delegação nado ao capitão-de-mar-e-guerra e que o
Alferez que embarcassem nas mesmas, de 24 de régia, nas divisões territoriais do país. Dito coadjuva e, na sua ausência, impedimento
Março de 1736, (Códice n.º 185 da Colecção de outra forma, a palavra tenente era usa- ou falta, o representa ou substitui.
Pombalina, Biblioteca Nacional, reservados). da para denominar o substituto ou repre-
sentante do titular da autoridade; António Silva Ribeiro
CALM
VIGIA DA HISTÓRIA 35
CARREIRA DA ÍNDIA
Já em ocasião anterior aqui se referiu tar senão quem o passa; e assim como os e saudades do que neste mundo deixa e
que os jesuítas que seguiam embar- homens que, pela primeira vez se viram no outro se espera como os que se vêm
cados para a Índia tinham, por obri- na hora da morte, lhes parece que nunca nesta Carreira, vendo muitos mortos e
gação, mandar notícias acerca do sucedi- ouviram falar, assim quem se viu na- lançados ao mar. E todos os outros com
do na viagem. queles golfões não lhe lembrava coisa quem fica e entre os quais anda, vê-los
que lhe tivessem dito da verdade e ter- a todos para morrer de fome, de sede,
É sabido que uma viagem para a Ín- ror presentes ... nem menos a angústia e de doenças gravíssimas; e de perigos do
dia representava, na maior parte dos agonia em que se vêm os passageiros ... mar inumeraveis, de baixos, de pene-
casos, um extremo sacrifício que, não nunca podemos vivamente representar dos, de costas, de encontro com naus“.
raro, levava à morte. connosco mesmos quanto mais pintar, O autor, mais adiante, refere que quem
sem errar muito, a quem está em Lisboa. embarca tem a noção da aventura acres-
A carta escrita, pelo padre Gonçalo da Nunca se viram suores de morte como centando:
Silveira, de Cochim em Janeiro de 1557, se suam na costa da Guiné; nunca se vi-
após ter concluido a viagem, descreve a ram membros frios como os que cortam “... e por tão averiguado têm os pilotos
experiência vivida. os ventos do Cabo da Boa Esperança; ser seu remédio o perigo desta viagem
nunca se viram desmaios mortais como que todos têm por aforismo que as naus
Escreve ele ( grafia actualizada ): os que se passam nos balanços que as de Portugal para a Índia e da Índia para
“Deixando a recordação da navega- naus fazem neste Cabo; nunca se viram Portugal, Deus as leva e Deus as traz“.
ção que fizemos desse para este outro dar golpes na vida como as machadadas
mundo, porque assim como a morte não que dão os mares neste Cabo; nunca se Com. E.Gomes
a pinta senão quem morre, nem se pode viu morrer homem cercado de temores
ver pintada senão quem está morrendo, Fonte:
assim o que passam os que navegam de Documente Indica
Portugal para a Índia não no pode con-
20 AGOSTO 2011 • REVISTA DA ARMADA