Page 18 - Revista da Armada
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A Moeda única e o Federalismo europeu,
      uma perspectiva de cidadania

INTRODUÇÃO                                        ra (1950), virado para o combate à propaganda    nem com os défices de liderança e de desígnios
                                                  e penetração soviética, e dos Encontros Inter-   e interesses comuns, e muito menos com a ins-
Os europeus habituaram-se ao domínio              nacionais de Genebra (início da década de 60).   trumentalização europeia que, cada vez mais,
         do mundo durante cerca de quatro sé-                                                      se nota na estratégia alemã, aproveitando-se
         culos, com inequívocos sucessos e al-      Nesses conclaves foi notório um propósito      da letárgica incapacidade da UE, a caminho
guns ressentimentos a prejuízo de inventário.     comum: repensar a Europa, com activa cons-       da subalternização no mundo do século XXI.
Adecadência terá começado um século atrás,        ciência de pertença europeia e dois desígnios
embora a percepção mais nítida desse proces-      em mente: realização da paz entre as nações e    A UEM E O EURO
so esteja associada ao fim do euromundismo,       pôr fim às veleidades totalitárias. Neste movi-
conotado com o desenlace desfavorável para o      mento incluem-se os pais fundadores da Eu-       a) A criação da UEM;
par franco-britânico na crise do Suez, em 1952.   ropa e os inspiradores dos Tratados europeus.      Os primeiros passos para a criação da moe­

  Aguerra fria ainda permitiu disfarçar o de-       O processo de integração europeia foi, sim-    da única foram dados em 1978 (proposta de
clínio porque a Europa ganhou centralidade        bolicamente, iniciado a 09MAI1950 (dia que       Giscard d’Estaing e Helmut Schmidt para a
estratégica ao tornar-se o palco da confron-      viria a ser escolhido, em 1995, para Dia da Eu-  criação de uma zona europeia de estabilida-
tação dos dois blocos e ao ter os EUA como o      ropa). Nesse dia, Robert Schuman, mediante       de monetária) concretizados no ano seguinte,
seu grande aliado e fornecedor da segurança.      acordo prévio com o chanceler alemão Kon-        com a implementação do Sistema Monetário
                                                  rad Adenauer (1876-1967), fazia a conhecida      Europeu (SME), assente em três pressupostos:
  Os três marcos do fim da era dos pactos mi-     e histórica Declaração, inspirada na visão eu-   uma moeda-cabaz (ECU); um mecanismo de
litares – a queda do Muro de Berlim; o colapso    ropeia de Jean Monnet, propondo a tutela de      taxas de câmbio assente no ECU; e um conjun-
da URSS; e a reunificação alemã – influencia-     uma autoridade supranacional, com poderes
ram a evolução recente da Europa,                 vinculativos, para a produção e comercializa-             to de apoios destinados à solidarieda-
a atravessar, hoje, uma época muito               ção do carvão e do aço.Assim nascia a Comu-               de financeira.
difícil, enredada na necessidade de               nidade Europeia do Carvão e doAço (CECA),
respostas credíveis para a crise das              pelo Tratado de Paris (18ABR1951), e seis anos               Em 1989, coube a Jacques Delors
dívidas soberanas, colocando em sé-               depois, pelo Tratado de Roma (25MAR1957), a               apresentar um plano a dez anos, que
rio risco o próprio euro, e, no limite,           Comunidade Económica Europeia (CEE) e a                   conduzisse à almejada UEM, que vi-
a desconstrução do próprio projecto               Comunidade Europeia da Energia Atómica                    ria, posteriormente, a ficar consagra-
europeu.                                          (Euratom).                                                da no Tratado de Maastricht.

  Mais do que as instituições comu-                 Decorridas seis décadas, o mundo mudou                     Os necessários critérios de conver-
nitárias, Paris e Berlim têm tentado              e a Europa também. O pós-11SET01, as guer-                gência económica, que estão na base
resolver os problemas da Zona Euro                ras do Afeganistão e do Iraque, a crise do sub-           da criação da UEM, mais conhecida
(ZE), até agora com pouco sucesso                 prime americana, a “Primavera Árabe”, a crise             como Zona Euro (ZE), só foram es-
e a reboque dos acontecimentos, de                financeira europeia, a emergência fulgurante              tabelecidos em 1998, assim como fi-
forma insuficiente e ineficaz, numa               da China, o recuo do Ocidente, o avanço dos               xadas as taxas de conversão entre as
clara atitude de desprezo pelos trata-            BRIC´s e a economia “desligada”, ou melhor,               moedas dos países aderentes.
dos, caso do Tratado de Lisboa (TL),              dominante da política, são alguns dos acon-
e chocante secundarização da Comis-               tecimentos que alteraram o xadrez geopolí-                   O euro, embora formalmente ins-
são, do Conselho e do Eurogrupo.                  tico mundial.                                             tituído em 01JAN1999, só começou
                                                                                                            a circular três anos mais tarde, fican-
  Chegará aquela intervenção “directorial”          Entretanto, a UE e os seus E-M´s não con-      do entregue ao Banco Central Europeu (BCE)
e as medidas até agora implementadas para         seguiram corrigir aquele que foi o seu olhar     a função reguladora da política monetária da
manter vivo e sem fissuras, o projecto euro-      distorcido e erróneo sobre as realidades de um   moeda única.
peu? Que desenlace para o reacendimento do        mundo em permanente mudança. Esse tempo            Presentemente, a ZE é composta por 17
velho e irresolúvel conflito entre Estado e Fe-   de ilusão está a chegar ao fim.                  E-M´s, perfilando-se mais candidatos à ade-
deralismo? Será esta solução federalista exe-                                                      são, com calendário já fixado. Dela se excluí-
quível a prazo curto e em tempo útil para a         Ultrapassar esta conjuntura desfavorável só    ram a Dinamarca, o RU e a Suécia, enquanto
resolução da crise, em face das realidades dos    será possível com uma ampla visão estratégi-     existem outros Estados que optaram pelo uso
E-M´s, com as suas profundas diferenças, dis-     ca, que não se compadece com o curto prazo,      do euro por mero acordo, uns porque nunca
tintas necessidades e interesses, quando não                                                       dispuseram de moeda própria (Mónaco, São
contraditórios e conflituantes?                                                                    Marino e o próprio Vaticano), ainda outros sem
                                                                                                   acordo formal (Andorra, Kosovo, Liechtens-
  Muito longe de respostas definitivas, apre-                                                      tein e Montenegro) e a Islândia, sem qualquer
sentaremos, de seguida, aquilo que é uma                                                           vinculação à UE.
perspectiva de cidadania, isto é, uma visão in-                                                      Todas as fragilidades congénitas, diagnos-
terpretativa, através de um olhar não-especia-                                                     ticadas logo à nascença do euro, vieram ago-
lista, mas interessado, do momento que julga-                                                      ra à memória com a crise da dívida soberana,
mos crítico para o projecto europeu.                                                               devido, essencialmente, à circunstância de es-
                                                                                                   tas dívidas serem decididas e retidas na esfe-
O PROJECTO EUROPEU                                                                                 ra nacional, mas contraídas em moeda, diga-
                                                                                                   -se que a nível “externo”, o euro, com taxas
  Finda a II GM, surgiu um amplo movimen-                                                          (de juro e de câmbio) únicas. Este dualismo
to de reflexão sobre a Europa, o espírito euro-                                                    veio complicar imenso a gestão das finanças
peu, a construção europeia, o humanismo, a                                                         públicas de alguns E-M´s, entretanto caídos
violência, a guerra, a cultura, o progresso téc-                                                   na tentação do sobre-endividamento e, agora,
nico e científico e o progresso moral, com di-                                                     desapossados dos anteriores mecanismos de
versos conclaves a marcarem a agenda política,                                                     autonomia monetária e cambial, onde se inclui
como o Congresso para a Liberdade da Cultu-
18 ABRIL 2012 • REVISTA DA ARMADA
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