Page 19 - Revista da Armada
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a desvalorização da moeda, tida por expedien-             ruína, o que confere uma natureza essencial-       da inflação, credo que está impresso na géne-
te tradicional para correcção de desequilíbrios           mente política ao problema.                        se do próprio BCE.
estruturais e de recuperação da competitivida-
de das suas exportações. Essa propensão para                AAlemanha, com a França a reboque, tem             Aconfirmar-se essa opção ortodoxa, então o
o endividamento deu azo a que, por sua vez,               imposto as decisões indispensáveis para sus-       efeito inicialmente visado com o euro (expecta-
os mercados financeiros dispusessem de um                 ter a crise das “dívidas soberanas”, tanto aos     tiva de uma europeização daAlemanha), está
extraordinário meio de pressão sobre os deve-             seus parceiros no CE, como às instituições fi-     a transformar-se numa dinâmica de ressurgi-
dores economicamente mais frágeis, lucrando               nanceiras europeias, através de mecanismos         mento alemão (tendendo para a germanização
com operações especulativas sobre a dívida,               de apoio financeiro, insuficientes na opinião de   da Europa). Estará a Europa preparada para se
como reflexo, não tanto do receio dos investi-            muitos especialistas. Entre eles destacam-se o     habituar e adaptar a este diferente cenário? Aos
dores perante essa mesma dívida, mas, acima               MEEF (Mecanismo Europeu de Estabilização           europeus a resposta, com a rapidez proporcio-
de tudo, das expectativas de insuficiente cres-           Financeira), estabelecido pelo Regulamento n.º     nal à premência da resolução da actual crise, o
cimento das respectivas economias.                        407/2010, com 60 mil milhões de euros e que        que obriga os líderes a decidirem o que fazer,
                                                          já socorreu a Irlanda, prevendo-se que possa       a dois tempos: imediato e a prazo.
  Recorda-se aqui a advertência de Nigel La-              suceder ao outro mecanismo de apoio, o FEEF
wson, ministro das Finanças do governo da                 (Fundo Europeu de Estabilização Financeira),       c) A integração económica.
Senhora Thatcher, na altura alvo de forte críti-          uma sociedade anónima de direito luxembur-           O fim das ilusões chegou a alguns países eu-
ca e até insulto, por ocasião do lançamento do            guês instituída pelos E-M´s, à margem do TL,
euro, e cito: “o projecto vai falhar, salvo se for acom-  com um encaixe de 440 mil milhões de euros         ropeus, como Portugal, pela mão do aumento
panhado por uma união fiscal. Só que, em democra-         que se tenta reforçar até 1 bilião, que os seus    insustentável do défice e da dívida, do fim do
cia, uma tal união fiscal exige uma união política”.      membros ainda terão de descobrir, depois           financiamento e da economia anémica, quan-
                                                          da escusa de apoio dos BRIC´s no G-20 de           do não recessiva, interditando o prossegui-
  De facto, a arquitectura da UEM, em 1992,               NOV11. Sublinhe-se que este fundo de resga-        mento de um caminho que desembocou na
trazia consigo uma promessa de unidade po-                te (FEEF), deve a sua existência ao facto de o     penúria e já comprometeu, com o gigantesco
lítica, que nunca foi honrada, pelo que a crise           BCE não ser, como qualquer banco central, um       endividamento, as gerações futuras. Ao con-
das dívidas soberanas apenas se limitou a re-             emprestador de último recurso.                     trário do Sul, o Norte europeu compreendeu
velar, de forma contundente, as maleitas es-                                                                 isso a tempo e tratou de proceder a reformas
truturais da moeda única, cuja cisão                        O alcance negativo desta “disfunção” ex-
é prognosticada por alguns especialis-                    plica-se facilmente: se os investidores decidi-             nos anos 90, ajustando-se a uma nova
tas para dentro de um ano1.                               rem a venda acelerada dos títulos da dívida                 realidade de maior exigência. O Sul
                                                          (grega, mas depois, em pânico, as outras), este             preferiu acreditar e viver nas tais ilu-
  Ainda que um tal colapso nos pos-                       movimento, se não for travado (pelo BCE,                    sões de vida fácil.
sa parecer um desfecho improvável,                        pondo de lado os seus dogmas e objecções),
isso não nos deve impedir de tomar                        levará à destruição da ZE, porque o declínio                   A curto prazo, teremos de salvar
consciência dos desafios que impen-                       nos preços destes títulos soberanos provoca-                o euro, tornando-se necessário uni-
dem hoje sobre a UEM. Sublinhe-                           rá perdas para os bancos e o risco grande de                ficar a dívida, para ficar ao abrigo
-se que uma das principais razões                         uma crise bancária em larga escala. Daí ad-                 dos mercados financeiros, não bas-
económicas para a sua criação teve                        mitir que a salvação da ZE do colapso esteja                tando, segundo os especialistas, títu-
a ver com o reforço dos padrões de                        associada ao aumento de competências do                     los europeus mais seguros (como as
comércio dentro da Europa, os quais                       BCE, o qual, ao ficar tolhido na perspectiva                eurobonds), sendo recomendado um
estão em processo acelerado de mu-                        de tentar manter intacta a sua virgindade mo-               orçamento europeu mais substan-
dança inimaginável há uma década                          netária, acaba por ameaçar a destruição da ZE               cial em eurorecursos. Caso contrário,
atrás. Tome-se apenas este exemplo:                       e, a acontecer, quem iria tirar o prazer dessa              arrisca-se a implosão do euro e com
a Alemanha exporta, agora, mais                           virgindade? Ninguém.                                        ela, muito plausivelmente, o fim do
para o conjunto dos BRIC´s do que                                                                                     sonho europeu, desmoronamento
para França e no final do corrente ano prevê-               Se as premissas não estão erradas, então a                que, a acontecer, provocaria enormes
-se que só a China suplante o seu parceiro do             conclusão sai escorreita: o euro só se salvará se  estragos na economia mundial.
eixo, evolução que pode representar um sério              o BCE se comportar como a Reserva Federal            Num prazo mais longo, é preciso fomentar
e adicional desafio para a consistência da ZE,            ou o Banco de Inglaterra, corroborando o ób-       o crescimento económico com a inerente cria-
sem prenunciar nada de favorável à preserva-              vio, isto é, se a UE é uma união monetária, en-    ção de empregos, e aqui, coloca-se a questão
ção da harmonia do tandem directorial.                    tão terá de se comportar com tal. Ao que tudo      da exequibilidade e modus faciendi. Não será
b) A crise actual do euro;                                indica, a ZE prepara-se, ao invés, para seguir     fácil, porque estamos num ciclo prolongado
                                                          a ortodoxia do modelo alemão, onde impera          de crescimento lento e a dependência da aju-
  Acrise da ZE agudizou-se no final de 2009,              o culto da estabilidade monetária, com base        da externa ao investimento arrasta sempre
com o desastre grego e, em plena crise finan-             na contenção da despesa pública e controlo         dependências.
ceira, depois do estoiro do Lehman Brothers, e                                                                 Na linha da governação económica comum,
quando os investidores decidiram, finalmente,                                                                vai fazendo o seu caminho a ideia da necessi-
olhar para o risco de outra forma.                                                                           dade de um governo para a ZE, que, nas actu-
                                                                                                             ais circunstâncias, só poderá consistir dos res-
  Ao longo de dois anos, os líderes europeus                                                                 pectivos chefes de Estado e de Governo, aliás
foram adiando a solução de um problema                                                                       já informalmente em prática, advogando-se,
cujas proporções se tornaram demasiado pe-                                                                   como primeiro passo, a institucionalização da
rigosas e, entretanto, o colete-de-forças foi-se                                                             união fiscal, através de um orçamento e res-
apertando, com políticas económicas de aus-                                                                  ponsabilidades comuns.
teridade impostas aos “periféricos”, que não                                                                   Não obstante o nível de integração económi-
garantem o cumprimento dos compromissos                                                                      ca e monetária já atingido na ZE, creio que a
e dificultam a emissão de a impossibilidade                                                                  maioria dos E-M´s só dificilmente abdicarão de
de emitir dívida de longo prazo para pagar as                                                                manter a autonomia das políticas económicas
dívidas vencidas ou a vencer no curto prazo.                                                                 nacionais (orçamentais, de emprego, de Segu-
                                                                                                             rança Social e de impostos), tidas por base de
  Face a estes constrangimentos, a Europa, no                                                                sustentação dos respectivos sistemas de repre-
seu todo, foi descansar com uma dimensão                                                                     sentação política.Acresce que a política comu-
económico-financeira da crise, para acordar                                                                  nitária pode, ela própria, especialmente se não
com o sentimento de estar a caminhar para a
                                                                                                                         REVISTA DA ARMADA • ABRIL 2012 19
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