Page 15 - Revista da Armada
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A MARINHA NO FINAL DA DINASTIA DE AVIS (3)

D. LUÍS DE ATAÍDE DE NOVO NA ÍNDIA

Os acontecimentos que marcaram o fi-           do trauma de Alcácer Quibir e com a mágoa       de forma imprópria por me parecer que tinha
         nal do reinado de D. Sebastião foram  de uma nação humilhada num desvario trági-      funções mais alargadas). Nunca houve ali ne-
         demasiado intensos para permitirem    co, mas são óbvias as razões e a forma como     nhuma fortificação portuguesa, mas, a espa-
uma visão clara sobre o que, entretanto, foi foi feita esta nomeação para o governo da Índia.  ços, houve representações nacionais com a
ocorrendo no resto do Império. A historiogra- Apesar de uma partida precoce, não conse-        presença de um feitor, sendo frequente que ar-
fia é parca sobre o que foi sucedendo pelo guiu chegar a Goa antes do final de Agosto de       ribassem ao porto navios nacionais procuran-
Oriente, por África ou pelo Brasil esquecen- 1578. Diziam os marinheiros daquele tempo         do abrigo e refresco. Numa dessas arribadas
do-se do que foi sucedendo no mar com os que a viagem à Índia era “em Fevereiro verde,         o tanadar convidou os portugueses para um
navios portugueses. Contudo – é bom que se em Maio caduca e nos outros meses temerá-           banquete mas preparou-lhes uma emboscada
diga – as armadas continuaram a partir para a ria”. Temerária, sobretudo, porque era prová-    que resultou em muitas baixas e na quase per-
Índia, todos os anos, reduzindo apenas a sua vel um longo período de espera em Moçambi-        da dos navios. As represálias foram tomadas,
dimensão em 1578, por causa da expedição. que sujeitando os homens à malária e a outras        com uma armada comandada por D. Pedro
Em 1577, D. Sebastião decidiu enviar, de doenças fatais. Mas a boa fortuna estava do           de Meneses, que deveria invernar em Chaul e
novo, para Goa o conde de Atouguia, D. Luís lado do conde de Atouguia e tudo correu da         desenvolver acções de corso junto à costa e à
de Ataíde, que fora vice-rei entre 1568 e 1571. melhor forma. Lourenço de Távora não che-      saída da barra de Dabul, procurando afrontar
A repetição de um mandato por quem já exer- gou a aperceber-se da afronta régia, porque        todo o comércio e movimento marítimo rela-
cera o cargo anteriormente era uma decisão morreu antes de receber esta notícia, e a vinda     cionado com o Idalcão. D. Luís conhecia bem
inédita, cujas razões não decor-
riam de nenhuma necessidade                                                                                      este conflito (Marinha de D.
especial. O rei pretendia ape-                                                                                   Sebastião (27)) e ordenou
nas exilar o conde para longe                                                                                    que continuasse a missão
dos seus projectos pessoais, e                                                                                   de D. Pedro de Meneses,
não podia fazê-lo com a humi-                                                                                    reforçando as capacidades
lhação que impusera a muitos                                                                                     navais com outra armada
outros que o tentaram demo-                                                                                      que mandou aprontar ain-
ver da campanha africana.                                                                                        da no ano de 1578. Simul-
D. Luís personificava a imagem                                                                                   taneamente promoveu a
da coragem e do valor, larga-                                                                                    defesa de Goa, porque as
mente difundida e homenage-                                                                                      ribeiras eram permeáveis
ada, aquando do seu regresso                                                                                     aos ataques por terra, como
ao reino. Provavelmente já es-                                                                                   já tinha acontecido no seu
tava escrita e era conhecida de                                                                                  primeiro mandato. E, de
D. Sebastião a História da Índia                                                                                 facto, conseguiu forçar um
no tempo em que a governou                                                                                       acordo de paz muito favo-
o visorei Dom Luís de Ataíde,                                                                                    rável aos portugueses, com
onde António Pinto Pereira re-                                                                                   a promessa de que o tana-
latava de forma minuciosa e                                                                                      dar seria afastado e que o
empolgada os feitos de armas      Tábua de Dabul.                                                                acesso aos navios nacionais
e a sensatez desse capitão, so-   D. João de Castro.                                                             poderia restabelecer-se.

bre quem nunca poderia recair a suspeita de de D. Luís foi encarada com regozijo porque                            Enquanto decorriam estes
tibieza ou indecisão. O rei chegou a pensar todos conheciam a forma como exercera o            preparativos da guerra com o Idalcão e da ar-
nele para comandar a expedição a África, mas cargo alguns anos antes. As notícias que leva-    mada de Dabul, saíam de Lisboa duas cara-
deparara-se com as recomendações de reca- va é que não eram as melhores, sendo certo           velas que levavam as notícias sobre Alcácer
to e avisada reserva que não queria ouvir de que incentivou especialmente os fidalgos por-     Quibir: uma para Goa, comandada por D. Es-
ninguém. Não tendo margem para o acusar, tugueses a que regressassem a Lisboa, porque          têvão de Meneses Baroche; e outra para Mala-
preferiu afastá-lo.                            previa grandes cuidados com uma guerra em       ca, com João de Melo. Novidades terríveis que
Conta-nos Manuel Faria e Sousa, na sua África que reputava de perigosa. Mal sabia ele          não surpreenderiam o vice-rei, consciente de
Ásia Portuguesa, que “era tal a pressa do rei que a tragédia se consumara antes do seu na-     que geravam uma fragilidade política passível
em libertar-se dos preceitos prudentes daquele vio alcançar a barra de Pangim.                 de ser aproveitada pelos seus inimigos. E foi o
velho excelente e heróico”, que se esquivou Conhecendo bem a Índia e todos os seus             que veio a acontecer entre 1580 e 81, sendo
de cumprir com importantes deveres e proce- problemas, preparou de imediato uma ar-            necessário lançar nova campanha naval con-
dimentos próprios da rendição de um vice-rei mada para andar no norte, entre Goa e Diu,        tra Dabul, de que viria a ser encarregado Pau-
da Índia: não lhe deu armada condizente com mas deu especial atenção aos aconteci-             lo Lima Pereira: um fidalgo que foi mancebo
a honraria; mandou que seguisse em Novem- mentos que se vinham a desenrolar em Da-             para a Índia e ali permaneceu muitos anos, de
bro, completamente fora de tempo e com pe- bul, que vinham do tempo do governador              quem voltarei a falar numa próxima Revista.
rigos acrescidos na viagem; e desdenhou ain- D. Diogo de Meneses. A cidade ficava na bar-
da a desonra que provocaria no então vice-rei, ra de um rio que dava algum abrigo e era con-                                   J. Semedo de Matos
Rui Lourenço de Távora, que seria substituído trolada pelo Idalcão, soberano de Bijampur,                                                   CFR FZ
extemporaneamente. Faria e Sousa escreve al- através de um seu subordinado que os por-
guns anos depois dos factos, ainda sob o peso tugueses consideravam como tanadar (talvez       N.R.
                                                                                               O autor não adota o novo acordo ortográfico.

                                                                                                      REVISTA DA ARMADA • ABRIL 2013 15
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