Page 10 - Revista da Armada
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CEM ANOS DE SUBMARINOS
CEM ANOS DE EXCELÊNCIA
Vão decorridos cem anos sobre a chega-
       da do primeiro submarino a Portugal e a   esquece depressa altos desígnios nacionais no           uma decisão de longo alcance estrutural e ope-
       formação da 1ª. Esquadrilha de Subma-     âmbito militar.                                         racional para Portugal.

                                                  Era claramente impossível a Portugal respon-            Os submarinos construídos antes da primeira
rinos. Apesar de ser muito extensa a bibliografia der, em termos artilheiros, às Marinhas que guerra mundial eram geralmente descritos como
disponível sobre a existência dos submarinos em tinham ambições de ocupação das nossas co- lentos, frágeis, com demoradas entradas em
Portugal, entendeu o Diretor da Revista da Ar-                                                           imersão, inconfortáveis e somente capazes
mada solicitar-me um artigo, sobre um assun-                                                             de navegar em imersão por períodos de pou-
to que me é particularmente grato e, por esse                                                            cas horas. Acresce que eram mecanicamente
facto, sinto-me muito honrado. Espero que o                                                              pouco fiáveis, os periscópios eram de quali-
mesmo tema, abordado de forma diferente                                                                  dade inferior, os motores Diesel ainda não
e complementado com alguma experiência                                                                   tinham atingido níveis de desenvolvimento
pessoal, conduza a um resultado interessante.                                                            aceitáveis. Tudo o que vai dito, em conjun-
Aprimeira interrogação que me fascina tem                                                                to com as limitações das cotas de imersão,
a ver com a decisão de adquirir um subma-                                                                prejudicavam a sua capacidade operacio-
rino para a Marinha de Guerra Portuguesa.                                                                nal durante operações em tempo de guerra.
Porquê, em meados de 1910, alguém pensar                                                                 A tecnologia desenvolvida durante a primeira
na aquisição de uma arma que estava na sua                                                               guerra mundial corrigiu muitas das limitações
infância a nível mundial?                                                                                enunciadas.
Vejamos a situação social, económica e                                                                                                      Mas o que as autoridades portuguesas ti-
política que então se vivia em Portugal. Um                                                              nham como fator de decisão era os subma-
país pobre com muito baixo nível de esco-                                                                rinos existentes em 1910, por isso enviaram
laridade, apoiado numa agricultura de sub-                                                               uma missão a França, Alemanha e Itália para
sistência familiar, sem estradas, sem indústria                                                          analisarem os submarinos ali construídos e
significativa e tendo como principal meio de                                                             recomendarem o que melhor se adaptava
transporte os caminhos-de-ferro. As finanças                                                             aos requisitos da Marinha Portuguesa. Pen-
públicas sofriam da situação endémica bem        CTEN João de Azevedo Coutinho – Ministro da Marinha de  deu a decisão para Itália.
conhecida dos portugueses, mal geridas e a       22DEZ1909 a 25JUN1910.                                   Uma vez chegada a missão a Lisboa, o

caminho da intervenção de estranhos. A política lónias em África, a inglesa e a alemã. Será que tempo mediando entre a decisão final corres-
concebida a partir de Lisboa e de conhecimento haviam outras alternativas?                               pondente ao submarino a adquirir e a assina-
tardio no resto do país, caminhava para um es- A arma submarina, que começou a adquirir tura do contrato foi muito curto. Como muitas
clarecimento da situação resultante do regicídio, alguma capacidade operacional no princípio da vezes acontece, uma das razões subjacentes à
ocorrido havia um ano e meio.                    primeira década do século vinte, configurava-se urgência da decisão tinha a ver com uma verba
AMarinha, inserida num meio como o des-                                                                                                     que sairia do âmbito da Marinha, caso não
crito abreviadamente, não poderia deixar de                                                              Foto Arquivo Histórico da Marinha  fosse utilizada dentro do ano económico
refletir sérias carências. O poder mais signi-                                                                                              em curso.
ficativo da Marinha residia na artilharia dos                                                                                               Embora o objetivo da Marinha fosse a
navios, o que de resto era o que se verificava                                                                                              construção de três submarinos, devido à
noutras Marinhas. Mas a mais importante li-                                                                                                 situação financeira do País, só seria possível
mitação da Marinha Portuguesa tinha a ver                                                                                                   adquirir um, cujo contrato foi assinado a 17
com os poucos meios disponíveis e a sua re-                                                                                                 de junho de 1910. Este é o momento para
duzida capacidade militar.                                                                                                                  se prestar homenagem aos dois principais
Voltando à pergunta inicial. Apesar dos                                                                                                     decisores no processo da implantação de
considerandos da situação de Portugal e da                                                                                                  submarinos em Portugal, o Ministro da Ma-
Marinha, porquê alguém de muita coragem                                                                                                     rinha Comandante João de Azevedo Couti-
e enorme visão, resolveu tomar uma decisão,                                                                                                 nho e o Almirante Morais e Sousa.
muito radical, como hoje se diz, e equipar                                                                                                  Devemos ter presente que se a decisão
a Marinha com meios, cujas características                                                                                                  de construir o primeiro submarino tivesse
particulares a Marinha tem contado até hoje?                                                                                                demorado mais algum tempo, poderiam ter
À data da assinatura do contrato de aquisi-                                                                                                 sobrevindo impedimentos com a implanta-
ção do primeiro submarino, tinham passado                                                                                                   ção da República três meses depois.
vinte anos sobre o ultimato declarado a Por-                                                                                                O Espadarte, assim foi denominado o
tugal pela nossa, tantas vezes mencionada,                                                                                                  primeiro submarino português, chegou a
aliada Inglaterra. Quando da apresentação                                                                                                   Lisboa no dia 5 de agosto de 1913, depois
do ultimato viveu-se, nos meios nacionais,                                                                                                  de uma longa e atribulada viagem de três
um momento de aversão para com a Ingla-                                                                                                     meses desde La Spezia.
terra, mas depressa se concluiu que os meios                                                                                                O Espadarte era um submarino costeiro
militares à disposição eram claramente insu-                                                              com muitos problemas de “crescimento”
ficientes para uma resposta militar. Depois      VALM Morais e Sousa.                                    tecnológico que originavam constantes ava-

deste frémito de patriotismo, pouco foi feito como uma alternativa ao dispor das nações me- rias. Quando lemos alguma bibliografia sobre
para corrigir as deficiências das Forças Armadas nos poderosas e, sem querer entrar em terrenos o comportamento do Espadarte, não podemos
Portuguesas, quer porque não se disponha da de excessiva especulação, não restam dúvidas desligar das limitações próprias dos submarinos
capacidade económica, quer porque a política que a decisão de então adquirir submarinos foi desta época, já enumeradas. Poderão alguns crí-

10 ABRIL 2013 • REVISTA DA ARMADA
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