Page 14 - Revista da Armada
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PRINCÍPIOS DE DIREITO MARÍTIMO
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O REGISTO DE PROPRIEDADE DO NAVIO.
A QUESTÃO E ESTUDO EVOLUTIVO
O estatuto do navio, a sua configuração jurídica, o seu determinadas matérias, um quadro normativo não comple-
Oregisto e a matrícula sempre constituíram questões mentar, em especial, atenta a configuração do articulado do
centrais no direito marítimo. Há inúmeros exemplos, duran- Capítulo I, do Título I, do Livro Terceiro, do CC, promulgado
te todo o séc. XIX, e até em fases anteriores, de várias defini- 4 anos antes do Código de 1892.
ções normativas neste âmbito, sendo que, a que melhor sis- Preceituava o artigo 486º do CC: “(Nacionalidade portu-
tematiza a função da Autoridade Marítima, consta do artigo guesa do navio) – Serão havidos como nacionais para os
DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
33º do Regulamento para a Polícia dos Portos, aprovado por efeitos deste Código os navios que, como tais, se acharem
Decreto de 20 de Agosto de 1839 – a designada Lei de Sabro- matriculados nos termos do acto especial de navegação.”,
sa –, que estabelecia que “Aos Capitães dos Portos compete estatuindo, o Acto de Navegação, a este respeito, no seu
a matricula dos Navios; para o que lhes serão fornecidos os artigo 13º, que “O título da propriedade do navio deve ser
livros, e exemplares dos respectivos Róes, segundo se acha registado na intendência do porto a que elle pertencer; mas
estabelecido. Além destes Róes de matricula, terão mais nos portos aonde não existirem intendentes ou seus delega-
dous Livros infolio, um para a entrada, outro para a sahida, dos, é feito o registo pelos chefes das alfandegas respecti-
onde seguidamente se lançará o nome a qualidade do navio, vas, nos termos da legislação em vigor”, acrescentando-se
a que nação pertence, etc. Em quanto aos Navios nacionais, no parágrafo único do normativo que “Pelo ministério da
que sahirem, notar-se-lhes-ha unicamente os seus nomes, e marinha se passará ao navio que o requerer certidão au-
ao diante o numero da pagina do livro de Registo, em que thentica do registo, assinada pelo ministro, pelo official que
está registada a sua matricula.”. a lavrar (…)”, adaptando-se, bem entendido, uma formula-
Na proposta de reforma à matéria constante do Título ção legislativa já com 154 anos.
I, Capítulo I, do Código Comercial de 1888, elaborada, em Não havendo maior aprofundamento jurídico da maté-
1936, em sede da Comissão Permanente de Direito Maríti- ria em sede do CC, e subsistindo o Código de 1892, num
mo Internacional (CPDMI), e tomando como base a necessi- formato muitíssimo mais desenvolvido, como o substracto
dade de unificação da legislação comercial e legislação ma- jurídico-material aplicável a estas matérias, foi tentada, em
rítima sobre o estatuto do navio, e seus elementos jurídicos 1936, como acima se referiu, uma reforma visando unificar
constitutivos, assumiu relevo especial o estatuto do navio, a articulados, mas, sobretudo, tornar claros os preceitos rela-
formalidade jurídica para o seu registo e matrícula, a atribui- tivos ao registo, à matrícula e à atribuição da nacionalidade
ção de bandeira, bem como a questão do desembaraço e do portuguesa. E a opção teria sido avisada, caso prosseguisse,
navio despachado para viagem. Matérias que seriam funda- porque conjugava, na perfeição da matriz legislativa, a ques-
mentais em todo o percurso da regulamentação marítimo- tão registral, com a da perda da nacionalidade e bem assim,
-comercial no evoluir do Séc. XX. no aplicável, com as condições de navegabilidade do navio,
No quadro do Código de 1892, em especial atentos os a permissão para poder iniciar viagem e o seu desembaraço
seus artigos 56º a 60º e 132º, não subsistiam dúvidas me- pela autoridade marítima.
tódicas, ou funcionais, sobre a configuração do capitão do Com efeito, propunha-se estatuir, designadamente, que o
porto como conservador patrimonial marítimo, sendo suce- registo de propriedade na Conservatória do registo comer-
dâneo de tal léxico o facto de se designarem as Capitanias cial deveria ser precedido do registo na Capitania do Porto,
dos Portos, nesta sua área de actividade, como Repartições mais se aduzindo que o conservador do registo comercial,
Marítimas (RM), termo ainda hoje em uso em sede legisla- logo que recebesse a cópia do registo provisório na agência
tiva. consular, faria oficiosamente o registo provisório de trans-
Já desde o segundo quartel do Séc. XIX, mas com maior missão, o qual seria convertido em definitivo depois do re-
incidência desde o Acto de Navegação de 8 de Julho de gisto de propriedade na respectiva Capitania do Porto. O
1863, que se impunha uma uniformização legislativa quan- cancelamento do registo de navio que perdesse a nacionali-
to à formulação legislativa das competências em matéria de dade portuguesa – e cujos requisitos para tal se elencavam,
registo de propriedade e de matrícula de navios, sendo que, aliás com muito mais rigor que o definido no CC – deveria
notoriamente, o Código Comercial (CC), aprovado por Carta ser efectuado, por iniciativa de qualquer interessado ou do
de Lei de 28 de Junho de 1888, e o Decreto de 1 de Dezem- Capitão do Porto de registo, tanto na Conservatória do Re-
bro de 1892, que aprovou a Organização dos Serviços dos gisto Comercial, como na respectiva Capitania.
Departamentos Marítimos e das Capitanias dos Portos – e O facto de um articulado único, e sistémico, não ter co-
que designamos por Código de 1892 –, usavam um léxico nhecido evolução, viria a determinar que as questões jurí-
jurídico diverso, sendo algo sintomático que continham, em dico-comerciais e marítima seguissem vias legislativas dife-