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REVISTA DA ARMADA | 525










           A operação de resgate conƟ nuava e estendia-se normalmente por
         mais de 90 minutos. Após o registo, os migrantes eram encaminha-
         dos para a equipa médica de bordo, consƟ tuída por um médico, uma
         enfermeira e um socorrista. O estado de saúde dos migrantes era ava-
         liado e prestados os cuidados necessários. A hipotermia ligeira, enjoo
         e ansiedade eram situações comuns.
           O processo de recolha só terminava quando a cada um dos migran-
         tes era entregue um cobertor, para enfrentar o frio da noite, uma gar-
         rafa de água e bolachas.
           No parque do helicóptero foi criada uma área desƟ nada  aos
         migrantes irregulares, tapada com um toldo. Neste local os
         homens iam-se alinhando, lado a lado, com os seus cobertores.
         Começava a descompressão da ansiedade do embarque, uns dor-
         mitam, outros conversam baixinho. Depois dos momentos iniciais
         de tensão e desconfi ança, passava a exisƟ r um olhar de alívio
         naqueles homens, agora a salvo num navio que nada Ɵ nha a ver                                           Foto Rui Caria
         com a velha embarcação de madeira. As mulheres e crianças des-
         cansavam numa zona resguardada dos restantes migrantes. Dos
         145 migrantes irregulares recolhidos durante esta missão, só 5
         eram do género feminino, 3 deles menores. O espírito de ajuda e
         solidariedade perene da guarnição era ainda mais evidente para
         com as crianças, seres mais frágeis, que lembravam aos corações
         dos marinheiros os fi lhos que Ɵ nham deixado em Portugal. Perce-
         bendo que para as crianças toda aquela situação e local, estranho
         e habitado por adultos cujo idioma desconheciam, poderiam ser
         moƟ vo de ansiedade, a guarnição acarinhava-as com brinquedos
         feitos a bordo, pinturas e jogos.
           Depois de tudo organizado, o comandante falava aos migrantes.
         ExisƟ a sempre alguém que falava inglês e traduzia. Ouvia-se e sen-
         Ɵ a-se o medo de serem devolvidos a casa – à Tunísia. Ao ouvir que o
         desƟ no seria um porto na Sicília, uns punham o polegar para cima e
         quase todos agradeciam. Nesta pequena conversa eram estabeleci-
         das as regras de bordo.
           Nos trânsitos para os portos de desembarque, os fuzileiros iam-se
         revezando na vigia aos migrantes, enquanto a equipa logísƟ ca garan-
         Ɵ a a distribuição de refeições quentes e água. Casas de banho por-
         táteis estavam instaladas no parque de cabos e a pedido iam sendo
         uƟ lizadas. Aos fumadores era permiƟ do fumar, sendo distribuídos
         cigarros recolhidos dos seus pertences.
           Em muitas das embarcações, antes de pedirem apoio, observava-se
         alguma desorientação e ouvia-se “Para onde é Lampedusa? Quere-
         mos ir para Lampedusa”. Na embarcação com a menina de 5 anos
         podemos afi rmar que se tratou de um milagre, pois o combusơ vel
         não duraria, na melhor das hipóteses, para mais de seis horas e o risco
         de incêndio era iminente pelo sobreaquecimento do motor e óleo   CONCLUSÃO
         espalhado na sua vizinhança.
           Nos portos de desembarque estavam sempre diversas enƟ dades   Da missão fi cam os agradecimentos dos adultos, as brincadeiras das
         italianas responsáveis por receber os migrantes irregulares, nomea-  crianças e o olhar de alívio ao desembarcarem nos portos da Sicília.
         damente, a Cruz Vermelha, a Direção de Saúde, a Guarda de Finanças,   Nesta operação não podemos esquecer o desempenho extraordi-
         a Polícia de Fronteiras, a Polícia Judiciária, representantes da FRON-  nário e a dedicação dos militares embarcados, bem como dos repre-
         TEX e voluntários que auxiliavam na distribuição de roupas. Todo o   sentantes do SEF que, por 31 dias, fi zeram parte da guarnição do NRP
         processo de transferência dos migrantes era conduzido inicialmente   Viana do Castelo. Todos guardam consigo um senƟ mento de dever
         pela equipa médica de bordo, que garanƟ a as condições sanitárias   cumprido.
         para o desembarque, e posteriormente pelos inspetores do SEF e pela   Um agradecimento especial ao jornalista Nuno Simas, da Agência
         equipa de segurança do navio.                        LUSA, que, a parƟ r da sua reportagem, serviu de inspiração para a
           Após o seu desembarque, num porto da Sicília, a guarnição apron-  descrição pormenorizada de todo o processo de salvamento a bordo.
         tava o navio para mais um período de patrulha, naquele mar para o
         qual muitos se lançam em busca da liberdade.                    Colaboração do COMANDO DO NRP VIANA DO CASTELO


         8    JANEIRO 2018
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