Page 14 - Revista da Armada
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21 DIREITO DO ORDENAMENTO MARÍTIMO
OS USOS E REGULAÇÃO DOS
ESPAÇOS BALNEARES E O PROCESSO
DE TRANSFERÊNCIA DE ALGUMAS
COMPETÊNCIAS PARA AS AUTARQUIAS
ulminando um processo legislativo longo – os inícios datam não – se mantêm no foro de competências dos órgãos locais da
Cjá de finais de 2016, corporizados numa primeira proposta DGAM, desde que inseridos no espaço de jurisdição das Capita-
de lei (PL 11/2017) de janeiro de 2017 –, e que envolveu um nias dos Portos, designadamente também os de âmbito fluvial;
significativo número de tutelas governamentais e entidades, a os exemplos mais característicos destes espaços que não são
DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
nova estrutura normativa sobre a descentralização de compe- objecto de transferência são aquelas praias que não se incluem
tências conheceu as suas bases através da publicação da lei- no elenco publicado todos os anos em portaria conjunta, no
-quadro da transferência de competências para as autarquias seguimento do preceituado no nº 5, do artigo 4º, do Decreto-Lei
locais e para as entidades intermunicipais aprovada pela Lei nº 135/2009, de 3 de Junho – a que está em vigor é a Portaria
nº 50/2018, de 16 de Agosto. Neste pressuposto, e concreti- nº 118-A/2018, de 2 de Maio, da Defesa Nacional e Ambiente –
zando o que ficou definido no artigo 19º daquela Lei, o Decre- e nas quais se desenvolvem muitas actividades náutico-despor-
to-Lei nº 97/2018, de 27 de Novembro, estabeleceu o quadro tivas, até com um muitíssimo relevante impacto internacional,
jurídico aplicável ao domínio da gestão das praias marítimas, designadamente na zona centro ao País.
fluviais e lacustres, cujos efeitos se produzem desde o dia 1 de É útil, ainda, referir que no processo de transferência para
Janeiro de 2019, tendo ainda que se considerar a norma espe- a Administração Local se trata de praias marítimas, mas
cificamente aprovada para a respectiva vigência durante 2019. igualmente de praias fluviais e lacustres, aspecto que vem
Atenta a sensibilidade e a específica acuidade material ine- sublinhado quer no nº 1, do artigo 2º, do DL 97/2018, como
rente a esta matéria, em cujo âmbito existem consolidadas igualmente estabelecido no nº 2, do seu artigo 6º, pelo que o
valências e perícias por parte da Autoridade Marítima, bem pressuposto assumido é do elemento licenciador em si e não,
como um entrosamento local significativamente sedimen- especifica e unicamente, o critério do espaço em questão.
tado, este foi um processo que, desde o seu início, envolveu a No diploma não existe qualquer restrição pelo facto das praias
Direcção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM) no quadro de identificadas como águas balneares estarem no âmbito da com-
apreciação legislativa que foi promovido durante quase dois petência licenciadora das Autarquias apenas durante a época
anos, e em cujos textos foram sendo inseridos novos elemen- balnear que estiver estabelecida, bem como não está prevista
tos de reflexão. Assim, e sendo uma determinação inclusa no qualquer limitação quanto ao facto de nas mesmas existirem
Programa do Governo, o DL 97/2018 desenvolveu, em termos (ou não) concessões, pelo que quanto a este aspecto não existe
de espaços dominiais balneares, o corpo do artigo 19º da Lei restrição na competência licenciadora dos Municípios.
50/2018, e definiu o regime que passará a ser aplicável a um Contudo, no âmbito material a transferir, o legislador esta-
conjunto de matérias que constituirá – nos moldes previstos – beleceu, expressamente, algumas salvaguardas e procedi-
competências das Autarquias Locais. mentos que têm que ser obrigatoriamente observados pelas
O regime aprovado merece, contudo, pela sua complexi- Autarquias, sob pena de não serem cumpridas formalidades
dade, e pela necessidade de articulação funcional que vai essenciais que a lei estabelece no respectivo processo de
exigir, um conjunto de clarificações que importa aduzir, e que licenciamento; neste âmbito, importa sublinhar cinco aspec-
entendemos como adequado dividir em duas partes distintas: tos essenciais:
o âmbito material do que efectivamente transita da esfera 1. Estatui a lei, no nº 1, do artigo 6º, do DL 97/2018, que
funcional da Autoridade Marítima Local (AML) para a Autar- “Os órgãos municipais exercem as suas competências no
quia, e o quadro de competências que a AML ainda mantém respeito pelas regras aplicáveis em matéria de condições
neste âmbito. São estas as matérias que analisaremos. de segurança, proteção, socorro e assistência.”; ora, estes
quatro factores de competência estão devidamente res-
O ÂMBITO MATERIAL QUE TRANSITA salvados no nº 2 do preceito, tendo o legislador determi-
nado, para cada um deles, qual o quadro de intervenção
Em termos de espaços abrangidos pela transferência de com- da AML no processo de licenciamento. Isto é, apenas é
petências, resulta claro do artigo 1º do diploma – DL 97/2018 – possível à Edilidade exercer a sua competência de licen-
que as praias que passam a ser abrangidas pelas competências ciamento, se cumpridos os requisitos que o preceito
de licenciamento das Autarquias são as que estão “…identifica- expressamente define;
das como águas balneares no âmbito da Diretiva 2006/7/CE, 2. Um dos requisitos – talvez aquele que mais directamente
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de fevereiro de seja concernente a uma intervenção prévia ao acto de
2006, e da Lei nº 58/2005, de 29 de dezembro, na sua reda- licenciamento a exarar pelo Município – é a emissão, pelo
ção atual.”, pelo que todos aqueles restantes espaços que têm Capitão do Porto, de parecer integrando o despacho de
utentes e actividades balneares – recreativo-desportivas ou definição de condições de segurança quanto a eventos