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REVISTA DA ARMADA | 552


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               Nau D. João VI da Esquadra de D. Miguel.            Fragata Rainha de Portugal da Esquadra de D. Maria.

                D. Miguel, cauteloso, preferiu celebrar, por procuração, espon-  prosseguiu com o desembarque no Mindelo e a subsequente
              sais com D. Maria que era ainda uma criança e se encontrava   conquista do Porto. Nesta guerra há a destacar quatro momen-
              no Brasil, declarando-se pronto a contrair com ela matrimónio e   tos cruciais para a vitória liberal: o reforço dos insurgentes da
              jurou a Carta ConsƟ tucional. Na sequência desta aƟ tude, D. Pedro   Terceira, o desembarque e conquista do Porto, o desembarque
              nomeou-o regente de Portugal em julho de 1927.      algarvio e a batalha do Cabo de São Vicente que, conjuntamente,
               O ambiente políƟ co europeu conƟ nental, sob o
              impulso da Áustria, inclinava-se então para solu-                                                    DR
              ções absoluƟ stas de poder, em contraste com as
              ideias liberais que ponƟ fi cavam em Inglaterra e nos
              Estados Unidos. Apoiado pelos austríacos, D. Miguel
              giza então um plano para se tornar Rei absoluto de
              Portugal.
               Regressou a Portugal em fevereiro de 1828, tendo
              de novo jurado fi delidade à Carta e a D. Maria II,
              mas mal tomou o poder dissolveu as Cortes e
              demiƟ u o governo e os comandantes das princi-
              pais praças militares. Um autênƟ co golpe palaciano
              efetuado à sombra de uma legiƟ midade outorgada
              por D. Pedro. Pouco depois, já com o controlo dos
              diferentes órgãos políƟ cos e das chefi as  miliares
              assegurado, D. Miguel fez-se aclamar Rei absoluto
              de Portugal em junho de 1828. Em menos de seis
              meses estava consumada a usurpação.
               Contra a usurpação levantaram-se alguns militares liberais, com   permiƟ ram a conquista da capital a 24 de julho, momento que
              Sá da Bandeira à frente, que foram derrotados e obrigados a pas-  marca a viragem na guerra e assegura a vitória liberal.
              sar para Espanha e depois a procurar refúgio em Inglaterra.    Em todos eles a Marinha foi crucial para a aplicação de uma
               Apenas a ilha Terceira nos Açores se manteve fi el a D. Maria II,   estratégia indireta, como se verá na 2.ª Parte.
              tendo o restante território sido ferreamente dominado pelos
              absoluƟ stas. Os liberais foram então perseguidos, as tropas do                      Jorge Fonseca de Almeida
              marechal de campo Álvaro Póvoas ocuparam o Porto, seguiram-                          Doutorando em Sociologia
              -se numerosas prisões e até execuções que Ɵ veram lugar já em
              1829. As hostes dos exilados liberais em Inglaterra e em França
              iam crescendo. Tudo se encaminhava já para uma sangrenta   Notas
              guerra civil.                                         1  Faziam parte do Conselho de Regência o recém-nomeado Cardeal-Patriarca de
                                                                    Lisboa D. Patrício I (1756-1840), que ascendera ao cargo nesse mesmo ano mas
                                                                    já experiente nas lides políƟ cas, D. Nuno Álvares Pereira (1799-1837), 6º Duque
              MOMENTOS DECISIVOS DA GUERRA                          do Cadaval, mais tarde chefe de governo miguelista, Marcos de Noronha e Brito
                                                                    (1771-1828), Conde de Arcos, e Francisco Menezes da Silveira e Castro (1754-
                                                                    1834), Marquês de Valada e Conde da Caparica.
               A Guerra da Sucessão Ɵ nha objeƟ vos políƟ cos claros e irrecon-  2  Maltez, 2004.
              ciliáveis dos dois lados da contenda. Do lado liberal tratava-se de   3  Bonifácio, 2004.
              repor a legalidade dinásƟ ca assegurando que o trono seria ocu-  4  Tradução livre do autor deste texto. Versão em inglês: “the art of distribuƟ ng and
              pado por D. Maria, fi lha de D. Pedro, fi lho mais velho do Rei D.   applying military means to fulfi ll the ends of policy” (Hart, 2008).
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              João VI. Do lado absoluƟ sta tratava-se de garanƟ r que o trono,   baƩ les as to seek a strategic situaƟ on so advantageous that if it does not of itself
              recentemente conquistado por D. Miguel, permaneceria fi rme-  produce the decision, its conƟ nuaƟ on by a baƩ le is sure to achieve this. In other
              mente nas suas reais mãos. Não podendo duas pessoas ocupar   words, dislocaƟ on is the aim of strategy; its sequel may be either the enemy’s dis-
                                                                    soluƟ on or his easier disrupƟ on in baƩ le” (Hart).
              o mesmo lugar simultaneamente e esgotada a solução jurídica e   6  Traduzido pelo autor. O texto original lê “A strategy of support and infl uence seeks
              a mediação internacional, a guerra era a forma mais evidente de   to achieve a posiƟ onal advantage, exercised primarily via local indigenous forces
              prosseguir a contenda políƟ ca. E assim aconteceu.    to undermine the foundaƟ on and environment that enables the equilibrium or
                                                                    balance of an adversary” (Morrison, 2014).
               A resistência começou nos Açores, foi reforçada pelas for-  7  Arquilla e Ronfeldt, 1996.
              ças dos refugiados que se encontravam na Inglaterra, e depois

                                                                                                        JUNHO 2020  19
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