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como “Atlas Miller” (1519-1522), produzido geograficamente pe- 3.º- um estudo monográfico (interpretativo, e aprofundado) so-
los cartógrafos Lopo Homem, Pedro Reinel e Jorge Reinel, e deco- bre o conteúdo geográfico e geopolítico, revelando a verdadeira
rado artisticamente pelo pintor miniaturista António de Holanda. natureza, o significado, e a razão da feitura, de um atlas tão rico
Essa autêntica obra-prima — geograficamente inovadora, e ar- e invulgar (como instrumento de contra-informação geográfica e
tisticamente sumptuosa (mas, até 2005-2006, considerada estra- geoestratégica para tentar contrariar a preparação que então es-
nha e inexplicada, ou mesmo inexplicável, e objecto de enormes tava em curso em Sevilha da viagem de Fernão de Magalhães); e
4.º- um estudo final (exaustivo e definitivo) sobre a decoração
controvérsias) — é a ilustração desses “quarenta anos que muda- artística desse atlas tão ostensivamente luxuoso, e sobre a verda-
ram o mundo”, nas vésperas da maior e mais difícil de todas as deira identidade do responsável dessa decoração, o iluminador
viagens, a de circum-navegação de Fernão de Magalhães. profissional luso-flamengo António de Holanda (estudo em que o
Foram sempre inúmeras as dúvidas e debates — e até as polémi- autor retomou, e corroborou com novas e ainda mais indesmen-
cas (às vezes, aguerridas e violentas) — acerca desse mais célebre tíveis evidências, essa mesma identificação, que já havia afirma-
dos atlas geográficos do Renascimento. Não havia acerca dele (da do, e publicado, desde 1993-1994).
sua autoria, do seu estranho conteúdo, do seu desconhecido des- Esses quatro estudos, de 2006, haviam sido antecedidos por um
tinatário, da sua exacta datação, e até mesmo da sua contestada estudo inédito, muito semelhante, só com pequenas diferenças
autenticidade!) concordância entre os especialistas da História da de texto e estrutura (académico, e não distribuído comercialmen-
Cartografia. Apesar da sua celebridade, era um dos mais intrigan- te), produzido no ano anterior. Essas duas obras de 2005-2006
tes e enigmáticos de todos os espécimes cartográficos mundiais. constituíram a palavra final, da autoria do signatário, sobre o pre-
cioso espécime cartográfico conservado em Paris, acerca do qual
já vinha investigando e publicando desde há mais de uma dúzia
de anos, em Chicago (Newberry Library, 1993), Coimbra (FLUC,
1994 [2000]) e Paris (Revue de la Bibliothèque nationale de Fran-
ce, 1994).
A edição de Barcelona de Moleiro Editor, de 2006, continha ain-
da os seguintes contributos:
— um 5.º estudo, da autoria de Luís Filipe Thomaz, o melhor es-
pecialista da presença portuguesa nas regiões do Extremo Oriente;
— um 6.º estudo, com textos sobre as cartas regionais, da au-
toria de ambos, acompanhado da leitura dos topónimos por um
competente especialista de paleografia); e
— um “Apêndice” e uma extensa “Bibliografia” tematicamente
organizada, do signatário.
“A PROBLEM SOLVED”: O “ATLAS MILLER”
DESDE 1993-1994 ATÉ 2021
Passaram quinze anos desde 2006 e, portanto, ficou mais do que
patente a aceitação e eco que todos esses contributos mereceram
nos círculos especializados (e até mesmo na opinião pública, me-
diática e jornalística). Não somente quanto à autoria artística do
Atlas (que, de resto, já desde 1993-1994 vinha sendo unanime-
mente aceite pelos verdadeiros especialistas da Cartografia e da
História da Arte Portuguesa), mas também quanto aos curiosos e
sensacionais aspectos geográficos e geopolíticos (e, até, pessoais,
e familiares, conjugais...!?), da motivação, da feitura e do destino
desse luxuosíssimo “mapa para enganar os navegantes”.
Ficaram patentes os aspectos diplomáticos e políticos da sua
Pormenor do Brasil no célebre “Atlas Miller”, com os indígenas recolhendo o pau- feitura, e do olhar para o qual foi feito, por ordem de Manuel de
-brasil, em iluminuras de António de Holanda (BnF, Paris)
Portugal (o sabido “Rei da Pimenta”): o olhar do seu jovem e es-
Até que em 2006 esse célebre “Atlas Miller” de 1519-1522, jóia timado cunhado, Carlos; o, então, em 1519, novel, e recém-che-
maior do Département des Cartes et Plans da Bibliothèque natio- gado da Flandres, Rei Carlos I de Castela e Aragão (e, logo depois,
nale de France, teve em Barcelona a sua belíssima edição publi- eleito Imperador do Sacro-Império Romano-Germânico)... Carlos
cada pela casa editorial Manuel Moleiro Editor, líder mundial da V… o jovem soberano daqueles que, para os Portugueses, desde
edição de códices medievais, livros de horas e atlas geográficos: sempre (e, sobretudo, desde o Tratado de Tordesilhas em 1494),
uma réplica acompanhada pelo respectivo “companion volume”, eram os seus vizinhos próximos, irmãos rivais, e cordiais compe-
tidores… os Castelhanos.
com quatro estudos da autoria do signatário, respectivamente: Todos esses aspectos que desde 1993-1994 e 2005-2006 foram
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1.º- uma síntese (geral, mas actualizada) sobre a origem e a cro- afirmados com grande novidade (em alguns casos, como o da
nologia dos Descobrimentos Portugueses dos séculos XV-XVI; identidade étnica dos cartógrafos Reinéis, com novidade que até
2.º- uma nova síntese (trazendo grandes novidades, radical- foi mesmo espantosa, surpreendente, e sensacional) têm desde
mente surpreendentes) acerca das origens e da evolução da car- então sido aceites e repetidos; e tornaram-se mesmo nos verda-
tografia desses Descobrimentos (acerca da sua primeira “escola” deiros lugares-comuns (óbvios e, agora, sempre massificados, até
familiar conhecida, a dos Reinéis, etc.); para o grande público), acerca do celebérrimo atlas.
18 MAIO 2021