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REVISTA DA ARMADA | 562
O Extremo Oriente no “Atlas Miller”, totalmente inventado e falso (e fechado… para tentar mostrar a impossibilidade da sua navegação a partir do Leste…), mas com belos
dragões e grifos, pintados por António de Holanda (BnF, Paris)
Em 1519, por ordem do Rei D. Manuel de Portugal, os cartógra- A mensagem do tão impressionante e luxuoso “Atlas Miller” é,
fos Lopo Homem, Pedro Reinel e Jorge Reinel, juntamente com o sobretudo, uma: a Terra é grande de mais, e o Mar é pequeno de
iluminador flamengo António de Holanda (recentemente vindo mais…! E é fechado! Todos os mares do mundo, unidos, são so-
para Portugal e casado na família do jovem cartógrafo Lopo Ho- mente uma espécie de grande poça de água, um “stagnon”, no cen-
mem), criaram esse luxuosíssimo atlas de cartas náuticas, decora- tro da terra. É uma concepção com influência de Ptolomeu: uma
do como se fosse um “Livro de Horas” flamengo (!), para ser ofe- estranha espécie de “neo-ptolomismo” (!) que, numa época adian-
tada como aquela, em 1519, é já totalmente anacrónico e arcai-
recido à jovem princesa flamenga que, desde o ano anterior, se zante… E, sobretudo, é particularmente surpreendente e estranho
havia tornado a Rainha de Portugal… Leonor, a irmã do príncipe, — é algo de paradoxal, e incompreensível — por aparecer precisa-
vindo da Flandres, que se havia tornado o soberano de Castela mente na cartografia portuguesa (!), aquela que nunca havia tido
e Aragão, e logo depois viria a sê-lo também do Sacro-Império especialmente influência ptolomaica, e que, bem pelo contrário,
Romano-Germânico, com o nome de Carlos V… A jovem de deza- nas suas cartas náuticas, verdadeiras, de tipo carta-portulano, era
nove anos com quem D. Manuel, em 2018, aos quarenta e nove a mais pioneira e exacta, no Atlântico e no Índico (e, desde há dé-
de idade, havia casado. cadas, havia sido a que havia contribuído, mais do que qualquer
Mas o verdadeiro objectivo deste estranho e magnífico es- outra, para a ultrapassagem das concepções ptolomaicas!).
pécime cartográfico (que estaria a ser feito durante os anos da
“lua-de-mel” desse casal... em Évora, Almeirim e Lisboa) foi fazer
circular contra-informação geográfica e geopolítica (deliberada- Alfredo Pinheiro Marques
mente falsa), para com ela tentar ludibriar os círculos dirigentes Centro de Estudos do Mar e das Navegações
castelhanos. E é por isso que ostenta, com grande obviosidade, a Luís de Albuquerque — CEMAR (Figueira da Foz)
concepção geográfica, errónea, de que as terras, no planeta, são
muito maiores do que os mares, e envolvem-nos, totalmente. E N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
que, portanto, não é possível uma viagem de circum-navegação
em que se chegasse ao Oriente através do Ocidente (o velho so-
nho de Colombo e dos Castelhanos…). Não é possível chegar às Notas
Artigo constituído por 3 partes, baseado nos estudos do autor incluídos em MAR-
asiáticas “Ilhas das Especiarias”, as cobiçadas Molucas, através do 1 QUES, Alfredo Pinheiro, e THOMAZ, Luís Filipe, Atlas Miller, com introdução por
hemisfério ocidental atribuído aos Castelhanos pelo Tratado de Manuel Moleiro, e prefácio por Joaquim Ferreira do Amaral, Barcelona: M. Mo-
Tordesilhas. leiro Editor, 2006.
2
O Atlas editado por Manuel Moleiro teve o seu lançamento ao público em Portu-
É impossível o que, nesse ano de 1519, Magalhães preparava gal, em Lisboa, no Padrão dos Descobrimentos, no dia 04.05.2006.
em Sevilha.
20 MAIO 2021