Page 26 - Revista da Armada
P. 26
REVISTA DA ARMADA | 562
Passados já 890 anos da fundação de Santa Cruz, e 957 anos
desde que Coimbra se tornou cristã, é nas valorosas premissas da dade, e defendem os estudiosos que foi por influência de Saint Ruf de la Abbaye
D´Avignon, fundada no Séc. XI (1039), e de Saint Victor de Marseille, onde profes-
sua constituição quase milenar que encontramos as bases fun- savam os cónegos regulares de Santo Agostinho, que se criaram regras monásticas
dadoras das estruturas do Reino, os princípios sustentadores da diferenciadas das da Ordem de Cluny, da qual aliás havia já presença mesteiral
autoridade, bem como o conhecimento agregado dos primeiros em terras portucalenses desde final do Séc. X (999/1100) com a fundação do
mosteiro de Rates. A evolução dos cónegos regrantes, desde Avignon e da regra
quadros da Cúria e dos conselheiros então formados e, portanto, de Aix-la-Chapelle, está intimamente ligada aos acontecimentos que haveriam de
a solidez jurídica e administrativa que o Rei Afonso precisou para dar-se com o Sinodo de Latrão em 1059, e com o decreto Praeducens sint, e com a
própria reforma gregoriana (Gregório II, 1073-1085). Para mais desenvolvimentos
continuar a construir e erguer esta vetusta e anciã Nação que, por sobre os cónegos regrantes ver trabalhos de Maria Filomena Mónica, Vera Soares
aquele tempo, já crescia francamente no seu âmbito territorial. Barbosa, Jorge Santos Carvalho e José Mattoso.
4
Portanto, 4 anos depois de Henrique da Borgonha ter recebido o condado por-
tucalense.
5 D Teresa fez, precisamente em 1128 (ano da batalha de S Mamede), doações aos
Templários do castelo e terras de Soure (entre outras).
6 O foral de D. Henrique estabelecia direitos, mas também obrigações, aos mu-
nícipes, e foi concedido no mesmo ano em que ocorreu uma revolta na cidade.
7 Data do início do governo de Sisnando.
8 É útil sublinhar que, desde finais do Séc. XI, os clérigos mantêm contactos com
Roma e algumas cidades francesas, onde se deslocavam na procura dos novos
conhecimentos, sobretudo ao nível das novas concepções políticas que se dese-
nhavam nas cidades italianas, bem como dos instrumentos jurídicos próprios do
Direito Canónico e do Direito Civil, que eram estruturantes à sedimentação orga-
nizativa das burocracias do poder real.
9 Em 1140, portanto quatro décadas depois da decisão Papal sobre a diocese, ain-
da existia em Coimbra uma igreja moçárabe mas com culto cristão dedicado a N.ª
Senhora, o que prova bem a convivência multicultural.
10 Não cabe no presente artigo analisar o quadro de antagonismos políticos e ecle-
siásticos que se criou, na Península, entre Compostela e Braga, que era um reflexo
do que, em termos de relação de suseranias, se estabeleceu entre Leão, a Galiza e
Portucale, e as rainhas Urraca e Teresa, bem como, um pouco mais tarde, a frontal
discordância que se criou entre o arcebispo de Toledo e o já então poderoso D.
João Peculiar - arcebispo de Braga desde 1138 -, que ainda havia de lhe prestar
juramento como primaz das Espanhas, em 1150. Todo este contexto, contudo, é
matéria para apreciação noutra sede.
11 Mas não foi só esta vertente que causava a firme reacção do Bispo e dos padres
diocesanos. É que os cónegos regrantes, aproveitando a isenção canónica, reivin-
dicavam o exercício de todas as funções pastorais nos (vastos) territórios que iam
adquirindo com a protecção real, sendo que neles estabeleciam paróquias das
quais recolhiam os rendimentos canónicos, e sem que estivessem sob a jurisdição
do Bispo, o que nos dá claramente a ideia de que a disputa não era apenas espiri-
tual, mas, também, material.
12 Em 1119 o Papa Pascoal II atribuiu as dioceses de Coimbra e de Viseu ao arce-
bispo de Braga.
13 Podem encontrar-se em Santa Cruz, ainda hoje, amplos exemplos arquitectó-
nicos desse período, como sejam, além da arcaria e trabalhos de pedra, e de ele-
mentos artísticos dos claustros, o túmulo do Bispo D. Miguel de Coimbra (1218).
14 Subsiste, ainda, o famoso Jardim do Claustro da Manga, com edificação na pri-
meira metade do Séc. XVI (1533), e atribuída a Frei Braz de Barros com protecção
e investimento de D. João III, sendo que a obra artística de pedra é da autoria de
João de Ruão, com intervenção dos extraordinários Pêro de Évora, Diogo Fernan-
des e Fernão Luís. Há uma longa descrição das obras e do perfil dos trabalhos e
dos seus autores na Crónica dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho de 1540,
da autoria de D. Venâncio.
15 É tido como pressuposto verídico entre os estudos historiográficos que consta-
va mesmo do testamento do Rei Afonso que queria ter ali, em Santa Cruz, a sua
morada final, e que os Mestres de Coimbra dos inícios do Séc. XVI lhe construíram
(e a seu filho), com o impulso de D. Manuel, uma invulgar e magnífica residência
Dr. Luís da Costa Diogo tumular, num apurado estilo manuelino.
Diretor Jurídico da DGAM 16 Teria, ainda, trabalhos de alteração e acréscimo na época maneirista e no tempo
da arte Joanina no Séc. XVIII.
17 Telo, filho de Odário, era presbítero de Coimbra, e obteve a protecção do Bispo
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
Maurício desde finais do Séc. XI (1098), tendo-o acompanhado numa peregrina-
ção a Jerusalém (1104-1108), e tendo ficado mais de meio ano em Bizâncio, esta-
dia extremamente útil e relevante para a sua formação.
Notas 18 Teotónio foi o primeiro prior de Santa Cruz, também presbítero em Coimbra, e
1 Desde a batalha de Ourique, onde assumiu as quinas de Portugal. igualmente viajado por Jerusalém; era sobrinho do Bispo Crescónio de Coimbra,
2 Designadamente através do oferecimento aos cónegos de uma importantíssima que tinha introduzido - em 1092 - além do ritual romano, os costumes monásticos
propriedade junto aos muros da cidade (diz-se, no lugar onde estavam instalados cluniacenses na Diocese.
os banhos reais - ao fundo da Judiaria -, ainda de construção muçulmana), e no 19 Guido de Vico era, então, cardeal de São Cosme e São Damião, e seria ele que,
próprio financiamento da construção do mosteiro, que durou décadas, mas que uma década mais tarde, em 1143, estaria em Zamora a validar o acordo entre o
sempre foi apoiado pelo monarca, bem como nos muito significativos privilégios Rei Afonso e Afonso VII de Leão.
e concessões que foram concedidos aos cónegos regrantes, e que reflectem a ex- 20
traordinária influência que Santa Cruz sempre teve em especial junto da Dinastia Terá sido este encontro que propiciaria, anos depois (1140), depois da reunião
Afonsina, bem como a enorme riqueza que possuía. de Tarouca, a instalação dos primeiros cistercienses oriundos de França em Por-
3 Os cónegos regrantes, que seguem a Regra de Santo Agostinho (Sacer et Apos- tugal, abrindo assim caminho a significativos processos de renovação religiosa.
tolicus Ordo Canonicorum Regularium Sancti Augustini), eram conhecidos como 21 Letberto era prior na comunidade de Avignon, uma sede monasteiral de monges
crúzios precisamente pela sua fundação em Portugal ser Santa Cruz de Coimbra. intelectuais que se dedicavam à elaboração de códices e de literatura litúrgica vá-
A Regra pressupunha premissas de pobreza, obediência, contemplação e casti- ria, e que foi de extrema influência para os regrantes crúzios.
26 MAIO 2021