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REVISTA DA ARMADA | 564
Esses dois, Pedro e Jorge Reinel, que voltaram para Portugal,
eram muito competentes no seu ofício. Como muito competente
era também o Diogo Ribeiro (Diego Ribero) que, depois da prepa-
ração da viagem de Magalhães, preferiu ficar para sempre lá em
Castela ao serviço da Coroa castelhana; e veio a ser lá o melhor
cartógrafo "castelhano", na Casa da Contratación de Sevilha, em
A Coruña, etc..
Segundo o cônsul e feitor comercial (e espião) português em Se-
vilha, numa sua mensagem enviada para Lisboa e datada de 18 de
Julho de 1519, havia sido o também português Diego Ribeiro que
havia feito as cartas que iriam ser usadas para a expedição de Ma-
galhães, e fê-las copiando um padrão feito pelo "filho de Reynell"
(e que o próprio pai, quando foi buscar o filho, completou).
E a mesma coisa — uma nova tentativa de aliciamento para que
esses dois cartógrafos portugueses, pai e filho, se passassem para
o serviço castelhano…! —veio a acontecer cinco anos depois (já
após o regresso da expedição de Magalhães-Elcano), em 1524,
durante as negociações diplomáticas internacionais da Junta que
esteve reunida entre Badajoz e Elvas. Também existe prova docu-
mental, desde há muito conhecida, dessa segunda tentativa de
recrutamento, a qual só não teve êxito porque, então, uma vez
mais, o cartógrafo Pedro Reinel preferiu denunciá-la às autori-
dades portuguesas, e manter-se, com o seu filho, no serviço de
Portugal.
Esses dois homens, Pedro e Jorge Reinel, foram os dois melho-
res cartógrafos do seu tempo. E foi com base nos seus conheci-
mentos que foi preparada em Sevilha, para a Coroa de Castela,
a primeira circum-navegação do planeta Terra. E, mais ou me-
nos ao mesmo tempo, nesse tão extraordinário ano de 1519, foi
Retrato de D. Leonor, irmã do Imperador Carlos V, terceira mulher, em 1518, do Rei também com base nos seus conhecimentos geográficos que foi
D. Manuel (sobrinha das duas falecidas mulheres anteriores), e mais tarde Rainha de desenhado em Lisboa, para a Coroa de Portugal, o "Atlas Mil-
França, num quadro a óleo de Joss Van Cleve (Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa)
ler"… o impressionantíssimo atlas que, então, paradoxalmente,
que, comprovadamente, durante vários meses de 1519, em am- foi produzido precisamente para tentar contrariar essa mesma
bos esses projectos (quer na feitura do "Atlas Miller" em Lisboa… circum-navegação do planeta Terra…! O atlas considerado o mais
quer na preparação da viagem de Magalhães em Sevilha…), des- célebre da História e da Cartografia dos Descobrimentos Geográ-
locando-se entre um e o outro lado da fronteira, participaram os ficos Europeus.
mesmos cartógrafos (!)… Pedro Reinel e o seu filho Jorge Reinel. Um trabalho assim, em que se deram as mãos a melhor ciência
A realidade, quando analisada de um ponto de vista histórico, então possível e a melhor arte então disponível, a curiosidade e
científico e crítico, é sempre ainda mais incrível do que a ficção a beleza, o rigor e o exotismo (e alguma ardilosa artimanha…), na
(e por isso fazem mal, e sabem pouco de História, aqueles que representação de novas terras extraeuropeias, só poderia então
ter sido feito num país como Portugal. Um país em que coexis-
andam sempre a procurar deliberadamente inventar "enigmas", tiam então portugueses luso-flamengos e portugueses luso-afri-
"mistérios", e "agentes secretos", até onde provavelmente os não canos… Um país em que pôde, nesse momento, acontecer uma
haja… pois eles às vezes existem mesmo, e também existem ca- situação tão incrível e tão extraordinária como essa… encontra-
sos estranhíssimos e quase incríveis, e até nas situações de maior rem-se, numa invulgar parceria, cruzando as suas mãos para a
normalidade, quanto mais nos meios especializados da informa- criação de uma fascinante obra-prima, três homens… um cartó-
ção e da contra-informação, da espionagem e da geopolítica…). grafo negro, um fidalgo ibérico, e um pintor flamengo… Pedro
O filho, jovem, havia-se deixado aliciar, tal como Diogo Ribeiro Reinel, Lopo Homem, e António de Holanda…
(Diego Ribero), e outros, para ir para o lado de lá da fronteira, Repetimos: extraordinária situação. Extraordinária obra.
para Sevilha, e aí colaborar na preparação da expedição de Ma-
galhães e Faleiro. Mas, quando o pai o foi lá buscar, em Junho ou
Julho de 1519 (provavelmente, por incumbência das autoridades Alfredo Pinheiro Marques
portuguesas), para o trazer outra vez para o seu país, ele próprio, Centro de Estudos do Mar e das Navegações
antes de regressar e trazer consigo o filho, também desenhou ou Luís de Albuquerque — CEMAR (Figueira da Foz)
completou lá alguma carta náutica das que estavam a ser prepa-
radas para a expedição castelhana…!
Não há dúvida de que a Cartografia — então (como sempre…) N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
— era especialmente apreciada, útil e necessária, para os ser-
viços de política, diplomacia, informação e inteligência. E os Notas
cartógrafos, de dia e de noite (e, às vezes, fazendo de noite o 1 Artigo constituído por 3 partes, baseado nos estudos do autor incluídos em
contrário do que faziam de dia…?), eram procurados, aliciados e MARQUES, Alfredo Pinheiro, e THOMAZ, Luís Filipe, Atlas Miller, com introdução
requestados por todas as partes. Eram agentes valiosíssimos, e por Manuel Moleiro, e prefácio por Joaquim Ferreira do Amaral, Barcelona: M.
Moleiro Editor, 2006.
como tal tratados.
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