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REVISTA DA ARMADA | 570
Conversas com Marinheiros
QUANDO A MARINHA ENTRA EM CASA…
Sr. Carlos Mota é natural de a sentir mais a Marinha. Era muito jovem e as aventuras foram
OSetúbal, tem 75 anos e in- muitas… o navio era a carvão, e fazia quartos às caldeiras, mesmo
gressou na Marinha em 1965, enjoado. E sempre fiz o meu serviço enjoado, vomitava para cima
como 2º grumete, com apenas do carvão e metia para dentro da fornalha. Depois saía de quarto
18 anos. e nem ia à messe comer, só bebia chá e comia torradas e dormia
Em julho desse mesmo ano na parte de cima das máquinas, até entrar novamente de quarto.
iniciou a Instrução Técnica Es- Felizmente, depois nunca mais enjoei.
pecifica (ITE) de fogueiro moto- Foi neste navio que encontrei os primeiros “mestres da vida”,
rista, especialidade que hoje se com eles aprendi quase tudo, camaradas mais velhos, bravos
designa por Eletromecânico (EM, marinheiros e grandes amigos.
ex-CM). Cheguei a chorar com uma alavanca nas mãos a tirar jorra das
Prestou serviço na Marinha du- grelhas, para as fornalhas trabalharem mais livres, para darem
rante sete anos e meio, passando vapor suficiente para a máquina principal do navio.
por diversas unidades em terra, Tive neste navio uma experiência de como é a vida. O 1º Sargento
nomeadamente nos antigos Gru- de máquinas Serafim, mandou-me para a faina do molinete, pois
po nº1 e Grupo nº2 de Escolas da Armada, na Força de Fuzileiros como o navio era um navio hidrográfico, era necessário fazer
do Continente e na Base Aérea Nº 6 do Montijo. No mar, este- paragens para tirar amostras do fundo do mar, e o navio parava
ve embarcado no navio-hidrográfico Salvador Correia, na antiga muitas vezes. Então eu disse: “Sr. Sargento Serafim, eu não sei
Corte-Real, na Pêro Escobar e na LDP 203. trabalhar com o molinete”, e ele disse-me: “Não há problema,
Esteve em África no Comando Naval de Moçambique e na todas as vezes que o navio parar, vais com o teu camarada para
Esquadrilha de Lanchas do Lago Niassa.
Mas a sua história é muito mais que isto… e perguntam os o molinete, até aprenderes”. E assim foi, mas devo dizer que
nossos leitores: Afinal, quem é o Sr. Carlos Mota? aprendi logo à primeira. Enfim, histórias de um jovem que tinha
De sorriso fácil e uma simpatia que lhe é natural, o Sr. Mota é tudo para aprender.
um verdadeiro contador de histórias, e um empreendedor.
A sua passagem pela Marinha nunca a esqueceu, lembrando-a RA – Porquê a Marinha e não outro ramo das FA’s?
com saudade e nostalgia pelos bons tempos passados. CM – Escolhi a Marinha, primeiro porque gostava muito da
Como bom anfitrião que sabe ser, o Sr. Mota abriu-nos as portas Marinha, gostava da beleza da farda de marinheiro, pois conhecia
de sua casa para conhecermos o seu mini “museu”, do qual tanto alguns marinheiros mais velhos e que já eram grandes homens.
orgulho tem – foi a forma que encontrou de ter a Marinha sempre Aí pensei: seria uma boa ideia oferecer-me como voluntário para
presente na sua vida. a Marinha… e assim foi… e ainda hoje há pessoas que falam “O
Cada recanto conta-nos uma história, uma lembrança, uma Mota, aquele que era marinheiro”.
memória que ficou lá atrás no tempo. Mas o seu desejo, e vontade Tinha muito orgulho em vestir a farda de marinheiro!
de partilhar a sua grande paixão, traz-nos essas memórias até ao
presente. RA – Como foi a sua experiência em África?
Histórias de uma vida que cada parede; cada canto dessa sua CM – A minha experiência em África foi muito boa, fui em 1967
divisão chamemos-lhe museológica, falam por si, refletindo a de avião para Moçambique, e depois fui para o Lago Niassa,
paixão e o reconhecimento por tudo aquilo que tem hoje, o deve em Metangula. Fui no comboio do Catur, depois Vila Cabral,
à Marinha. Meponda e depois Metangula.
Vamos então conhecer um pouco melhor o Sr. Carlos Alberto da
Conceição Mota.
RA – Como foi a sua experiência, um jovem de 18 anos, cumprir
o Serviço Militar Obrigatório na Marinha?
CM – Foi uma experiência muitíssimo boa, pois fui encontrar
uma camaradagem muito interessante e todas as pessoas que
encontrei ensinaram-me muitas coisas para a vida e que até hoje
ainda estão bem presentes.
Ingressei na Marinha em abril de 1965, um jovem de 18 anos
sem experiência de vida… mas com bons instrutores e ótimos
camaradas que tive, me fiz homem, como se costuma dizer.
Sempre fui muito feliz na Marinha! Ali encontrei com os
estudos, a minha profissão para a vida.
Depois da recruta, fiz o curso de ITE e o curso de 1º grau de
fogueiro motorista.
A minha primeira experiência de embarque foi uma viagem à
Madeira e enjoei imenso... Em 14 de outubro de 1965 embarquei
no meu 1º navio, o NRP Salvador Correia, e foi lá que comecei O Sr. Carlos Alberto Conceição Mota.
FEVEREIRO 2022 21