Page 21 - Revista da Armada
P. 21

REVISTA DA ARMADA | 570

          Conversas com Marinheiros




          QUANDO A MARINHA ENTRA EM CASA…



                                     Sr. Carlos Mota é natural de    a sentir mais a Marinha. Era muito jovem e as aventuras foram
                                  OSetúbal,  tem  75 anos  e in-  muitas… o navio era a carvão, e fazia quartos às caldeiras, mesmo
                                  gressou na Marinha  em  1965,   enjoado. E sempre fiz o meu serviço enjoado, vomitava para cima
                                  como 2º grumete,  com apenas   do carvão e metia para dentro da fornalha. Depois saía de quarto
                                  18 anos.                    e nem ia à messe comer, só bebia chá e comia torradas e dormia
                                   Em  julho  desse mesmo ano   na parte de cima das máquinas, até entrar novamente de quarto.
                                  iniciou  a Instrução Técnica Es-  Felizmente, depois nunca mais enjoei.
                                  pecifica  (ITE)  de  fogueiro  moto-  Foi neste navio que encontrei os primeiros “mestres da vida”,
                                  rista,  especialidade que hoje se   com eles  aprendi  quase tudo,  camaradas mais velhos, bravos
                                  designa por Eletromecânico (EM,   marinheiros e grandes amigos.
                                  ex-CM).                      Cheguei a chorar com uma alavanca nas mãos a tirar jorra das
                                   Prestou serviço na Marinha du-  grelhas, para as fornalhas trabalharem mais livres, para darem
                                  rante sete anos e meio, passando   vapor suficiente para a máquina principal do navio.
                                  por diversas unidades em terra,   Tive neste navio uma experiência de como é a vida. O 1º Sargento
                                  nomeadamente nos antigos Gru-  de máquinas Serafim, mandou-me para a faina do molinete, pois
          po nº1 e Grupo nº2 de Escolas da Armada, na Força de Fuzileiros   como  o  navio  era  um  navio  hidrográfico,  era  necessário  fazer
          do Continente e na Base Aérea Nº 6 do Montijo. No mar, este-  paragens para tirar amostras do fundo do mar, e o navio parava
          ve embarcado no navio-hidrográfico Salvador Correia, na antiga    muitas vezes. Então eu disse: “Sr. Sargento Serafim, eu não sei
          Corte-Real, na Pêro Escobar e na LDP 203.           trabalhar com o molinete”, e ele disse-me: “Não há problema,
           Esteve em África no  Comando  Naval  de Moçambique  e na   todas as vezes que o navio parar, vais com o teu camarada para
          Esquadrilha de Lanchas do Lago Niassa.
           Mas  a  sua  história  é  muito  mais  que  isto…  e  perguntam  os   o  molinete,  até  aprenderes”. E assim foi, mas  devo dizer  que
          nossos leitores: Afinal, quem é o Sr. Carlos Mota?  aprendi logo à primeira. Enfim, histórias de um jovem que tinha
           De sorriso fácil e uma simpatia que lhe é natural, o Sr. Mota é   tudo para aprender.
          um verdadeiro contador de histórias, e um empreendedor.
           A sua passagem pela Marinha nunca a esqueceu, lembrando-a   RA – Porquê a Marinha e não outro ramo das FA’s?
          com saudade e nostalgia pelos bons tempos passados.  CM –  Escolhi  a Marinha,  primeiro porque gostava muito da
           Como bom anfitrião que sabe ser, o Sr. Mota abriu-nos as portas   Marinha, gostava da beleza da farda de marinheiro, pois conhecia
          de sua casa para conhecermos o seu mini “museu”, do qual tanto   alguns marinheiros mais velhos e que já eram grandes homens.
          orgulho tem – foi a forma que encontrou de ter a Marinha sempre   Aí pensei: seria uma boa ideia oferecer-me como voluntário para
          presente na sua vida.                               a Marinha… e assim foi… e ainda hoje há pessoas que falam “O
           Cada  recanto  conta-nos  uma  história,  uma  lembrança,  uma   Mota, aquele que era marinheiro”.
          memória que ficou lá atrás no tempo. Mas o seu desejo, e vontade   Tinha muito orgulho em vestir a farda de marinheiro!
          de partilhar a sua grande paixão, traz-nos essas memórias até ao
          presente.                                            RA – Como foi a sua experiência em África?
           Histórias de uma vida que cada parede; cada canto dessa sua   CM – A minha experiência em África foi muito boa, fui em 1967
          divisão  chamemos-lhe  museológica,  falam  por  si,  refletindo  a   de avião para Moçambique,  e depois  fui  para o  Lago  Niassa,
          paixão e o reconhecimento por tudo aquilo que tem hoje, o deve   em  Metangula.  Fui  no  comboio do  Catur, depois  Vila  Cabral,
          à Marinha.                                          Meponda e depois Metangula.
           Vamos então conhecer um pouco melhor o Sr. Carlos Alberto da
          Conceição Mota.
           RA – Como foi a sua experiência, um jovem de 18 anos, cumprir
          o Serviço Militar Obrigatório na Marinha?
           CM – Foi uma experiência muitíssimo boa, pois fui encontrar
          uma camaradagem muito interessante e todas as pessoas que
          encontrei ensinaram-me muitas coisas para a vida e que até hoje
          ainda estão bem presentes.
           Ingressei na Marinha em abril de 1965, um jovem de 18 anos
          sem  experiência  de  vida…  mas  com  bons  instrutores  e  ótimos
          camaradas que tive, me fiz homem, como se costuma dizer.
           Sempre fui  muito feliz  na Marinha!   Ali  encontrei com os
          estudos, a minha profissão para a vida.
           Depois da recruta, fiz o curso de ITE e o curso de 1º grau de
          fogueiro motorista.
           A minha primeira experiência de embarque foi uma viagem à
          Madeira e enjoei imenso... Em 14 de outubro de 1965 embarquei
          no meu 1º navio, o NRP Salvador Correia, e foi lá que comecei    O Sr. Carlos Alberto Conceição Mota.


                                                                                                  FEVEREIRO 2022  21
   16   17   18   19   20   21   22   23   24   25   26