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A MARINHA DE D. MANUEL (17)
De novo na Índia
De novo na Índia
assim passámos mês. O caminho foi dife-
esta tempestade rente do que tomara o Ga-
“evinte dias conse- ma: não foi à procura de
cutivos sempre em árvore Calecut cruzando o canal
seca; até que aos dezasseis dos 9º, mas seguiu um pou-
do mês de Junho houvemos co mais a norte até à ilha de
vista da terra da Arábia Angediva (14° 45’ N), onde
onde surgimos; e chegados está duas semanas a reparar
à costa pudemos fazer uma os navios e a reabastecer de
boa pescaria” – isto nos diz água e lenha. Esta paragem
um piloto da esquadra de parece não ser ocasional, na
Cabral, de quem não sabe- medida em que por ali já
mos o nome (Relato do Piloto passara Vasco da Gama,
Anónimo). Trata-se da tal sabendo-se que era local de
tempestade que assolou os escala das chamadas naus
navios, à passagem do de Meca (as naus de mou-
Cabo da Boa Esperança, fa- ros que comerciavam espe-
zendo dispersar a frota e ciaria em Calecut e seguiam
levando à perda de quatro para o Mar Vermelho). O
deles. Logo a seguir nos re- Relato do Piloto Anónimo
vela que chegaram a Sofala, Indígenas da região de Moçambique, segundo Jan Huygen van Linschoten. diz-nos que “tanto que alli
local onde os portugueses Gravura do final do séc. XVI. chegámos, descemos em
viriam a erigir uma for- terra, e estivemos bons
taleza para controlar o tráfico do ouro que conduziria no caminho para norte, até quinze dias a tomar as ditas provisões;
vinha do interior de África, pelo vale do Quíloa e Melinde. Tanto quanto nos diz aguardando entre tanto se vinhão as nãos
rio Zambeze. Este ouro era um dos ele- João de Barros (Década Primeira) D. Manuel de Meca, que queríamos aprezar, se nos
mentos importantes do circuito comercial tinha dado instruções para que se estabele- fosse possível”, o que é bem significativo
do Oceano Índico, e a razão porque a in- cesse contacto com o rei de Quíloa, de das suas intenções.
fluência muçulmana tinha chegado até ai. forma pacífica e procurando estabelecer
Com base na presença e na língua árabes, acordos comerciais. Porém, Cabral não Finalmente decide-se avançar até
ao longo de toda a costa oriental africana, devia desembarcar para não se sujeitar a Calecut, onde chegam a 13 de Setembro.
desenvolveu-se uma civilização crioula qualquer traição, de forma que propôs um Após a prolongada estadia em Angediva
que vivia essencialmente do comércio dos encontro no mar, em embarcações que se era natural que já corressem notícias da
produtos africanos que assim entravam na aproximariam até poderem comunicar de presença portuguesa por todo o Malabar,
rede do Índico. Esse mundo swahili (como viva voz. Tal aconteceu, mas os resultados de forma que, a cerca de uma légua da
ficou conhecido) era formado por peque- foram muito precários, dadas as reservas cidade, esperava-os uma comitiva de
nos potentados sedeados em pontos chave do rei, sempre esquivo a qualquer trato. Os embarcações, com representantes locais e
da afluência comercial, como era o caso de seis navios que restavam acabaram por um rico mercador guzerate que disse a
Mombaça, Quíloa, Melinde e Sofala. Ora - zarpar para Melinde. Cabral ter o Samorim grande prazer com a
como estaremos lembrados - à passagem sua presença, convidando-o a entrar no
de Vasco da Gama em 1498, alguns desses Deve notar-se que a postura de Pedro porto e a fundear. O Capitão assim decidiu
pequenos poderes locais manifestaram a Álvares Cabral na costa africana (e mesmo e, quando estavam perto da cidade re-
sua hostilidade aos portugueses, mas o rei na Índia, como veremos) é bem diferente solveu mandar disparar a artilharia em
de Melinde recebeu muito bem os navios, da que tivera Vasco da Gama. À partida salva, cumprindo um costume europeu de
fornecendo até um piloto para os conduzir sente-se muito mais seguro, dadas as infor- saudação aos habitantes locais. Era um
à Índia. Este facto não foi mais do que o re- mações que já possui acerca daqueles locais hábito desconhecido daquela gente que
flexo da própria política local, onde um e do que neles se faz; mas, sobretudo, o provocou grande susto e algum impacte
soberano viu a presença portuguesa, e o poder da sua esquadra é muito maior po- negativo, levando a que as gentes fugissem
poder naval a ela associado, como um fac- dendo mostrar-se como o representante de da praia e se recolhessem a casa em
tor que o poderia apoiar nos conflitos con- um reino distante e poderoso, em vez de alvoroço. No dia seguinte, Cabral mandou
tra os seus rivais. um capitão tímido à procura de ajuda para desembarcar os homens que Vasco da
chegar à Índia. Cabral sabe onde está, sabe Gama tinha capturado, procurando trans-
Cabral levava, pela certa, informações que o rei de Melinde quer a sua amizade e mitir uma imagem de boa vontade e ami-
mais concretas que o seu antecessor, de sabe que tem poder suficiente para impor zade, mas os interesses que se jogavam em
forma que seguiu de imediato para as condições do rei de Portugal. Calecut eram muito fortes e nem tudo iria
Moçambique onde esteve seis dias a correr da melhor forma.
reparar os navios e a reabastecer-se, sem Com dois pilotos guzerates (Barros) sai
que ocorressem quaisquer problemas. de Melinde a 7 de Agosto dirigindo-se à J. Semedo de Matos
Conseguiu até a ajuda de um piloto que o costa indiana onde chega a 22 do mesmo CFR FZ
REVISTA DA ARMADA • AGOSTO 2001 13