Page 337 - Revista da Armada
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PATRONO DO NOVO CURSO DA ESCOLA NAVAL



                         Gaspar Corte Real
                         Gaspar Corte Real




               aspar Corte Real nasceu em Tavira, cerca de 1450, no seio  cuja existência já tinha sido intuída?... A concessão que lhe faz
               de uma família empreendedora e ambiciosa, ligada ao  D. Manuel no ano de 1500 diz claramente que são concedidos
         G mar e às conquistas ultramarinas desde os tempos do  direitos sobre “ilhas ou terra firme que venha a descobrir”, e esse
         infante D. Henrique. Seu pai fora fidalgo da casa de D. Fernando,  parece ser o propósito mais óbvio de uma iniciativa efectuada a
         duque de Viseu e irmão de Afonso V. Homem de grande energia  custas próprias, depois do oceano ocidental já ter sido dividido
         - João Vaz Corte Real, de seu nome - concentrou a sua actividade  entre portugueses e espanhóis, com o Tratado de Tordesilhas. De
         entre Ceuta, Tavira e os Açores, onde foi capitão donatário de  que lhe valia descobrir uma passagem se ela conduzia ao espaço
         Angra e da ilha de S. Jorge. Para os negócios ultramarinos arras-  de jurisdição espanhola? Estaria a empenhar os seus bens numa
         tou naturalmente os filhos, mas foi a Gaspar que coube partir para  empresa de que não poderia colher frutos. Gaspar Corte Real
         as ilhas atlânticas ainda com tenra idade, recebendo as suas  procurava terras e encontrou-as, de facto. Só não conseguiu
         próprias terras e administrando a capitania em nome do pai, sem-  alcançá-las em 1500 porque os mares gelados não lho permitiram.
         pre que ele se ausentava. A                                                   Contudo, no ano seguinte foi até
         condição de filho mais novo não                                               ao cabo que já avistara, con-
         lhe dava grandes vantagens                                                    tornou-o por sul e voltou a en-
         numa eventual herança, e isso                                                 contrar terra que foi explorando,
         estimulou-lhe o engenho e a                                                   numa extensão de varias cente-
         argúcia para intuir novas empre-                                              nas de milhas, consubstanciando
         sas, levando-o buscar a seu                                                   o aspecto mais importante do
         espaço, num Portugal onde                                                     que era o “descobrimento” do
         fervilhavam os sonhos de ilhas                                                século XV e XVI: saber exacta-
         distantes, com navios a partir e a                                            mente como tinha sido encontra-
         chegar a todo o instante. À corte,                                            da a nova terra, para que lá se
         a Lisboa, de toda a parte vinham                                              pudesse voltar sempre.
         homens pedir ao rei que lhes                                                    A 9 de Outubro de 1501, chega
         desse meios e autorização para                                                a Lisboa uma das naus que o
         descobrir terras além oceano, e                                               acompanhara. Trás a bordo
         naturalmente que as ilhas dos                                                 grande quantidade de produtos
         Açores deviam ser um local                                                    locais e sete nativos capturados.
         privilegiado para que a imagi-                                                Outro navio chega a 11 do mes-
         nação se soltasse, entusiasman-                                               mo mês, trazendo cerca de cin-
         do os aventureiros que olhavam                                                quenta cativos e também produ-
         para o mar, do alto das escarpas,                                             tos locais. Dizem-nos os que
         vendo o sol desaparecer para lá                                               voltaram que aquelas terras ti-
         do horizonte.                                                                 nham pinheiros muito altos, ade-
           Gaspar esteve, portanto, no                                                 quados para fazer mastros, fru-
         centro desta vertigem de desco-                                               tos diversos e deliciosos, animais
         brir coisa novas e de obter assim                                             e gente que se dedicava à pesca
         os meios de criar a sua própria                                               num mar excepcionalmente rico.
         fortuna. E sabe-se que, antes do                                              Era o bacalhau da Terra Nova,
         final do século, fez uma ou mais                                              que viria a ser conhecido dos
         expedições organizadas com                                                    portugueses até à actualidade.
         custos, pessoal e navios pró-  Monumento a Gaspar Corte Real em S. John na Terra Nova.  Uma carta náutica portuguesa,
         prios. O que não conhecemos é                                                 datada de 1502, mostra-nos, de
         qual o destino que levaram, nem temos qualquer notícia de  facto, a Terra Nova, com as árvores muito direitas, tal como cons-
         descobertas feitas nessa altura. Contudo, no princípio do Verão  tam no relato. E está enganadoramente puxada para Leste, para
         do ano de 1500, saiu de Lisboa com uma nau possante, passou em  que possa ser chamada de Terra de el-Rei de Portugal. Por cima,
         Angra, onde se lhe juntou outro navio, e seguiu para noroeste até  num listel, diz-nos que foi descoberta por Gaspar Corte Real, por
         avistar uma terra a que chamou de Terra Verde (talvez a  mandado do referido rei. É a derradeira informação sobre o
         Groenlândia, que daí herdou o nome). Não conseguiu aproximar-  insigne marinheiro que mandou seguir os navios para Portugal e
         -se devido aos gelos e apenas lhe ficaram as imagens de altas  que resolveu ficar no noroeste atlântico, continuando a explorar a
         montanhas com densos arvoredos, olhados de um mar pejado do  costa que descobrira. Nova Escócia? Nova Inglaterra?... Até onde
         bacalhau que já era conhecido da Europa, apanhado e seco pelos  terá chegado?... Não sabemos. Desapareceu como?... Talvez
         ingleses e irlandeses ao largo das ilhas Feroé e da Islândia.  engolido por um ciclone extra-tropical, como viria a acontecer
         Regressou a Lisboa ainda nesse ano, mas pelos meados da pri-  com muitos outros navios ao longo dos séculos seguintes. Pagou
         mavera de 1501, partiria de novo. Desta vez levava três navios e  com a vida a perseverança com que quis continuar a sua missão,
         estava decidido a não voltar sem trazer notícias mais concretas  mas não deixou de mandar a Portugal a notícia daquela nova
         sobre o que avistara.                                terra que veio a ser a Terra Nova do Bacalhau.
           Especula-se hoje sobre o que procurava efectivamente Gaspar
         Corte Real: seriam, de facto, terras ou ilhas? ou seria uma outra                         J. Semedo de Matos
         passagem para o Oriente, contornando o continente americano,                                      CFR FZ
                                                                                   REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 2001  11
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