Page 344 - Revista da Armada
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cerne às áreas específicas da navegação e
                                                                               marinharia. Assim se justifica a falta de ele-
                                                                               mentos relativos a boa parte da navegação
                                                                               no Estreito. Outra hipótese relaciona-se
                                                                               com um número restrito de pontos con-
                                                                               spícuos, de toponímia inexistente, que seria
                                                                               muito mais difícil recordar ao escrever o
                                                                               diário muitos meses depois.
                                                                                 Assim os relatos dos acontecimentos
                                                                               dramáticos da Baía de S. Julian e as
                                                                               questões relacionadas com as relações
                                                                               interpessoais, e outras de “leadership”,
                                                                               parecem atrair a atenção hodierna para
                                                                               um estudo “a posteriori” das principais
                                                                               personagens envolvidas, remetendo para
                                                                               segundo plano o grande feito estritamente
                                                                               náutico da passagem. Como termo de
                                                                               comparação com outra menos feliz, em
         Vista aérea da entrada Leste do Estreito (Segunda Angostura e Bahía de San Felipe).
                                                                               data próxima, inclui-se um resumo da
           Foi nesta zona, ao largo da pequena e  condições atmosféricas e de visibilidade,  viagem da esquadra saída da Corunha
         acolhedora povoação chilena de Porvenir,  em curtos intervalos, que verificámos.  sob o comando de Jofre de Loaysa.

                                                                                 A primeira travessia pelo Estreito
                                      O ESTREITO                               durou de 21 de Outubro a 28 de Novem-
                                                                               bro de 1520. A entrada no novo Oceano
            Actualmente o Estreito de Magalhães encontra-se totalmente em águas territoriais chilenas, excepto
          na extremidade da entrada Leste que pertence à Argentina. Tem cerca de 350 milhas (560 km) de com-  rumando às temperaturas mais amenas a
          primento e uma largura que varia entre 2 e 20 milhas (3–32 km).      Norte punha fim a um pesadelo. A der-
            Depois da entrada entre o Cabo Vírgenes e a Punta Catalina, o Estreito dirige-se com uma orien-  rota correspondente à travessia do
          tação SW, através da Primera e Segunda Angostura (Estreitos), ao Paso Ancho, que se orienta sensivel-
          mente na direcção Norte-Sul. Nos cabos San Isidro e Froward, no extremo Sul deste Paso Ancho,  Pacífico foi caracterizada por bom
          curva para WNW, direcção que aproximadamente mantém até a saída no Pacífico junto ao Cabo Pilar,  tempo, levando a ser baptizada de
          não longe do Cabo Deseado, ambos na Isla Desolación. O único porto importante nesta área é o de  “Oceano Pacífico” a recente descoberta,
          Punta Arenas, situado no Paso Ancho na Península de Brunswick.       embora nem sempre favorável à pro-
            O Estreito, que foi inicialmente chamado de “Todos os Santos” (os topónimos “Estreito da Vitória”,  gressão dos três navios. Todavia a
          “Madre de Deus” ou dos “Patagões”, tiveram escassa difusão), tem  enseadas em que desaguam
          pequenos cursos de água, ficando outras perto de diversos glaciares, que permitem abrigos razoáveis  escassez de abastecimentos levados à
          durante o atravessamento e algumas possibilidades de arranjar víveres.  partida, a impossibilidade de dispor de
                                                                               alimentos frescos e todos os condicio-
                                                                               nalismos de conservação na época,
                                                                               causaram a perda de muitas vidas, moti-
         tendo como fundo a Cordilheira de Darwin,  Magalhães, depois de aguardar quatro dias  vada essencialmente pelo escorbuto. Na
         com vários picos acima dos 2.000 metros  no Paso de Los Boquerones, deixou em ter-  fase final foram comidos os coiros
         frequentemente encobertos, que se deu a  ra um marco com
         deserção da “San Antonio”(destacado com  uma carta dirigida à
         a “Concepción” para verificarem se a “Boca  “San Antonio”, com
         do SW tinha saída para o mar largo”) que  a indicação da rota
         regressou a Sevilha. Esta fuga, instigada  que previa seguir.
         pelo piloto Estêvão Gomes que desde o iní-  Os relatos de
         cio se considerou lesado nos seus negócios  Pigafetta, de pri-
         com o Imperador Carlos V com o advento  mordial importân-
         de Magalhães, redundou num rude golpe  cia e versando um
         nas reservas de mantimentos para a traves-  largo leque de áreas
         sia do Pacífico. O abandono inobservado do  do conhecimento,
         navio foi relativamente fácil se tivermos em  são menos “profis-
         conta as repentinas mudanças extremas nas  sionais” no que con-  Cruzador “S. Gabriel” junto ao Cabo Froward.

                                                                               demolhados, ratos e serradura de
                                                                               madeira. Durante a viagem a tripulação
                                                                               apenas avistou algumas pequenas ilhas
                                                                               desabitadas e “atols”, sem possibilidade
                                                                               de se reabastecer o que, dada a profusão
                                                                               de ilhas de certas zonas do Pacífico por
                                                                               onde passaram, parece quase inacre-
                                                                               ditável.
                                                                                 Na proximidade da Insulíndia é aceite
                                                                               que o primeiro contacto tenha sido feito
                                                                               na ilha inicialmente chamada “das
                                                                               Velas“ e seguidamente “dos Ladrões”,
                                                                               devido a alguns acontecimentos menos
                                                                               agradáveis, e agora designada por
         Zona dos Cabos San Isidro e Froward.                                  Guam. Os habitantes actuais repudiam
         18 NOVEMBRO 2001 • REVISTA DA ARMADA
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