Page 342 - Revista da Armada
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O MOSAICO DO ÁRCTICO
O MOSAICO DO ÁRCTICO
Colocados perante a tarefa de
transmitir as sensações dos
grandes espaços Árcticos, a
primeira ideia que surge é a
dum retorno ao confronto entre
o homem e a natureza sem inter-
mediários. Certamente a natu-
reza omnipresente reivindica o
seu papel proeminente, mas não
de um modo limitativo. O con-
tacto com os habitantes e a sua
cultura de sobrevivência con-
duz-nos lentamente a uma as-
serção do seu valor. Quando
pensamos nos inúmeros explo-
radores e curiosos dos gelos em
penosa luta contra o brilho do
ambiente que frequentemente
os levava à cegueira, como
parece ter acontecido a Valdívia
durante a travessia de conquista
dos Andes, e constatamos que os
Inuit resolveram o problema há
muitos anos com óculos de ma-
deira nos quais efectuaram uma
minúscula incisão rectangular
criteriosamente feita, não po-
demos deixar de os admirar.
Dissecar tudo quanto diz res-
peito ao Árctico afigura-se uma
tarefa difícil além de inútil. Fig. 1 – Mapa Político da região árctica com a indicação da linha de demarcação pela isotérmica dos 10° centigrados.
Logo um primeiro escolho surge assim propostas diversas linhas de demar- gelos marítimos de Inverno (linha a ver-
“ab initio” com a resposta à per- cação. Vejamos as de maior aceitação. melho) e o limite Setentrional das árvores
gunta: Que terras e populações A mais intuitiva seria a de considerar o (a amarelo).
são englobadas no Árctico? Árctico, fria e lapalicianamente, composto Outra alternativa, mais objectiva, adopta-
por todas as áreas a Norte do Círculo Polar da no mapa da Fig. 1, desenha a linha de
Árctico (cerca de 66° 30´ N), com um total demarcação pela isotérmica dos 10° C de
esposta difícil, tão difícil quanto a de de aproximadamente 12.000.000 km , onde modo a englobar as zonas em que a tempe-
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definir as relações entre os compo- o Sol, pelo menos um dia no ano, per- ratura média do mês mais quente do ano é
Rnentes dos agregados familiares manece sempre acima do horizonte. inferior a este valor.
primitivos dos Esquimós! Opõem-se-lhe, porém, alternativas igual- No que se refere às sociedades esquimós
Mas voltemos à pergunta inicial à qual um mente lógicas, baseadas no tipo de vege- começamos por observar que vão buscar a
esquimó eventualmente responderia: todo o tação e fauna, com uma consequente maior sua identidade à dos seus antepassados
Meu Mundo! Resposta certamente escassa aproximação das culturas dos seus habi- remotos. Posteriormente foram sendo per-
para os esquemas de raciocínio contemporâ- tantes. Concretizar-se-ia, assim, uma meáveis aos condicionalismos das socie-
neo, todavia profunda no seu conceito de destas pelo limite setentrional das árvores, dades de que eram “hóspedes”: da Escan-
posse basicamente impossível, com excepção i. e. na passagem das zonas da taiga de dinávia os Saami; da Rússia os Chukchi e os
dos parcos haveres, dado o efémero dos seus coníferas à tundra, caracterizada pelos Yup´ik Siberianos; do Alasca os Atha-
glaciares, gelos móveis e fixos, das auroras seus líquenes (linha a castanho no mapa da paskan; do Canadá os Inuit Canadianos e
boreais e até mesmo dos seus temporais Fig. 2). Nota-se que neste caso o critério é da Groenlândia os Inuit da Groenlândia.
assustadores. Não é pois de estranhar que, de difícil materialização sobre as águas e Por circunstâncias peculiares parece que foi
sendo hoje os actuais trabalhos científicos gelos. No mesmo mapa são indicados os na Rússia a zona onde gozaram de maior
interdisciplinares, tenha sido essencial limites médios dos gelos marítimos de liberdade em viverem de acordo com os
dividir, balizar, confinar, circunscrever. São Verão (linha a cinzento), os limites dos seus hábitos.
16 NOVEMBRO 2002 • REVISTA DA ARMADA