Page 204 - Revista da Armada
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O ÁLBUM DO SÍRIUS
O ÁLBUM DO SÍRIUS
o dia 17 de Setem-
bro de 1980 apre-
Nsentei-me no Mu-
seu de Marinha e comecei
a escrever um diário. Um
diário técnico, onde pas-
sei a registar todos os
acontecimentos que, se-
gundo a minha avaliação,
poderiam ajudar-me nes-
ta nova actividade. Nele
escrevi, não só assuntos
ligados à vida do Museu
como, especialmente, as
informações que ia tendo
de pessoas que possuíam
ou sabiam onde se encon-
travam peças possíveis de
um dia ser incorporadas
nas suas colecções.
Este diário foi, e continua
a ser, um modo eficaz para
me fazer lembrar a história
desse belo museu instalado
no Mosteiro dos Jerónimos, Capa e contra-capa do álbum do Sírius exibindo as magníficas ferragens.
porque a memória – levei
tempo a perceber – é duplamente traiço- desafiou para rever o álbum do Sírius e, Luís Filipe Maria Fernando Pedro de
eira, principalmente porque desaparece sobre ele, escrever umas linhas. Alcântara António Miguel Rafael Gabriel
sem deixar rasto, o que é mau. Todavia, É evidente que, para falarmos do álbum Gonzaga Xavier Francisco d’Assis João
pior ainda é quando a lembrança das coi- temos, antes de mais nada, dedicarmos Augusto Júlio Volfrando Saxe Coburgo
sas ou das pessoas, ou de episódios que algumas linhas a D. Luís e, naturalmente, Gotha de Bragança e Bourbon, que nas-
com estes se passaram, devido a meca- àquela real embarcação. ceu em 31 de Outubro de 1833, seria rei de
nismos que não consigo entender, 1861 a 1889 e – o que muito nos or-
se deturpa, levando-nos a alterar gulha – oficial de Marinha e, mais,
a verdade sem, todavia, nos aper- comandou navios.
cebermos. Portanto, e estou a re- A sua vida militar podemos di zer
petir-me, um diário é um precioso que começou naquele dia de 23 de
instrumento de trabalho que muito Outubro de 1846, quando na Sala
me tem ajudado. do Risco, estando formada a Compa-
O leitor que me perdoe este lon- nhia de Guardas- Marinhas, entraram
go intróito quando, o que lhe que- Sua Majestade a Rai nha D. Maria II,
ro dizer é que nesse diário, na data acompanhada por D. Fer nando e os
de 12 de Maio de 1983, escrevi o príncipes D. Pedro e D. Luís. Ainda
seguinte: sem treze anos feitos, mas trajando o
“O Almarjão tem um álbum do uniforme de aspirante de marinha,
palhabote Sírius, com um bela en- D. Luís é apresentado por Sua Ma-
cadernação exibindo as armas reais. jestade ao então director interino
Quem nos deu esta informação foi da Escola Naval e comandante da
o comandante Roque Martins, que Companhia de Guardas -Marinhas,
temos de apanhar, pois é uma pes- o 1º tenente Joaquim José Gonçal-
soa muito interessada pelos aspec- ves de Matos Correia, afim de ser
tos culturais. É a segunda vez que reconhecido e alistado. Na frente
aqui o referimos”. da Companhia, o comandante leu
O álbum não veio para o Museu a Carta Régia que fazia de D. Luís
porque o senhor Almarjão, proprie- guarda-marinha da Armada Nacio-
tário da Livraria Histórica e Ultra- nal. Depois, alguns dos mais novos
marina e que também é colecciona- aspirantes, aos quais se associou o
dor, não quis desfazer-se da peça. recentemente promovido guarda-
Curiosamente, foi o mesmo Roque -marinha, entraram no navio mode-
Martins, que não chegou a ir para o lo Paciência e começaram a subir à
Museu, mas que hoje desempenha enxárcia de estibordo do mastro do
as funções de Director desta Revis- traquete. Foi quando Sua Majestade
ta, e agora, passados que foram 22 Fotografia do Rei D. Luís sentado numa das cadeiras “Pillement” que se en- a Rainha não resistiu e disse: “Luís,
anos daquela primeira notícia, me contram hoje no Palácio da Ajuda. anda para baixo!”
22 JUNHO 2005 U REVISTA DA ARMADA