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A MARINHA DE D. JOÃO III (6)



                          A Índia – anos difíceis
                          A Índia – anos difíceis



               s primeiros anos do reinado de  circundante que lhe servia de apoio, por  dida da fama do velho capitão e das espe-
               D. João III não foram fáceis para a  causa de novo ataque do Hidalcão e o am-  ranças que nele se depositaram, para que
         OÍndia, sobretudo pela desordem de  biente global sentido na Índia era o de que  recuperasse uma antiga ordem na Índia. A
         que foram responsáveis alguns dos gover-  o governador era responsável pelo que era  sua passagem por Moçambique foi marca-
         nadores, fosse por desleixo ou cobiça,                                    da pela perda de dois navios devido a
         fosse por falta de firmeza. O primeiro                                     problemas de navegação nos baixos,
         desses governadores foi D. Duarte de                                      em circunstâncias de mau tempo, pro-
         Menezes, cuja acção no norte de Áfri-                                     vocando alguma apreensão nas tripu-
         ca se tinha revelado de grande valor.                                     lações. Diz-se, então, que num deter-
         Quando D. Manuel o nomeou para                                            minado dia, de um momento para o
         exercer o cargo na Índia, contava com                                     outro se sentiu uma enorme agitação
         mais de uma dezena de anos como                                           do mar, provocando imediatamente o
         capitão de Tânger, onde sofrera, com                                      pânico, com pessoal a acudir ao leme e
         ânimo e tenacidade, uma das mais vio-                                     às bombas. Vasco da Gama, por saber
         lentas fases da guerra africana. Toda-                                    que não havia perigo ou para pôr cal-
         via, a sua estadia no Oriente não teve                                    ma naquela gente, subiu ao tombadilho
         o mesmo brilho e ficou marcada até                                         e bradou ao pessoal “Não há que temer,
         por um continuada falta de firmeza                                         amigos: treme de nós o mar da Índia,
         que acabou por se reflectir no gover-                                      sinal que também suas terras fazem o
         no e nos (in)sucessos da guerra. Parti-                                   mesmo; prognóstico é de vitórias”.
         ra de Lisboa a 5 de Abril de 1521, com                                     Chegou a Goa em Setembro – onde
         quinze navios, chegando a Cochim                                          deixou D. Henrique de Meneses, como
         em Setembro desse mesmo ano. Não                                          capitão – e seguiu para Cochim, que
         se encontrou de imediato com o seu                                        continuava a funcionar como princi-
         antecessor, Diogo Lopes de Sequeira,                                      pal sede do poder português na Índia.
         porque este estava no mar navegando                                       Sabe-se que foram várias as medidas
         de Ormuz para Cambaia, com destino                                        que tomou, acerca da administração e,
         a Chaúl onde os portugueses tentavam                                      sobretudo, da guerra no mar, mas foi
         construir uma fortaleza, debaixo de um                                    atacado pela doença e viria a falecer
         ambiente bastante hostil e difícil. Rece-                                 em Cochim, na noite de Natal. Nestas
         beu a notícia da sua chegada ao mes-                                      condições, o procedimento da sua subs-
         mo tempo que uma caravela vinda do                                        tituição implicava a consulta dos docu-
         Golfo Pérsico lhe dava notícias de uma                                    mentos régios, secretos e selados, que
         traição ocorrida em Ormuz, onde um                                        só deveriam ser abertos nestas mesmas
         valido do rei local, Rais Xarafe, tinha                                   condições. Mandava D. João III que, por
         tomado na mão uma revolta contra                                          morte do conde almirante, o governo da
         os portugueses, assassinando quase                                        Índia fosse entregue a D. Henrique de
         todos os que estavam fora da fortale-                                     Meneses, como foi feito a partir de 1525.
         za, e destruído uma pequena feitoria                                      Para tomar posse saiu de imediato de
         que funcionava na cidade. Tratava-se                                      Goa, embarcando num navio de remo
         de um problema herdado e, no fundo,   O governador D. Henrique de Meneses.   que fez a viagem cosido com a terra, se-
         o resultado de muitas indefinições ou   Velha Goa – Galeria dos Vice-Reis.  guindo uma forma que se tornaria usual
         descuidos anteriores.              considerada uma quebra do temor aos por-  nos portugueses na Índia: a valorização das
           Na mesma época, perdeu Portugal a for-  tugueses, ao ponto de ensaiarem atacar as  esquadras de remo, cuja manobrabilidade
         taleza de Pacém, em circunstâncias a que  suas possessões e desprezar as limitações  se revelava muito útil nos combates contra
         não foi alheia a actuação do seu próprio  impostas à navegação. Não me parece que  as pequenas embarcações locais. Talvez com
         capitão. É verdade que a fortaleza era pre-  a conclusão seja óbvia, porque as circuns-  o objectivo de mostrar que a morte de Vas-
         cária, construída em madeira numa região  tâncias também foram responsáveis por  co da Gama em nada iria abrandar a pres-
         onde o clima não lhe permitiria durar mui-  muitos dos acontecimentos, mas não pode  são portuguesa, na sua viagem até Cochim
         to tempo, mas André Henrique, que a go-  deixar-se de notar que D. Duarte de Mene-  deixou um rasto de destruição por todos os
         vernava, não fez grande esforço para a de-  ses veio para Lisboa sob prisão, mandando  inimigos de Portugal. Voltarei a falar do go-
         fender ou beneficiar, preocupando-se sim  o rei que se retirasse para Torres Vedras e  verno de D. Henrique de Meneses a quem
         em retirar com os bens pessoais que tinha  lá ficasse às suas ordens, até resolução das  se deve a primeira grande avaliação con-
         o btido. Vamos, aliás, entrar num período  acusações de que era alvo.  creta do que seria o poder naval português
         em que os negócios do Extremo-Oriente   Entretanto a 9 de Abril de 1524 saíra de  na Índia, ao ordenar a feitura de um alardo
         vão passar por alguns problemas, quer em  Lisboa uma esquadra de 14 navios, coman-  de meios de combate que ficará conhecido
         Malaca, quer nas longínquas Molucas, mas  dada pelo grande Vasco da Gama, que, pela  como o “alardo de 1525”. É assunto para a
         será assunto a abordar especificamente,  terceira vez cruzaria o Cabo da Boa Espe-  próxima Revista.
         num próximo artigo.                rança para assumir o cargo de Vice-Rei da                          Z
           Entretanto na Índia, o território de Goa  Índia. Um pequeno episódio lendário rela-    J. Semedo de Matos
         via-se diminuído de uma parte do espaço  tado por Frei Luís de Sousa dá-nos a me-                 CFR FZ

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