Page 340 - Revista da Armada
P. 340
A MARINHA DE D. JOÃO III (6)
A Índia – anos difíceis
A Índia – anos difíceis
s primeiros anos do reinado de circundante que lhe servia de apoio, por dida da fama do velho capitão e das espe-
D. João III não foram fáceis para a causa de novo ataque do Hidalcão e o am- ranças que nele se depositaram, para que
OÍndia, sobretudo pela desordem de biente global sentido na Índia era o de que recuperasse uma antiga ordem na Índia. A
que foram responsáveis alguns dos gover- o governador era responsável pelo que era sua passagem por Moçambique foi marca-
nadores, fosse por desleixo ou cobiça, da pela perda de dois navios devido a
fosse por falta de firmeza. O primeiro problemas de navegação nos baixos,
desses governadores foi D. Duarte de em circunstâncias de mau tempo, pro-
Menezes, cuja acção no norte de Áfri- vocando alguma apreensão nas tripu-
ca se tinha revelado de grande valor. lações. Diz-se, então, que num deter-
Quando D. Manuel o nomeou para minado dia, de um momento para o
exercer o cargo na Índia, contava com outro se sentiu uma enorme agitação
mais de uma dezena de anos como do mar, provocando imediatamente o
capitão de Tânger, onde sofrera, com pânico, com pessoal a acudir ao leme e
ânimo e tenacidade, uma das mais vio- às bombas. Vasco da Gama, por saber
lentas fases da guerra africana. Toda- que não havia perigo ou para pôr cal-
via, a sua estadia no Oriente não teve ma naquela gente, subiu ao tombadilho
o mesmo brilho e ficou marcada até e bradou ao pessoal “Não há que temer,
por um continuada falta de firmeza amigos: treme de nós o mar da Índia,
que acabou por se reflectir no gover- sinal que também suas terras fazem o
no e nos (in)sucessos da guerra. Parti- mesmo; prognóstico é de vitórias”.
ra de Lisboa a 5 de Abril de 1521, com Chegou a Goa em Setembro – onde
quinze navios, chegando a Cochim deixou D. Henrique de Meneses, como
em Setembro desse mesmo ano. Não capitão – e seguiu para Cochim, que
se encontrou de imediato com o seu continuava a funcionar como princi-
antecessor, Diogo Lopes de Sequeira, pal sede do poder português na Índia.
porque este estava no mar navegando Sabe-se que foram várias as medidas
de Ormuz para Cambaia, com destino que tomou, acerca da administração e,
a Chaúl onde os portugueses tentavam sobretudo, da guerra no mar, mas foi
construir uma fortaleza, debaixo de um atacado pela doença e viria a falecer
ambiente bastante hostil e difícil. Rece- em Cochim, na noite de Natal. Nestas
beu a notícia da sua chegada ao mes- condições, o procedimento da sua subs-
mo tempo que uma caravela vinda do tituição implicava a consulta dos docu-
Golfo Pérsico lhe dava notícias de uma mentos régios, secretos e selados, que
traição ocorrida em Ormuz, onde um só deveriam ser abertos nestas mesmas
valido do rei local, Rais Xarafe, tinha condições. Mandava D. João III que, por
tomado na mão uma revolta contra morte do conde almirante, o governo da
os portugueses, assassinando quase Índia fosse entregue a D. Henrique de
todos os que estavam fora da fortale- Meneses, como foi feito a partir de 1525.
za, e destruído uma pequena feitoria Para tomar posse saiu de imediato de
que funcionava na cidade. Tratava-se Goa, embarcando num navio de remo
de um problema herdado e, no fundo, O governador D. Henrique de Meneses. que fez a viagem cosido com a terra, se-
o resultado de muitas indefinições ou Velha Goa – Galeria dos Vice-Reis. guindo uma forma que se tornaria usual
descuidos anteriores. considerada uma quebra do temor aos por- nos portugueses na Índia: a valorização das
Na mesma época, perdeu Portugal a for- tugueses, ao ponto de ensaiarem atacar as esquadras de remo, cuja manobrabilidade
taleza de Pacém, em circunstâncias a que suas possessões e desprezar as limitações se revelava muito útil nos combates contra
não foi alheia a actuação do seu próprio impostas à navegação. Não me parece que as pequenas embarcações locais. Talvez com
capitão. É verdade que a fortaleza era pre- a conclusão seja óbvia, porque as circuns- o objectivo de mostrar que a morte de Vas-
cária, construída em madeira numa região tâncias também foram responsáveis por co da Gama em nada iria abrandar a pres-
onde o clima não lhe permitiria durar mui- muitos dos acontecimentos, mas não pode são portuguesa, na sua viagem até Cochim
to tempo, mas André Henrique, que a go- deixar-se de notar que D. Duarte de Mene- deixou um rasto de destruição por todos os
vernava, não fez grande esforço para a de- ses veio para Lisboa sob prisão, mandando inimigos de Portugal. Voltarei a falar do go-
fender ou beneficiar, preocupando-se sim o rei que se retirasse para Torres Vedras e verno de D. Henrique de Meneses a quem
em retirar com os bens pessoais que tinha lá ficasse às suas ordens, até resolução das se deve a primeira grande avaliação con-
o btido. Vamos, aliás, entrar num período acusações de que era alvo. creta do que seria o poder naval português
em que os negócios do Extremo-Oriente Entretanto a 9 de Abril de 1524 saíra de na Índia, ao ordenar a feitura de um alardo
vão passar por alguns problemas, quer em Lisboa uma esquadra de 14 navios, coman- de meios de combate que ficará conhecido
Malaca, quer nas longínquas Molucas, mas dada pelo grande Vasco da Gama, que, pela como o “alardo de 1525”. É assunto para a
será assunto a abordar especificamente, terceira vez cruzaria o Cabo da Boa Espe- próxima Revista.
num próximo artigo. rança para assumir o cargo de Vice-Rei da Z
Entretanto na Índia, o território de Goa Índia. Um pequeno episódio lendário rela- J. Semedo de Matos
via-se diminuído de uma parte do espaço tado por Frei Luís de Sousa dá-nos a me- CFR FZ
14 NOVEMBRO 2005 U REVISTA DA ARMADA