Page 345 - Revista da Armada
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Deve dizer-se, no entanto, que a Inglaterra mau tempo, rondando os portos inimigos NELSON
agiu por instinto, como um animal acossado como abelhas e procurando o combate, onde,
que não tem saída à vista. A prova disso é a frequentemente, tiravam vantagem. Ora Horatio Nelson é o sexto filho de uma
proposta de paz que faz em 1797, e que não bem, o que quer isto dizer?... Dizia-se que modesta família de Burham Torpe, perto de
foi aceite pela França, convencida da sua su- os navios franceses eram melhores porque Norfolk, e nasceu a 29 de Setembro de 1758.
perioridade militar. andavam mais depressa, mas esta diferença Não é difícil imaginar as dificuldades por
O final do ano de 1797 e princípio de 98 não tem nada a ver com qualidade. Resulta que terá passado na sua mais tenra infância,
são decisivos para o desenrolar do conflito: apenas do facto de que os dois contendores antevendo que os horizontes do seu futuro
primeiro, a França não não seriam muito lisonjei-
aceita a paz porque acre- ros. A glória e a fama que
dita que, dentro em bre- veio a alcançar não pode-
ve vai conseguir invadir riam ultrapassar os limites
a Inglaterra; esta não vai de um sonho muito íntimo
render-se sem luta, na- e inconfessável, se é que al-
turalmente, e, conscien- guma ousou tê-lo. Com 11
te de não poder derrotar anos de idade, embarcou
os franceses em terra, vai como grumete no “Raisso-
reforçar-se no mar, ata- nable”, recomendado – ape-
cando as esquadras fran- sar de tudo – por um irmão
cesas onde quer que elas da mãe que era Intendente
estejam. Em 1798 Napo- da Armada Inglesa e o seu
leão desiste da ideia da grande protector durante os
invasão, decidindo lan- primeiros anos da carreira.
çar um ataque contra o Esta relação familiar foi de-
Egipto com o intuito de A Batalha de Aboukir. terminante em muitos as-
cortar o acesso britânico pectos da sua vida e da for-
à Índia através do Médio Oriente. Com esta tinham posturas diferentes em face da guerra mação do seu carácter, conforme se depreende
atitude desvalorizou o Poder Naval inimi- no mar, porque a sua relação com o mesmo das notas que a esse respeito nos deixou: de
go e os seus sucessos recentes na entrada do era, em si, distinta. Os franceses não sentiam facto gozou de uma protecção especial que lhe
Mediterrâneo. Imaginou, certamente, que o que o seu futuro se jogasse em combates na- permitiu ascender ao que não seria possível,
seu isolamento forçado em relação às potên- vais, e os ingleses tinham a noção de que não se julgarmos a sua modesta origem, mas isso
cias navais que o acompanharam no início lhes restava outra alternativa (foram, aliás, teve sempre um efeito estimulante na forma
da guerra (refiro-me à aliança de 1793) tinha empurrados para isso com a recusa da paz como se empenhou profissionalmente. Os ofi-
afastado os ingleses, definitivamente, do mar em 1797). E estas diferentes atitudes tinham ciais ingleses eram, habitualmente, oriundos
interior e não soube interpretar o que decorria de levar a diferentes interpretações e respos- das classes mais nobres, subindo à custa de
da vitória que obtiveram no Cabo de S. Vicen- tas, em face das sucessivas circunstâncias da grandes influências familiares. Por isso, e até
te, a 14 de Fevereiro de 1797. guerra que os opunha desde 1793. que o seu valor se tornasse indiscutível, olha-
É interessante notar, acerca deste assun- Com a invasão do Egipto em 1798, a França ram sempre para Nelson como um estranho,
to, uma interpretação de Nicholas Rodger, deu um golpe duro na linha de comunicação vindo de “outro mundo”. O filho do pastor
na sua obra The Command of the Ocean (a entre a Inglaterra e a sua colónia indiana, mas – como o próprio escreve. Ora esse facto des-
Naval History of Britain 1649-1815). O autor criou uma situação que não teve capacidade pertou no jovem oficial um desejo enorme de
comenta a tese da historio- se afirmar pela competência,
grafia tradicional de que os pela eficácia militar, pelo arrojo
navios franceses do final do e pela elegância. Aos 21 anos co-
século XVIII e princípios do mandava uma pequena fragata
XIX eram melhores do que e o seu desempenho na Guerra
os ingleses mas mal tripula- de Independência dos Estados
dos, dizendo o seguinte: as Unidos mereceu, pelo menos, o
técnicas de construção naval respeito e a consideração do Al-
eram amplamente conheci- mirante Hood, que veio a solici-
das em ambos os países (e tar os seus serviços no Mediter-
em Espanha também), mas râneo, quando se desencadeou
os objectivos definidos para a guerra contra os franceses. O
os navios eram diferentes: seu primeiro grande feito na-
se os franceses os queriam val-militar é ao comando da
rápidos e de grande raio de “Agamenon”, no ataque a Cal-
acção, os ingleses preferiam- vi, na Córsega, onde perdeu o
-nos fortes, com maior faci- olho direito.
lidade de manobra (menos Memorando. É importante recordar que
gente), mais resistentes ao mau tempo e com de manter: a sustentação de uma força mili- nestes primeiros anos de guerra, a Ingla terra
capacidade para andar no mar por longos pe- tar cuja ligação à metrópole se fazia, sobre- não contou grandes sucessos nas suas ac-
ríodos. Os navios franceses eram mais leves e tudo, por mar. Criou novos inimigos – uma ções. A primeira grande batalha onde obteve
mais rápidos em águas pouco agitadas, mas vez que a Turquia e a Rússia lhe declararam uma vitória mais ou menos evidente foi a
eram mais difíceis de manobrar e mais frá- guerra (esta última, pela segunda vez) – que 1 de Junho de 1794 (the Glorious First of June),
geis, fugindo, por isso, ao combate, sempre foi vencendo em terra, mas começou a so- num combate onde as perdas francesas fo-
que era possível. Os ingleses tinham navios mar derrotas sucessivas no mar. Como ve- ram significativas (sobretudo em pessoal),
mais fortes, mais resistentes, mais pesados, remos, Nelson cimentará a sua fama e a sua mas onde o principal objectivo da esquadra
mais lentos, mas mais fáceis de manobrar, glória nestes combates que cavaram a queda – que era impedir a chegada a França de 170
mais resistentes aos tiros de artilharia e ao de Napoleão. navios mercantes carregados de trigo e milho
REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2005 19