Page 97 - Revista da Armada
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ESTÓRIAS – 4
Orgulhosos do Dever Cumprido
Orgulhosos do Dever Cumprido
s portos e as bar-
ras continuavam fe-
Ochados e o temporal
teimava em não amainar.
A nós, não era a chuva in-
tensa ou as baixas tempera-
turas que nos desgas tavam,
era a ondulação gigante e
as rajadas de vento que,
por vezes, rondavam os cem
quilómetros/hora. Contudo, a
fragata “Comt. Hermenegildo
Capelo”, comandada pelo
CFR Mota e Silva, continuava
a dar apoio à navegação que
sulcava o Oceano Atlântico a
ocidente da Europa, onde os
naufrágios iam acontecendo.
Porém, já tinham sido cum-
pridas várias missões… Ago-
ra, rumávamos a norte, a
noite estava escura, o ven-
to soprava ainda mais forte,
as vagas erguiam-se a cer-
ca de 10 metros e os nossos
corpos, embora exaustos e
com ar faminto, iam supor-
tando o carrossel constante
proporcionado pela fragata a
subir e a descer aquele mar
imenso. Cerca das 23.00 ho-
ras, foram recebidas ordens
no sentido de prestar auxílio
ao RIVER GURARA. Este era
um navio de nacionalidade
nigeriana, de grande por-
te, com uma carga enorme,
encontrava-se à deriva e a
aproximar-se perigosamente
do Cabo Espichel.
Às 02.30 horas, a fraga-
ta chegou junto dele e nós
observámos como o RIVER
GURARA não era capaz de
vencer o mar enraivecido que
o empurrava na direcção das
rochas. Observámos também,
que a orla do Cabo manti-
nha um cenário horrível, prin-
cipalmente na parte sul, onde
a escuridão era medonha e de
lá provinham fortes sussurros
do rebentamento das ondas.
Estas eram em remoinho e ameaçavam engo- quase todas as hipóteses de recolher náufra- Porém, isso foi fatal, porque o mar não mos-
lir qualquer embarcação que ousasse deslo- gos, sugeriu que abandonassem o navio em trou contemplações, cumpriu a sua ameaça,
car-se para lá. Prevendo-se que a colisão era pequenas embarcações ou fundeassem na- transportou e começou a destruir o RIVER
inevitável, o Comandante entrou em contac- quela posição que mediava cerca de 1,5 mi- GURARA de encontro às rochas.
to via rádio com o Comandante do RIVER lhas de terra. Contudo, depois desta comuni- O navio, ao embater no rochedo, provocou
GURARA e temendo que, depois do embate, cação, talvez esperançados em passar safo um gemido ensurdecedor que entoou na noite
este descambasse para sul, o que nos retiraria ao Cabo, deixaram decorrer alguns minutos. e criou em nós uma terrível sensação…
REVISTA DA ARMADA U MARÇO 2004 23