Page 300 - Revista da Armada
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A Sagres, adquirida ao Brasil, visava subs-  a manutenção do Guanabara na Marinha Bra-  tura guarnição, embateu num pequeno mor-
         tituir o antigo navio-escola homónimo, ten-  sileira, e mesmo a sua recuperação para poder  ro que se encontrava a cerca de 5 Km da ca-
         do em conta o seu avançado estado de de-  continuar a navegar, o presidente Jânio Qua-  beceira da pista. Ao cair o aparelho partiu-se
         gradação.                          dros desistiu da intenção do seu antecessor, de  ao que se seguiu um incêndio, tendo pouco
           Já naquela época muitos defendiam que o  oferecer o navio a Portugal. Em todo o caso, foi  tempo depois explodido. Dos futuros elemen-
         tempo de uma Marinha com veleiros era coisa  durante o seu curto mandato que foi tomada  tos da guarnição da Sagres todos se salvaram,
         do passado, e que, por isso, se deveria apostar  a decisão de vender o navio, talvez pelo facto  com excepção do 1º Sargento Ilídio Manuel
         numa renovação virada para navios com ou-  de existir um princípio de acordo entre as au-  da Costa. Aliás, entre a queda do avião e a ex-
         tras características e mais modernos.  toridades dos dois países, datada do tempo da  plosão, que ocorreu antes de chegar ajuda, o
           Uma prova da importância dos grandes  visita do Presidente Kubitschek a Portugal. Esta  Comandante Silva Horta e os que se encon-
         veleiros na formação marinheira, pelos que  circunstância terá inibido, por si só, uma altera-  travam em melhores condições, ajudaram a
         defendiam a sua manutenção, residia no fac-  ção dos planos por parte do governo brasileiro.  resgatar os restantes camaradas e passagei-
         to de muitas marinhas terem ao seu serviço  Além disso, a orientação da Marinha Brasilei-  ros do avião em chamas. Não obstante, de
         navios-escolas, com estas características . E  ra ia, como referimos, no sentido de pôr ter-  um total de 88 pessoas do voo da Panair, só
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         havia poucos anos, em 1958, que a Marinha  mo aos navios à vela, pelo que do outro lado  36 sobreviveram.
         Alemã havia construído de raiz o seu veleiro  do Atlântico a venda do Guanabara iria certa-  A 8 de Fevereiro de 1962, no Rio de Ja-
         Gorch Fock, de acordo com os mesmos pla-  mente ao encontro daquilo que muitos advo-  neiro, teve lugar a bordo a cerimónia de au-
         nos do Albert Leo Schlageter/Guanabara.   gavam. Desta forma foi estabelecida quantia  mento ao Efectivo dos Navios da Armada,
           Não obstante, a situação em que se encon-  de 150.000 dólares americanos (4.500 contos),  nove dias depois de publicado em portaria.
         trava o antigo navio-escola Sagres só permi-  pela qual o navio foi transaccionado.  Isto porque só na véspera se apresentaram os
         tia uma de três saídas, à                                                           101 elementos ainda em
         época devidamente equa-                                                             falta na sua guarnição,
         cionadas e ponderadas: a                                                            Arquivo NRP Sagres  que viajaram de Lisboa
         continuação da sua utili-                                                           a bordo da fragata Cor-
         zação em grandes viagens                                                            te Real. De referir que
         oceânicas, com os peri-                                                             quando foi adquirido ao
         gos daí decorrentes; via-                                                           Brasil, era ainda um na-
         gens de instrução curtas e                                                          vio relativamente novo,
         essencialmente costeiras,                                                           contando 24 anos.
         de forma a minimizar os                                                               No dia 25 de Abril,
         riscos, mas sem grande                                                              terminadas as repara-
         utilidade prática; ou, fi-                                                           ções de que necessitava,
         nalmente, a construção                                                              a Sagres largou com des-
         de um novo navio-escola.                                                            tino a Lisboa, onde che-
         A primeira hipótese co-                                                             gou a 23 de Junho.
         locava riscos difíceis de                                                             No tempo que o navio
         poderem ser assumidos;                                                              leva ao serviço da Mari-
         a segunda iria tornar as                                                            nha Portuguesa, apenas
         viagens de instrução mui-                                                           não efectuou viagens
         to pouco proveitosas e                                                              de instrução em 1987 e
         quase inúteis; sendo que                                                            1990, por se encontra-
         a terceira, face aos custos                                                         rem em curso, respec-
         inerentes à construção de                                                           tivamente, a primeira e
         um navio novo, foi pron-                                                            segunda fases da grande
         tamente afastada.                                                                   reparação no Arsenal do
           Apesar de ter surgido a   Condecoração do Estandarte Nacional pelo Presidente da República, General Ramalho Eanes.  Alfeite.
         hipótese de aquisição do Guanabara à Mari-  Em Portugal, quando foi tomada a deci-  Em nossa opinião, nunca se conseguirá
         nha Brasileira, esta veio a revestir-se de inú-  são com vista à aquisição do Guanabara, o  avaliar com rigor tudo quanto o NRP Sagres
         meras peripécias até à sua concretização. Em  Dr. Pedro Teotónio Pereira, Ministro da Presi-  até à data fez em prol da representação da
         1959 o Dr. Teotónio Pereira, então Ministro  dência, e o Dr. Franco Nogueira, Ministro dos  Marinha e no que concerne à afirmação de
         da Presidência, teve conhecimento de que a  Negócios Estrangeiros, lideraram, no seio do  Portugal e da sua cultura no mundo. Talvez
         Marinha Brasileira havia parado o Guanaba-  governo português, o movimento no senti-  uma certa particularidade que amiúde nos
         ra, e que estaria possivelmente na disposição  do de ser disponibilizada a verba para a sua  distingue ajude a compreender por que ra-
         de vender o navio. No seu entender, não se  compra, gorada que estava a hipótese de este  zão, 45 anos cumpridos de relevantes servi-
         deveria em caso algum pôr fim à existência  ser oferecido.             ços prestados à Marinha e a Portugal, o seu
         de veleiros na Marinha Portuguesa, quando   Ainda antes da formalização da venda do  Estandarte Nacional modestamente ostente,
         aparentemente tudo apontava nesse sentido.  navio, que teve lugar no dia 10 de  Outubro  apenas, uma única condecoração – Ordem
         Neste contexto, foram encetados os primeiros  de 1961, seguiram para o Rio de Janeiro o  do Infante D. Henrique –, concedida em 1984
         contactos com vista a saber quais as condições  1º Tenente Ferreira da Apresentação e o Sar-  por Sua Excelência o Presidente da República,
         exigidas de forma a viabilizar a sua aquisição.  gento António de Sá Oliveira, com o objec-  General António dos Santos Ramalho E anes
         Quando se soube que o próprio presidente  tivo de coordenar a sua reparação. Estes vi-  (1976-1986), e por ele próprio imposta a bor-
         do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira  riam a ser, respectivamente, o Engenheiro e  do no dia 11 de Maio desse ano.
         (31/1/56 – 31/1/61), pretendia oferecer o na-  o Mestre do navio.                                     Z
         vio a Portugal, tudo pareceu muito bem enca-  Na viagem até ao Brasil, daquele que iria   António Manuel Gonçalves
         minhado. Não se concretizando de imediato  ser primeiro comandante do navio, o Capitão-            CTEN
         a sua transferência, devido a circunstâncias  -tenente Silva Horta, ocorreu um grave aci-  am.sailing@hotmail.com
         várias, pouco tempo depois Jânio Quadros foi  dente. Pelas 2h12 do dia 1 de Novembro, na   Nota
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         eleito presidente do Brasil (31/1/61 – 25/8/61).  aproximação ao aeroporto de Recife, o avião   Ships’ Races (1956-2006) – 1ª Parte – Primeiros Alvo-
         Rodeado por algumas pessoas que defendiam  onde este seguia, com mais 12 homens da fu-  res», Revista da Armada, Julho de 2006.
         10  SETEMBRO/OUTUBRO 2007 U REVISTA DA ARMADA
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