Page 302 - Revista da Armada
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SÍMBOLOS DO NRP “SAGRES”
SÍMBOLOS DO NRP “SAGRES”
Legado da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses
Para além do próprio nome, o navio- A Ponta de Sagres encerra na sua raiz etimo-
-esco la Sagres ostenta outros dois símbo- lógica uma forte conotação com o carácter
los que intimamente associamos ao perío- sagrado do local, em grande medida dilatada
do áureo da nossa longa e incontornável pelo facto dos restos mortais de S. Vicente aí
história marítima, a Cruz de Cristo e a efí- próximo terem repousado.
O infante D. Henrique mostrou interesse em
gie do infante D. Henrique, todos eles le- mandar aí construir uma vila, provavelmente
gados pela antiga Sagres. Se o mítico cabo sabendo das condicionantes com que se via
de Sagres foi escolhido para apelidar o confrontada toda a navegação, que estabele-
navio-escola da Marinha Portuguesa, com cia a ligação entre o Mediterrâneo e o Norte
tudo o que isso representa, como figura- da Europa. Por um lado, os navios que nave-
de-proa destaca-se a imagem do infante gavam para norte viam-se frequentemente im-
D. Henrique, ao passo que no centro de pedidos de passar à costa ocidental, devido ao
cada uma das dez velas redondas, se en- vento e aos seus efeitos no mar, causados pela
contra inscrita a Cruz de Cristo. forte nortada de Verão. Pelo que, mais não lhes
restava do que procurar o abrigo natural da en-
A seada de Sagres, aguardando pelas condições
Cruz de Cristo é o verdadeiro ex-libris
do navio-escola Sagres. A avaliar pelo
que lhes permitissem prosseguir a navegação.
O infante D. Henrique, terceiro filho do rei Por outro lado, os que viajavam em sentido
testemunho do cronista Gaspar Correia
(c.1495-c.1561), esta terá sido pela primeira D. João I e figura de proa do navio-escola Sa- contrário, sempre que soprava vento levante,
vez utilizada nas velas dos navios da armada gres, nasceu no Porto a 4 de Março de 1394, também comum nesta região, a baía de Lagos,
de Pedro Álvares Cabral, embora a sua origem tendo participado na conquista de Ceuta, ao porque aberta àquele quadrante, não oferecia
seja bem mais remota. A famosa cruz vermelha lado do seu pai e irmãos, em 1415. Por este a protecção desejada, forçando-os a procurar
de hastes simétricas, vazada ao centro, era o feito foram-lhe atribuídos os títulos de duque abrigo na enseada de Belixe, situada entre os
símbolo da Ordem Militar Cristo, fundada por de Viseu e senhor da Covilhã, embora a sua cabos de Sagres e São Vicente, até verem reuni-
D. Dinis em 1317, na sequência da extinção acção seja hoje essencialmente reconhecida das as condições que lhes permitissem deman-
da Ordem dos Templários em 1312. Herdando pelo facto de haver promovido as viagens de dar o estreito de Gibraltar. O cabo de Sagres,
os bens da antiga Ordem, também a sua sede exploração da costa ocidental africana e dos limite natural das enseadas que conferem pro-
foi posteriormente transferida para o Convento arquipélagos atlânticos. A sua perseverança tecção natural aos ventos mais comuns da re-
de Cristo, em Tomar, em 1357. De referir que e método permitiram o alargar dos conheci- gião, constituía assim ponto de encontro entre
o infante D. Henrique assumiu, a partir de 25 mentos geográficos coevos, a um ritmo até marinheiros, tendo-se revelado fundamental na
de Maio de 1420, e até à data da sua morte, o então nunca visto: descoberta (1419) e co- troca de conhecimentos e experiências.
cargo de «regedor e governador» da Ordem de lonização (1425) da Madeira, passagem do
Cristo, o que lhe permitiu ver ampliada a sua cabo Bojador (1434), descoberta (1427) e
influência política e religiosa, bem como a res- colonização (1439) dos Açores, chegada ao
pectiva disponibilidade financeira. De resto, as cabo Branco (1441), ilha de Arguim (1443),
riquezas e património herdados da ordem dos rio Senegal (1444), ilhas de Cabo Verde Arquivo CTEN António Gonçalves
Templários, para além de muitas outras rendas (1456) e Serra Leoa (1460).
e recursos de que o infante D. Henrique dispu- Com os seus navios às portas do golfo da
nha, tê-lo-ão ajudado a fazer face às avultadas Guiné, o infante D. Henrique faleceu na sua
despesas inerentes à construção dos navios, vila, em Sagres, aos 66 anos, no dia 13 de
tendo em vista a prossecução das viagens de Novembro de 1460. Durante anos, foi crian-
exploração, que, como se sabe, eram igual- do as bases e condições para que expansão
mente por si promovidas e financiadas. marítima por si iniciada pudesse continuar,
mesmo após a sua morte. Levando em linha
Arquivo CTEN António Gonçalves demos dizer que os objectivos das primeiras No decurso das viagens promovidas pelo
de conta os valores e conjuntura coevas, po-
viagens para sul não terão sido grandemen-
te inovadores. No entanto, no longo prazo, infante D. Henrique, os seus navegadores re-
os resultados das navegações prosseguidas conheceram regimes de ventos e correntes,
metodicamente, ao longo de décadas, aca-
baram por se converter num dos feitos de vegação, e identificaram quais as característi-
maior relevância da História da Humanida- aperfeiçoaram métodos e instrumentos de na-
cas dos navios a melhorar com vista a vencer as
de. Considera-se, por isso, do mais elementar dificuldades da navegação no Atlântico. Toda
e estrito reconhecimento, que a sua divisa, esta intensa actividade terá redundado no mito
talant de bien faire – vontade de bem fazer da Escola de Sagres, simbolizada pela forma
– seja, nos nossos dias, o lema que sublinha como os seus Marinheiros, simultaneamente
o brasão de armas da Escola Naval, institui- mestres e alunos, ancorados em enorme deter-
ção centenária, onde ainda hoje subsistem minação, buscaram o dilatar dos conhecimen-
o espírito e os princípios cultivados pelo in- tos náuticos e geográficos coevos.
fante, continuadamente invocados na forma- Z
ção humana e técnica dos oficiais da Mari- António Manuel Gonçalves
CTEN
nha Portuguesa. am.sailing@hotmail.com
12 SETEMBRO/OUTUBRO 2007 U REVISTA DA ARMADA