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Cinquentenário do afundamento do “Pamir”
Cinquentenário do afundamento do “Pamir”
1957-2007
O afundamento do Pamir em 1957 trouxe de oito viagens ao Chile, com cada uma das mercial a dobrar o cabo Horn, sendo que este
para o primeiro plano da agenda internacio- derrotas de e para a Alemanha compreendida momento ainda hoje é recordado com grande
nal os múltiplos aspectos da segurança no mar, entre os 64 e os 70 dias de mar. Com a eclosão emoção pelos denominados cap-horniers , cuja
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tendo-se inclusivamente constituído como um do conflito o navio permaneceu atracado nas sede-museu se situa em St. Malo, França. Refi-
dos factores que precipitaram a paragem da ilhas Canárias, só regressando à Alemanha em ra-se que em 1963, por ocasião da inauguração
antiga Sagres, sendo por isso de realçar que, 1920. No entanto ainda nesse ano acabou por deste Museu dos Cap-Horniers, o navio-escola
embora de forma indirecta, também este fu- ser cedido à Itália, como forma de pagamento Sagres esteve presente naquela cidade france-
nesto acontecimento esteve na base da decisão dos prejuízos de guerra. Para esta navegação o sa, tendo sido este o primeiro porto na Europa
que em boa hora foi tomada relativamente à Pamir saiu a reboque de Hamburgo, e dada a visitado pelo navio . 3
aquisição ao Brasil do actual navio-escola da impossibilidade de reunir uma tripulação para Conjuntamente com o Passat, o Pamir foi
Marinha Portuguesa… vendido em 1953 ao sucateiro Van der Loo
em Antuérpia, tendo ambos os veleiros
A Foto Picture Australia sido readquiridos, in extremis, pelo arma-
barca de quatro mastros Pamir foi
dor alemão H. Schliewen, que os recuperou
construída nos estaleiros da Blohm
& Voss para o grande armador ger-
e motorizou em Kiel. Em meados do ano
mânico fundado por Reederei Ferdinand seguinte foram comprados em hasta pú-
Laeisz (1801-1887) em 1828, que também blica por um banco alemão que em 1956 os
tinha sede em Hamburgo. Pese embora a vendeu àquele que viria a ser o derradeiro
empresa ainda hoje ostentar do nome do seu proprietário – Stiftung Pamir und Passat –,
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fundador , à época era mais conhecida por tendo este doravante empregue ambos os
Flying P-Line, em virtude dos seus rápidos navios na dupla função de transporte de
veleiros, na sua grande maioria barcas de mercadorias e navios-escolas da marinha
quatro e cinco mastros, ostentarem nomes mercante alemã.
começados pela letra P. O Pamir navegando à vela. Comandando pelo Captain Johannes
Na construção do Pamir foi utilizada Diebitsch, o Pamir largou pela última vez de
chapa de aço da mais elevada qualidade, ten- poder navegar com a nova bandeira, este foi Hamburgo a 1 de Junho de 1957 com um total
do o navio sido lançado à água a 29 de Julho mantido fundeado no golfo de Nápoles, perto de 86 homens, entre os quais se encontravam 52
de Castellamare. Não admira pois que em 1924, cadetes em instrução, tendo chegado a Buenos
Características do Pamir e sem dificuldade, o antigo armador o tenha Aires, Argentina, no dia 26 do mesmo mês. De-
Comprimento fora-a-fora 114,5 m a dquirido de volta por 7.000 libras, colocando-o vido a uma greve dos estivadores locais, as 3.780
Boca 14,0 m de novo ao serviço na rota do cabo Horn. toneladas de cevada que deveria transportar ti-
Calado 7,5 m Em 1931 o Pamir foi adquirido pelo arma- veram que ser embarcadas pelo próprio pessoal
Altura dos mastros 51,2 m dor finlandês Gustaf Erikson (1872-1947) de de bordo, com a agravante da maior parte do
Superfície vélica 3.800 m 2 Mariehamn, que o utilizou no ainda lucrati- cereal não se encontrar ensacado. Além disso,
Deslocamento 3.020 tons. vo comércio australiano de cereais. Durante este foi igualmente estivado a granel no tanque
a Segunda Guerra, quando se encontrava no de lastro do navio. Refira-se que todo o cereal
de 1905. Era o terceiro de oito navios-irmãos porto de Wellington, foi apresado pelas auto- embarcado apenas se encontrava precariamen-
– Pangani (1903), Petschili (1903), Pamir (1905), ridades neo-zelandesas, sob o pretexto de que te sujeito ao peso de umas meras 255 toneladas
Passat (1911), Peking (1911), Pola (1916), Priwall o país de bandeira se encontrava na iminência de cevada ensacadas, que foram colocadas por
(1917) e Padua (1926) –, embora só o Pas- cima do cereal a granel. Além disso, tanto
sat, o Peking, o Pola e o Priwall tivessem o comandante como o armador dispu-
sido construídos exactamente com base nham de informação técnica que alerta-
nos mesmos planos. No entanto, as di- CTEN António Gonçalves va para o facto do mau estado da chapa
ferenças entre estes e os demais eram de dos pavimentos não assegurar a estan-
tal forma subtis que mesmo os mais co- queidade exigida. Apesar do mais ele-
nhecedores tinham extrema dificulda- mentar bom-senso desaconselhar que o
de em distingui-los. Refira-se ainda que navio saísse para o mar nestas condições,
de todas estas barcas de quatro mastros o Pamir largou de Buenos Aires no dia 10
apenas o primeiro e o último navios – Agosto, tendo a viagem decorrido sem
Pangani e Padua –, não foram construí- novidade praticamente até ao encontro
dos pela Blohm & Voss, uma vez que o fatal com o furacão Carrie. Seguindo a
armador optou por os encomendar aos rota do vento, a 8 de Setembro já o Pamir
estaleiros de Tecklenborg em Geestemün- se encontrava a sudoeste do arquipélago
de (actual Bremerhaven), por sinal na de Cabo Verde.
mesma cidade alemã onde havia sido Muito embora tivessem sido difundi-
construída a antiga Sagres – Rickmer As rotas do Pamir e do furacão Carrie. dos avisos que davam conta da forma-
Rickmers –, em 1896. ção e trajecto do ciclone a partir do dia 5
A exemplo dos restantes navios-irmãos, tam- de ser ocupado. Navegou com a nova bandei- de Setembro, alegadamente por inexperiência
bém o Pamir era um robusto e veloz navio, es- ra até 1948 e chegou a fazer uma viagem até de Wilhelm Siemers, oficial responsável pe-
pecialmente concebido para praticar a exigente Londres com um carregamento de lã, antes de las comunicações, estes não foram recebidos a
rota dos nitratos, que obrigava a dobrar o cabo ser devolvido ao armador finlandês. Em 1949, bordo. Aliás, tanto quanto se julga saber poucos
Horn em ambos os sentidos. Até ao início da na viagem de regresso a Mariehamn, entrou dos comunicados posteriores sobre a evolução
Grande Guerra em 1914, o Pamir fez um total para a história por ter sido o último veleiro co- do furacão terão chegado ao conhecimento do
12 DEZEMBRO 2007 U REVISTA DA ARMADA