Page 8 - Revista da Armada
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a importância do acesso ao conhecimento sas duas páginas e meia. Quanto ao motor, a            -de-fragata Azevedo Gomes que, como já
científico e do seu uso prático, por parte de comissão concluiu, nomeadamente, que “[…]        referimos, faria parte da Comissão nomeada
um dos precursores da introdução dos sub- está cinematicamente bem estudado […] que            em 1905 para avaliar o projecto de Júlio da
marinos em Portugal. Cruz era mais novo do o seu diagrama teórico é superior ao do motor       Cruz.
que João Augusto Fontes Pereira de Melo, ordinário [e ainda que] ao passo que o motor
seu malogrado antecessor na ambição de ordinário é inapplicavel á navegação subma-              Estavam então em construção nas instala-
contribuir para dotar a Marinha portuguesa rina, o novo motor presta-se bem a essa apli-       ções do Havre dos estaleiros Forges et Chan-
de uma arma que poucas nações detinham cação […]”. Coroando a avaliação meritória              tiers de la Méditerranée, dois dos cruzadores
na época, e cujo aperfeiçoamento era então que fez dos trabalhos do tenente Cruz, a co-        do programa naval “Jacinto Cândido”, os
contínuo. No entanto, a apresentação do seu missão foi unânime na proposta de que “[…]         gémeos S. Gabriel (1898-1925) e S. Rafael
projecto ao ministro da Marinha e Ultramar ao auctor do projecto sejam concedidos os ne-       (1898-1911), que ficaram naturalmente co-
Moreira Júnior (1866-1953, médico, conheci- cessários recursos, que a Comissão estima em       nhecidos em Portugal como os Arcanjos. Es-
do como o “Moreirinha”, ocupou a pasta nos 6.000$000 reis, para em alguma casa estran-         tes navios foram oficialmente designados em
dois governos de José Luciano de Castro, entre geira constructora de motores d´explosão, elle  Portugal como cruzadores, apesar das suas
Outubro de 1904 e Março de 1906), tendo possa levar á pratica o motor que inventou, e          reduzidas dimensões, já que deslocavam
ocorrido quando Fontes ainda parecia acalen- que sob o ponto de vista theorico está bem        umas modestas 1.823 toneladas. Na verdade,
tar esperanças de fazer vingar a proposta de estudado […]”. Recomenda ainda a comissão         quanto aos quatro cruzadores do programa
adopção da sua estação submarina (terá sub- que, depois da realização desta primeira fase,     em causa, apenas o D. Carlos I poderia le-
metido o seu projecto pela última vez em                                                       gitimamente aspirar a inserir-se naquele tipo
1907, como atrás está referido), conheceu                                                      Foto Arquivo Histórico da Marinha
melhor sorte. Com efeito, dois dias depois                                                        de navio. Inicialmente integrado na mis-
de subscrito, o projecto de Valente da Cruz                                                       são de fiscalização da construção dos Ar-
recebeu do Director-Geral da Marinha,                                                             canjos, o já Primeiro-tenente Júlio Valente
Vice-almirante Guilherme Augusto de Bri-                                                          da Cruz manteve-se em França até 1905,
to Capello (tinha mais dois irmãos oficiais                                                       muito para além da entrega dos navios.
da Armada, entre os quais Hermenegildo,                                                           Terá sido durante esta prolongada estada,
o explorador africano) um despacho entu-                                                          sobre a qual as fontes até agora acedidas
siástico, no qual podemos ler “[…] É este                                                         mantêm silêncio, que lhe foi proporciona-
trabalho de gd. importância para a navega-                                                        do contacto com o que de melhor se fazia
ção submarina, e que a ser realizável fará                                                        em termos de desenvolvimento da arma
uma completa revolução nos actuaes syste-                                                         submarina.
mas dos barcos submersíveis. […] Entende
pois esta DG que se encarregue do estudo                                                           A este propósito, é altura para notar que
d´este projecto uma comissão de officiaes                                                         a Inglaterra, ainda a potência naval indis-
para sobre elle dar o seu fundamentado pa-                                                        putada que tinha sido ao longo de todo
recer; e que se este fôr favorável, não deverá                                                    o último século, só tardiamente procedeu
haver a menor hesitação em auxiliar o seu                                                         à incorporação de submarinos na Royal
autor por maneira a que elle possa proceder                                                       Navy (1901, com cinco navios da classe
a experiencias do motor […]”.                                                                     Holland, de projecto americano). Alguns
Assim aconteceu, pois em portaria de 28                                                           autores defendem que a demora se teria
de Agosto (atente o leitor na rapidez com                                                         ficado a dever a desconfiança ou des-
que foram tomadas as decisões), foi nome-                                                         crença do Almirantado no valor militar
ada a comissão proposta, que ficaria “[…]       1TEN Júlio Valente da Cruz (1870 -1943).          da nova arma. Mas a realidade parece ser
                                                                                                  diferente, até porque reflecte muito me-
encarregada de examinar e estudar o projecto seja o tenente Valente da Cruz autorizado a          lhor a postura que os ingleses adoptavam
de um submersível apresentado pelo primei- contratar com um estaleiro a execução do              então em relação às inovações no material
ro tenente, Júlio Lopes Valente da Cruz, e so- seu projecto de torpedeiro submersível “[…]     militar. Desta forma, os engenheiros ingleses
bre elle dar o seu parecer”. Compunham-na ficando, em caso de êxito dotada a marinha           terão acompanhado os desenvolvimentos
o Contra-almirante Luís de Morais e Sousa de guerra portuguesa com um invento útil, e          franceses dos finais do séc. XIX, mantendo
(comandante da Divisão Naval de Reserva), honroso não só para o seu illustrado auctor          sigilo quanto ao seu próprio interesse em ad-
Capitão-de-mar-e-guerra Manuel de Azevedo como para o paiz a que pertence”.                    quirir navios daquele tipo. Uma vez convic-
Gomes (comandante do Cruzador D. Carlos I), É agora o momento para procurar com-               tos que as tecnologias envolvidas tinham al-
Primeiro–tenenteAlfredoRodriguesGaspar (len- preender como o tenente Júlio Cruz, jovem         cançado a maturidade suficiente para terem
te da Escola Naval, que viria a ser presidente oficial com 35 anos de idade, sem formação      sucesso, decidiram-se pela incorporação dos
do ministério em 1924), Capitão de engenha- anterior em engenharia, logrou conceber um         submarinos na Royal Navy, construindo-os
ria do Exército Eduardo Ferrugento Gonçalves projecto para um torpedeiro-submersível           com o projecto americano que consideraram
(lente da Escola Naval e da Escola do Exército, que, segundo ele, incorporava inovações sig-   adequado.
viria a ser director do Instituto Superior Téc- nificativas.                                    A estada de Valente da Cruz em França
nico entre 1921 e 1927, acabando a carreira Desde já reconhecemos que sabemos mui-             estava a terminar, situação a que não terão
em General) e o Engenheiro naval de 2ª classe to mais sobre as circunstâncias genéricas que    sido alheios os desenvolvimentos a que aca-
António Jervis de Atouguia.                     lhe terão propiciado a aquisição dos conhe-    bamos de aludir. Na realidade, em Dezem-
A comissão foi expedita a trabalhar e o seu cimentos que depois empregou, do que so-           bro de 1905 o ministro da Marinha (o então
relatório tem data de 25 de Outubro do mes- bre a forma exacta como logrou obtê-los. O         General-de-brigada Manuel Rafael Gorjão
mo ano de 1905. Nas suas 14 páginas avaliou facto é que, ainda Segundo-tenente foi, em         Henriques) escreveu ao seu homólogo dos
as duas vertentes propostas por Valente da Dezembro de 1896 nomeado para, em Fran-             Negócios Estrangeiros (Venceslau de Sou-
Cruz: a questão do casco e a da propulsão, ça, assistir à construção da artilharia destina-    sa Pereira Lima, um entusiasta das relações
valorizando mais a natureza inovadora das da “[…] a 2 cruzadores de 1800 toneladas.”,          com Inglaterra e também com a Alemanha),
soluções propostas para o motor combinado podendo presumir-se que estivesse afecto à           pedindo-lhe que facilitasse os contactos do
d´explosão e de ar comprimido do que as re- missão encarregada de fiscalizar a constru-        tenente Valente da Cruz com Sir Philip Watts
lativas ao casco, ao qual dedica umas escas- ção dos navios, chefiada pelo então Capitão-      “[…] engenheiro constructor naval chefe do
                                                                                               Almirantado Inglez, que certamente poderá
                                                                                               auxiliar com quaesquer informações sobre

8 ABRIL 2013 • REVISTA DA ARMADA
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