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REVISTA DA ARMADA | 506
forma de inserção das Forças Armadas no Foto 1SAR ETC J. Parracho
Estado, que se traduziriam para os milita-
res em “relações especiais de sujeição”, militares constantes na legislação ordinária em vigor. Porventura
de natureza moral e política e não jurídica. a tese mais virtuosa seja a que tais restrições encontram ampa-
ro bastante em princípios constitucionais explícitos ou implícitos,
É, afinal, o argumento moral que esgri- concretizados em valores que a Constituição sufraga e tutela, tais
me Mouzinho, na sua famosa carta ao Prín- como a independência nacional, o Estado de Direito, a subordi-
cipe D. Luís Filipe (1898), quando exige do nação das Forças Armadas aos órgãos de soberania, entre outros,
soldado (militar) a resignação fria e disci- e ponderando na interpretação da Lei Fundamental o elemento
plinada, a confiança nos superiores e, mais teológico, identificando-se como finalidade social da Lei as exigên-
que tudo, a subordinação, tendo como úni- cias de eficiência e eficácia das Forças Armadas imprescindíveis ao
co fim servir bem, por único enlevo a gló- cumprimento da sua missão.
ria, por único móbil a honra e a dignidade.
E mais adiante afirma “Desde os misteres Silva Carreira
mais humildes até ao mais sublime, avan- VALM
çar de cara alegre direito à morte, (o solda-
do) tudo faz porque o trabalho despido de N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
interesse pessoal entra nos deveres da pro-
fissão. Trabalho gratuito, sempre, porque o Notas
vencimento do militar … nunca é remune-
ração de serviço, por não haver dinheiro 1 O princípio da necessidade militar permite a adopção de qualquer medida, desde
que pague o sacrifício da vida”. que legal, incluindo o emprego da força militar, indispensável para alcançar os fins
da guerra, tais como a submissão das forças opositoras.
Não parece ter sido esta a tese acolhida 2 S e queres paz prepara a guerra.
na Lei Fundamental, pela forma como in- 3 Q uanto ao conceito de “relações especiais de sujeição”, ver por todos Luís Pimen-
tegra as Forças Armadas na Administração Pública, procede à sua tel, “A Restrição de Direitos aos Militares das Forças Armadas”, AAFDL, Lisboa ,
inserção na Administração Central Estado e lhes fixa as suas atri- 2008, p. 215 e ss..
buições, competência e missão. 4 A córdão do Tribunal Constitucional n.º 33/2002, DR, II, nº 55, 6MAR, p. 4407.
5 A córdão do Tribunal Constitucional n.º 103/87, DR, I, nº 103, 6MAI, p. 1876.
Por isso, “o estatuto dos militares não significa nem corresponde 6 h ttp.www.economist.com/world/britain/PrinterFriendly.cfm?story-id=13714182,
a uma ordem normativa “separada” da Constituição ou, mesmo acedido 18-06-2009.
autónoma no seu interior. As relações especiais de poder ou de
sujeição são verdadeiras relações jurídicas e sujeitas ao princípio
da legalidade.”
E, daí, resultam importantes consequências jurídicas no que se
refere ao estatuto dos militares das Forças Armadas, suscitando
questões que noutros países já foram submetidas ao escrutínio
judicial. Foi o caso do Reino Unido a propósito da morte de um
soldado por choque térmico, no Iraque, em 2003.
Em 2007, sobre este caso, o Supremo Tribunal pronunciou-se no
sentido que o artigo 2º da Convenção Europeia dos Direitos do Ho-
mem garante o direito à vida dos soldados, quer em patrulha quer
em combate, e não apenas nas bases, como teria sido o caso sub
judice. Em sede de recurso, promovido pelo Ministério da Defesa,
esta decisão foi mantida.6
Em Portugal não se chegaria, provavelmente, a solução diferen-
te até por força do já citado artigo 24º da Constituição, estatuindo
que a vida humana é inviolável (nº1), sem qualquer excepção, nem
mesmo a da pena de morte (nº2).
Volta-se assim à questão já enunciada da legitimação constitu-
cional para as restrições ao exercício de direitos fundamentais dos
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