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REVISTA DA ARMADA | 545

               Completada a trasfega em segurança do combusơ vel, tornou-se
              premente resolver a questão do desembarque integral da tripula-
              ção remanescente (com os consequentes inconvenientes que daí
              advinham para o navio), bem como a nomeação do Capitão do
              Porto como fi el depositário do navio, à ordem do processo labo-
              ral movido pela tripulação contra o armador pelo pagamento dos
              salários em atraso (que conƟ nuou a correr termos em território
              nacional). Entretanto, surgiram novos actores, designadamente
              os credores internacionais do proprietário do navio, inclusive
              com registo de crédito hipotecário sobre o navio, registado em
              Malta , que passaram a interagir e dialogar com as autoridades
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              nacionais – e com a AML em parƟ cular – no âmbito da resolução
              da situação. Isto é, se por um lado se avançava na prevenção dos
              mecanismos de segurança, por outro acrescia, notoriamente, a
              complexidade jurídica do caso.
               Quando soube da situação em que se encontrava o navio,
              aquele credor internacional interpôs uma providência cautelar
              – e respecƟ va acção – com vista à obtenção, como veio efecƟ va-
              mente a acontecer, da decisão judicial que impôs o arresto. É úƟ l
              sublinhar que este arresto, embora decidido em momento pos-
              terior ao outro exarado no âmbito do processo laboral interposto   sobre o Direito do Mar – pelo nº 1, do seu arƟ go 93º – impõe que
              pela tripulação, não veio subalternizar a posição deƟ da  pelo   exista entre o Estado e os navios registados na sua bandeira.
              credor internacional, uma vez que, nos termos da Convenção de   Com o desembarque da tripulação, que ocorreu, no imediato,
              Bruxelas – sobre créditos maríƟ mos – os créditos internacionais   a seguir à trasfega do combusơ vel, o navio passou, aparente-
              registados prevalecem sobre os demais, podendo norma similar   mente, a estar numa situação jurídica de abandono , porque
                                                                                                             5
              ser encontrada no arƟ go 578º do Código Comercial Português.   fi cou sem tripulação, sem agente de navegação e sem qualquer
               Resulta do que vem aferido que, ao fi m de relaƟ vamente pouco   comunicação por parte do Estado de Bandeira. No entanto, a
              tempo, a AML teve que gerir – à entrada dos meses de Inverno –   efecƟ va entrada em cena do credor internacional – representado
              uma situação envolvendo um navio com problemas de máquina,   por um escritório de advogados na Turquia que, por sua vez, era
              sem tripulação, com dois credores, no âmbito de dois processos   representado por um outro escritório de advogados em Lisboa
              judiciais, e com uma latente questão com a autoridade portuária   –, induziu a que o desfecho da situação passasse a depender de
              do porto da Horta devido ao imprevisível desfecho da situação e   mais um diálogo, tornando mais complexa a unicidade de acção
              do tempo a cais que isso poderia ocasionar.         em termos de resolução do caso.
               Quanto à nomeação do Capitão do Porto da Horta como fi el   Factualmente, o navio encontrava-se numa zona do porto que
              depositário, tal decisão judicial foi contrariada pela AML com   oferecia menos perigo, porque era a mais resguardada dos efei-
              base sustentada nos dois processos (o movido pela tripulação e   tos adversos do tempo, estava arrestado à ordem de dois proces-
              no accionado pelo credor internacional). Com efeito, atendendo   sos judiciais, um pela tripulação do navio para ver saƟ sfeitos os
              àquelas que são as obrigações jurídicas decorrentes do exercício   vencimentos, e o outro pelo credor internacional, para não ver
              de tal função – manutenção, guarda e preservação do bem arres-  diminuída/perdida a garanƟ a real que deƟ nha (inclusive regis-
              tado, bem como as despesas associadas ao exercício da função   tada no pavilhão da embarcação). ConƟ nuava, porém, a consƟ -
              quando está em causa um bem móvel sujeito a registo com a   tuir um perigo real para o porto e para o meio marinho por causa
              dimensão do “CHEM DAISY (85 metros de  comprimento e 12,6   das condições meteorológicas e oceanográfi cas que, naquela
              de largura) –, suscitou-se ao Tribunal a escusa, uma vez que o   altura do ano, se fazem senƟ r na ilha do Faial – as quais podiam, a
              Capitão do Porto/Comandante Local da PM não podia alocar pes-  qualquer momento, potenciar uma situação de sinistro com con-
              soal da PM para a vigilância do navio, porque já era (e é) escasso   sequências absolutamente imprevisíveis para o regime do porto
              para a prossecução de todas as competências da AML, para além   –, pelo que importava procurar, no imediato, uma solução.
              das potenciais despesas que teria que suportar, saindo as verbas   Ora, foi precisamente por representar um efecƟ vo  perigo
              dos cofres do Estado. O facto é que, num dos processos, o Tribu-  para a segurança de pessoas, bens e meio marinho – porque se
              nal não aceitou a escusa solicitada, sendo que no outro aceitou o   encontrava sem tripulação que pudesse zelar pela sua manuten-
              pedido, tendo procedido à sua subsƟ tuição por outro fi el depo-  ção e integridade – que o “CHEM DAISY” passou a consƟ tuir um
              sitário.                                            encargo para o Capitão do Porto, enquanto autoridade maríƟ ma.
               Não obstante o Tribunal não ter aceite a escusa do Capitão do   Já enquanto fi el depositário, o Capitão do Porto tentou, igual-
              Porto da função, foi, precisamente, o facto desta autoridade ser o   mente, encontrar uma solução com os representantes do credor
              fi el depositário que acabou por acelerar o desfecho do processo   internacional, inclusive a mais grave que esteve em cima da mesa
              envolvendo o navio. Curiosamente, o Estado de Bandeira, à excep-  que foi de determinar a deslocalização em segurança do navio
              ção da inspecção efetuada, nunca respondeu às inúmeras solicita-  do porto da Horta para outro porto no Arquipélago ou mesmo
              ções efectuadas pela AML, nem deu quaisquer sinais de pretender   no ConƟ nente, onde estaria melhor resguardado das condições
              colaborar com as autoridades nacionais com vista a resolver este   adversas senƟ das na Ilha. Tendo em consideração que o período
              assunto, nem mesmo quando o navio passou para o âmbito jurí-  mais críƟ co das condições meteorológicas adversas já se estava
              dico do novo proprietário que procedeu ao seu armamento e o   a fazer senƟ r – e ainda não se estava nos meses de Inverno –, a
              pretendeu apresentar a inspecção com vista a ser libertado pela   hipótese real do navio ser movimentado para um porto seguro
              Capitania do Porto. Este Ɵ po de comportamento é um quadro fac-  no ConƟ nente surƟ u efeito, porquanto foi, precisamente, a parƟ r
              tual relaƟ vamente usual quando está em causa a efecƟ va verifi -  dessa data que o credor internacional informou que estava em
              cação do vínculo substancial que a Convenção das Nações Unidas   negociações com um operador insular para este comprar o navio,


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