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REVISTA DA ARMADA | 550
– com vista a aferir de defi ciências resultantes do acidente, e que rebocado), a qual foi assegurada pelo perito do DMN. Cumpridas
eventualmente inviabilizassem o seu reboque para Viana do Castelo as imposições atrás referidas, foi concedido o despacho de largada,
(VC) – e, decorrente desse acto técnico, foi rebocado para os Esta- tendo a viagem decorrido com normalidade até ao seu desƟ no .
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leiros Navais desta cidade com vista a corrigir as defi ciências (não Embora tenha ocorrido, em todo o seu percurso nas duas cida-
impediƟ vas de navegar) detectadas no acto inspecƟ vo. des, num quadro complexo de procedimentos, actos técnicos e
Quando se pensava que o desƟ no do navio estaria defi nido – pois operações, do sinistro do BETANZOS não resultaram feridos, nem
chegaram comunicações à Capitania do Porto de Lisboa no senƟ do derrames poluentes, nem, tão pouco, consƟ tuiu qualquer constran-
de que este seria vendido a um estaleiro nacional que se dedica ao gimento às acessibilidades ao porto (de Lisboa), dele, contudo, se
desmantelamento de navios, também endereçadas para o Consula- tendo reƟ rado ensinamentos vários, sempre úteis – para um Estado
do de Espanha em Lisboa –, soube-se, entretanto, que o navio havia costeiro como Portugal – em matéria de regime de navios encalha-
sido vendido a uma companhia com sede nas Ilhas Marshall que di- dos em portos.
ligenciou no senƟ do de transferir a bandeira para as Ilhas Comores,
e que o propósito do novo proprietário seria recuperar o navio para Dr. Luís da Costa Diogo
o colocar a operar, tendo, nessa altura, sido solicitado ao Capitão do Director Jurídico da DGAM
Porto de VC, em cujo espaço de jurisdição se encontrava o navio, au- CTEN TSN-JUR Alexandra Lima
torização para este realizar uma viagem para um porto na Turquia, Chefe da Unidade de Sinistros e Protecção do Meio Marinho (da DIRJUR)
através de reboque.
Este novo desfecho para o navio implicou da parte da AML, desde N.R. Os autores não adotam o novo acordo ortográfi co
logo, inúmeros contactos com as autoridades maríƟ mas de Espanha
com vista a confi rmar a baixa da bandeira, elemento essencial no
ulterior decorrer do processo, atento o princípio de direito interna- Notas
cional do mar que impõe que os navios apenas podem navegar sob 1 Este regime jurídico encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 64/2005, de 14 de
uma bandeira, a qual concede e enquadra o regime jurídico aplicável março, e, a nível internacional, pela Wreck Removal ConvenƟ on. Nos termos do ar-
Ɵ go 1º do citado DL, o proprietário, armador ou legal representante do navio deve
a sinistro no qual o navio esteja envolvido. Assim, e enquanto as au- assegurar a remoção deste sempre que seja um estorvo para a navegação, cause
toridades maríƟ mas de Espanha não procederam ao cancelamento prejuízo ao regime de entrada e saída do porto e represente um perigo ambiental.
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Nos termos do arƟ go 1.º do diploma legal acima mencionado, a responsabilidade
defi niƟ vo do registo , a decisão do Capitão do Porto de VC foi de pela remoção do navio ou destroço é sempre do seu proprietário, armador ou fre-
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não autorizar a viagem. Paralelamente à questão do cancelamento tador a casco nu, compeƟ ndo às autoridades nacionais, com jurisdição no espaço,
do registo, exisƟ am ainda outras questões pendentes, umas de cariz coordenar as operações com as restantes enƟ dades nacionais.
Sempre que se verifi ca um sinistro maríƟ mo, são desenvolvidos vários procedi-
administraƟ vo e outra de âmbito operacional, que Ɵ veram de ser 3 mentos de cariz averiguatório com objecƟ vos diferentes, portanto, não sobrepos-
minuciosamente ponderadas e analisadas com vista ao empreendi- tos; desde logo, o assumido pelo Estado de Bandeira do navio, que tem de ser
mento da viagem. implementado face às competências da respecƟ va administração maríƟ ma, outro
– no caso português – pelo Gabinete de InvesƟ gação de Acidentes MaríƟ mos (hoje
A questão de âmbito operacional era respeitante ao estado do mar designado GAMA) que tem em vista a avaliação técnica do acidente e a emanação
na altura em que o pedido foi efetuado (fi nais de novembro), sen- de eventuais recomendações, havendo, ainda, o inquérito ao sinistro que consƟ tui
do que, numa altura em que as condições de tempo e de mar não competência do Capitão do Porto, e, ainda, no aplicável, um outro inquérito do
foro da autoridade judiciária quando a situação envolva feridos ou mortos. Cada
são as mais favoráveis e tendo em conta que o navio iria atravessar uma destas invesƟ gações prossegue autonomamente uma vez que as fi nalidades
todo o território nacional, a decisão da AML de VC teve de ter em são juridicamente disƟ ntas, sem prejuízo dos processos cooperaƟ vos que existam
designadamente ao nível de inquirições e cerƟ dões com interesse comum que pos-
consideração a previsão meteorológica a 4/5 dias, período esƟ mado sam, nos termos da lei, ser disponibilizadas a outras autoridades públicas, bem
para a travessia do navio em águas territoriais nacionais e na Zona como ao nível da colaboração com órgãos de invesƟ gação de outros Estados (arƟ -
Conơ gua. Tendo em consideração a instabilidade meteorológica que gos 14º a 17º da Lei nº 18/2012). A averiguação do Estado de Bandeira efetua-se
ao abrigo do arƟ go 94.º, nº 7, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
se fez senƟ r em novembro de 2018, em que as previsões mudavam Mar, de 1982, bem como de disposições regulamentares em sede do respecƟ vo
bruscamente face aos fenómenos meteorológicos, houve duas per- direito interno dos Estados.
Em âmbito maríƟ mo, o regime da responsabilidade civil dos navios encontra-se
missões de saída que foram canceladas por causa do mau tempo, e 4 coberto por seguros até um determinado montante, sendo o excedente coberto
ainda uma outra porque, estando bom tempo, o navio teve um pro- por um Fundo Internacional, sendo aplicável a esta matéria o regime estabelecido
blema no gerador, o que implicou a reprogramação da saída. pelos instrumentos convencionais vigentes, como sejam, entre outras, a Civil Liabi-
lity ConvenƟ on (CLC), de 1969, a FUND ConvenƟ on, de 1971, e a Hazardous Noxious
Enquanto durou o processo de baixa de registo em Espanha, o Ca- Substances (HNS), de 1996.
pitão do Porto – com vista a preparar o navio para a viagem – co- 5 Os P&I Clubs são as enƟ dades para as quais os proprietários de navios transferem
municou ao agente de navegação que ia exigir do armador/proprie- a respeƟ va responsabilidade em caso de acidente maríƟ mo, mecanismo que é ac-
tário do navio o cumprimento escrupuloso da Resolução da IMO, Ɵ vado designadamente nas situações em que seja necessário indemnizar terceiros.
De notar que a responsabilidade destes clubes não é total, pois apenas garante o
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de 1993 que regula este Ɵ po de viagens e, como tal, iria impor: i) pagamento de indemnizações até determinado montante/limite, o qual se encon-
uma inspecção no âmbito do Port State Control, ii) uma inspecção tra enquadrado na convenção internacional aplicável.
Nesta altura o navio já se encontrava em processo de registo nas Ilhas Comores,
pela Administração MaríƟ ma ou pela Organização Reconhecida (OR) 6 havendo, inclusive, um registo provisório, com consequente emissão de cerƟ fi ca-
autorizada a atuar em seu nome – sendo esta a mais importante dos provisórios, os quais, contudo, não davam base sufi ciente para permiƟ r a nave-
porque determinante para a autorização de saída do navio –, tendo gação do navio até à Turquia, porque o cancelamento defi niƟ vo em Espanha ainda
não havia ocorrido.
este acto inspecƟ vo sido acompanhado pelo perito engenheiro do 7 A Resolução da IMO A.765(18), de 4 de Novembro de 1993 – Guidelines on the
Departamento MaríƟ mo do Norte (DMN), e, ainda, iii) a presença safety of towed ships and other fl oaƟ ng objects – permite o reboque internacional
dos inspectores da Administração MaríƟ ma das Comores ou da OR de navios (reboque em alto mar) desde que cumpridos determinados requisitos e
pressupostos, sendo o primeiro que o navio fosse cerƟ fi cado como apto pela res-
em território nacional para a concreƟ zação do acto técnico de cer- pecƟ va administração maríƟ ma.
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Ɵ fi cação do navio para a viagem. 8 Esta imposição decorreu do facto da OR do navio não ser reconhecida em âmbito
Quando a Capitania recebeu a comunicação da Autoridade Marí- da UE, sendo que, apesar disso, estava mandatada pelo Estado do Pavilhão, pelo
Ɵ ma de Tenerife – onde o navio BETANZOS estava registado – infor- que o CP não podia recusar o acto técnico executado por parte desta, tendo, ainda
assim, exigido o cumprimento de outros aspectos de segurança, como manter um
mando que o registo de pavilhão havia sido formalmente cancelado, determinado afastamento do navio de costa, e a obrigatoriedade de garanƟ r cons-
e a parƟ r do qual o navio já não Ɵ nha a nacionalidade espanhola, já tante comunicação com as autoridades de terra.
Desde então, o navio já teve bandeira de Barbados, e, já com o nome de KETHI,
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se Ɵ nham realizado a maioria das inspecções, sendo ainda neces- navega, actualmente, sob a bandeira de Malta.
sário realizar a vistoria ao conjunto de reboque (rebocador e navio
ABRIL 2020 23